No final do mês passado, o chefe de Estado brasileiro manifestou, em viagem a Riad, o interesse de ver o Brasil na Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), afirmando inclusive ter recebido um convite informal de um dos membros de maior peso do grupo, a Arábia Saudita. Ao comentar essa notícia, o ministro da Economia, Paulo Guedes, fez questão de destacar, sem excluir a possibilidade, que a atual orientação da política econômica brasileira é de "remover cartéis" e "integrar a uma economia globalizada".
Na última terça-feira, o secretário-geral da organização, o nigeriano Mohammad Barkindo, declarou que o Brasil seria bem-vindo ao grupo, mas sublinhou que, no momento, não há qualquer pedido oficial nesse sentido.
Criada em 1960 em Bagdá, no Iraque, a OPEP reúne hoje 14 Estados-membros e tem como objetivo centralizar a administração do petróleo nos países integrantes e controlar os preços dos barris no mercado. Em todo o continente americano, seus únicos representantes são Venezuela e Equador, mas esse último já informou que deixará a entidade no próximo ano. O México, embora não faça parte do grupo, é considerado um aliado por seus membros.
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Para o especialista em economia política internacional Vinícius Guilherme Rodrigues Vieira, professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (IRI-USP), há hoje "uma grande dúvida sobre o real benefício de se juntar àquele que já foi conhecido como o temido cartel mundial do petróleo".
Em entrevista à Sputnik Brasil, o acadêmico explica que ao contrário dos anos 1960 e 1970, hoje, o mundo dispõe de fontes mais diversas de energia do que aquelas das quais dependia quando a OPEP foi criada e ganhou grande poder político. Segundo ele, embora a organização ainda não seja "um ator irrelevante", hoje, "há benefícios duvidosos sobre nos juntarmos a um grupo que limita o preço que seus membros podem praticar no mercado internacional".
De acordo com Vieira, é preciso levar em consideração atualmente a existência de mecanismos de coordenação informal, adotados por países como Noruega, Rússia e México, que poderiam, talvez atender melhor a esse desejo do Brasil de se coordenar com a OPEP.
"Isso, aliás, é comum, diga-se de passagem, não apenas nesse campo, mas em qualquer organização. É sempre interessante um país primeiro ser observador para, eventualmente, depois, se tornar membro pleno", sugere.
O pesquisador da USP revela que ficou surpreso com o entusiasmo do presidente Bolsonaro com a possibilidade de o Brasil entrar para esse "clube", no qual estão países dos quais o atual governo, a princípio, não teria muito interesse em se aproximar.
"Nós temos ali, nesse clube, uma série de países que, segundo o próprio presidente e seus formuladores de política externa, não são países com os quais — reitero, sob a visão deles — seria útil para o Brasil se relacionar ou estabelecer laços muito próximos. Nós temos aí países do Sul global, países africanos, alguns latino-americanos...", afirma. "Então, me parece que o presidente Bolsonaro está indo, numa linguagem mais popular, no embalo."
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Tentando interpretar a empolgação do chefe de Estado brasileiro com o alegado convite saudita para o Brasil ingressar na Organização dos Países Exportadores de Petróleo, o analista argumenta que isso seria reflexo de uma política externa "muito errante" do atual governo.
"A sua política externa é muito errante. Então, nada mais esperado do que, em qualquer proposta que lhe for apresentada, ele veja isso como um aparente sinal de prestígio, sem de fato ponderar os custos e benefícios, o que apenas a diplomacia profissional e políticos bem informados em política externa — o que não me parece, infelizmente, ser o caso do presidente e de seus auxiliares mais próximos — são capazes de fazer."
O professor Vinícius Vieira diz acreditar que, antes da tomada de uma decisão sobre entrar ou não nesse grupo de países exportadores de petróleo, as autoridades brasileiras deveriam promover um debate amplo com a sociedade civil, mas isso, para ele, é "algo que também o atual governo, infelizmente, não está disposto a fazer".
"Há um risco aí de nós aceitarmos participar dessa organização sem ponderar os prós e contras da maneira mais adequada."