"Em nenhum momento, em nenhum momento dissemos aos curdos que os ajudaríamos a estabelecer um Estado curdo autônomo na Síria, nem lutaríamos contra um aliado de longa data como a Turquia em nome deles", disse Esper a repórteres nesta sexta-feira.
"Cumprimos nossas obrigações. E nossa obrigação, nosso acordo, nosso entendimento com os curdos era o seguinte: que trabalharíamos juntos na Síria para derrotar o Daesh [grupo terrorista proibido na Rússia]", explicou.
As palavras do secretário dos EUA levantam a dúvida se a parceria entre curdos e norte-americanos teria chegado ao fim, sobretudo após o principal líder da organização terrorista, Abu Bakr al-Baghdadi, ter sido declarado morto recentemente.
Pelo que disse Esper, cria-se agora um impasse em torno do que fora acordado pelo antecessor do presidente Donald Trump, Barack Obama. Naquela época, a Casa Branca concordou que as Forças Democráticas da Síria (FDS) de origem curda seriam recompensadas por fazer sua parte para derrubar o presidente sírio Bashar Assad com seu próprio Estado semi-soberano ao Curdistão iraquiano.
Apesar dos elogios feitos há muito tempo pela mídia norte-americana, esse "experimento social corajoso" está agora ameaçado pela recusa obstinada do governo Trump de continuar travando uma guerra que quase perdeu na Síria.
Traição e mudança de rumos
As FDS forneceram um local anti-Assad ideal através do qual os EUA poderiam ocupar áreas ricas em recursos da Síria, uma ocupação que de outra forma seria considerada ilegal pelas leis internacionais. Mas quando os EUA começaram a sair do nordeste da Síria em setembro, deixando os curdos surpresos e à mercê das forças turcas que os veem como terroristas.
Assim, os curdos foram forçados a implorar pelo mesmo governo de Assad que haviam condenado como o diabo encarnado enquanto os EUA ainda os sustentava para proteção. Eles finalmente engoliram seu orgulho e estabeleceram um acordo com as forças sírias e russas ao longo da fronteira com a Turquia, mas este não era o acordo que eles pensavam ter feito com os EUA.
Os curdos tinham bons motivos para esperar um Estado em troca de fazer o "trabalho sujo" dos EUA por tantos anos. Desde que a então secretária de Estado Condoleezza Rice descreveu com entusiasmo as consequências da desestabilização da região por Washington como as "dores de parto de um novo Oriente Médio", em 2006, o plano de jogo foi divulgado.
"Precisamos ter certeza de que estamos avançando para o novo Oriente Médio, e não voltando para o antigo Oriente Médio", declarou ela.
O "Grande Curdistão" abrangeria regiões ricas em petróleo do Iraque, Síria, Turquia e Irã, formando um Estado hipotético em meio a um Oriente Médio completamente balcanizado que se encaixa perfeitamente com os objetivos de política externa dos EUA, Israel e da maioria dos países do golfo Pérsico.
Abandonar o projeto do "Grande Curdistão" lança as bases para a consolidação das relações entre os EUA e a Turquia que, por razões óbvias, não gosta de ter partes do território de seus vizinhos interrompidas e entregues a um grupo que considera terrorista e, de fato, abandonar o esforço para construir um "novo Oriente Médio" cria um final feliz para quase todos na região, exceto Israel e as monarquias do Golfo.
Até Trump estragar a diversão de todos com sua insistência em sair da Síria, havia muito apoio na comunidade de política externa dos EUA para transformar o país árabe em enclaves étnicos - sempre apresentado como último recurso.
Enquanto a chuva de vegetais podres que os curdos deram às tropas americanas em retirada sem dúvida fez pouco para agradar os EUA, a mente do governo Trump estava claramente decidida a abandonar o projeto do "Grande Curdistão" de seus antecessores por um tempo muito anterior ao anúncio da retirada.
Os EUA ainda apoiam as FDS verbalmente e ainda estão "ajudando" soldados americanos a manter o petróleo sírio fora das mãos de Damasco. Existe até a esperança de que, se eles se comportarem, obterão esse Estado autônomo. Mas Esper deixou claro que as expansivas (e vagas) promessas de administrações anteriores – nunca escritas sob a forma de contratos assinados - é coisa do passado.