Após a retirada às pressas da região nordeste da Síria, o porta-voz da coalizão liderada pelos EUA, coronel Myles Caggins, revelou que jatos norte-americanos destruíram munições deixadas para trás na cidade de Kobane, na Síria.
A última vez que os EUA haviam recorrido a uma ação deste tipo foi na retirada dos EUA do Vietnã, de acordo com o professor de Economia Política Internacional Alexander Azadgan.
"A última vez que recorreram a uma medida tão extrema foi aquando da retirada das tropas norte-americanas do Vietnã [...] por isso, do ponto de vista simbólico, as coisas não vão muito bem."
No entanto, o professor acredita que as falhas da política externa norte-americana não se restringem à retirada da Síria.
"Todos nós sabemos que a política externa norte-americana falhou gravemente, não só na Síria, mas também no Afeganistão, no Iêmen e em outros países. [A destruição de armas] não é uma prática comum, é sim uma vergonha para a nossa política externa no Oriente Médio."
Região estratégica
O diagnóstico do professor foi feito na esteira da retirada das tropas norte-americanas da Síria, anunciada no dia 6 de outubro.
Apesar das declarações oficiais, o professor Azadgan acredita que não haverá uma retirada total das forças norte-americanas do país árabe:
"Eu acredito que haverá presença norte-americana no leste do Eufrates, o que é bem controverso, porque eles dizem que não irão apoiar os curdos."
A região do leste do Eufrates é considerada estratégica, tanto pela sua relevância econômica, como por ser um corredor logístico vital. Nos últimos anos, a região foi disputada pela oposição síria, pelo Daesh (organização terrorista proibido na Rússia), pela coalizão norte-americana e seus aliados curdos e agora sofre pressão por parte da Turquia.
"Esta região é tão estratégica para todos, e acredito que os EUA irão manter algum tipo de presença lá, mesmo que secreta. Não é necessário manter milhares de tropas quando você tem forças de operações especiais. Eles podem ser poucos, mas são muito eficientes."
Operação Fonte de Paz
As tensões continuam aumentando na Síria, após a Turquia iniciar a Operação Fonte de Paz contra grupos armados curdos, na semana passada. Ancara luta contra o separatismo curdo em seu território e alega ter iniciado a operação na Síria para eliminar grupos “terroristas”, criar uma zona de segurança na fronteira e repatriar os refugiados sírios que vivem em seu território.
A ofensiva turca gerou forte oposição entre os seus aliados da OTAN. Os Estados Unidos impuseram sanções a ministros turcos e tarifas de importação de 50% sobre o aço produzido na Turquia.
Líderes europeus anunciaram um embargo de armas e criticaram veementemente a operação. O professor classificou o embargo alemão de um "perfeito jogo de geopolítica hipócrita", classificando-o de “irrelevante”, pois os Estados Unidos vendem caças F-35 e outros armamentos de alta tecnologia para a Turquia há muitos anos.
O professor acredita não ser mera coincidência que a Turquia tenha iniciado a ofensiva durante a retirada norte-americana. Para ele, há interesse norte-americano na desestabilização permanente da Síria.
"Eu acho que Trump e os falcões de seu gabinete, isto é, o [secretário de Estado] Mike Pompeo, estão 'terceirizando' a tarefa de criar mais caos e anarquia na Síria – como se o país já não estivesse já em uma situação lastimável."
O vilão da história
O professor acredita que há um esforço por parte dos EUA e de seus aliados para justificar a retirada das tropas e manter as aparências diante de uma situação tão complexa:
"Todos agora estão tentando criar uma percepção de que derrotaram o Daesh, de que todos derrotaram o Daesh, e isso é totalmente falso. Os Estados unidos estavam dando um apoio duplo para a al-Qaeda, que eles chamavam de "oposição síria", e também para a al-Nusra [organização terrorista proibida na Rússia e demais países]", notou o professor.
O professor lembrou o papel da Rússia neste contexto:
"Eu acho que a Rússia está ajudando todas as partes a manter as aparências. A Rússia está tentando criar uma atmosfera na qual todos sintam que derrotaram os vilões – seja ele o Daesh, a al-Qaeda, a al-Nusra. Então, o que podemos esperar dos aliados dos EUA é uma derrota silenciosa e não reconhecida de seus representantes."
Os limites da operação turca
Apesar da pressão internacional e do cessar-fogo atingido nesta quinta-feira (17), o professor se pergunta "até que ponto os turcos podem ir com este novo plano de extinção dos curdos".
Após a retirada norte-americana, os curdos perderam um apoio militar e financeiro vital, o que os levou a recorrer ao governo sírio em busca de proteção.
"O presidente da Síria, Bashar al-Assad, disse há alguns anos que os curdos não deveriam depender de ninguém e que, no final, eles voltariam para os braços da Síria pedindo proteção".
De acordo com a mídia da Síria, o presidente Bashar al-Assad prometeu reagir à ofensiva turca em qualquer parte do território sírio, utilizando todos os meios legítimos disponíveis.
Nesta quinta-feira, os EUA e a Turquia acordaram um cessar-fogo, pausando as operações turcas no nordeste da Síria por cinco dias. O acordo foi confirmado pelo ministro das Relações Exteriores turco, Melvut Cavusoglu.