Há quase um ano, Jair Bolsonaro assumiu a presidência do país, para o júbilo de diversos setores da direita e para o patente desespero da esquerda e de uma certa parcela do centro político brasileiro.
Em seu primeiro discurso ao vivo e por Internet, Bolsonaro falou ao lado de sua esposa Michelle Bolsonaro e na companhia de uma intérprete de libras, manifestando a esperança "de mudar o destino do Brasil".
Citando a Bíblia, invocando a "verdade", Bolsonaro se apresentou ao país criticando o "extremismo da esquerda".
Com a mão sobre a Bíblia, com a Constituição do país, uma biografia de Winston Churchill e um livro do astrólogo Olavo de Carvalho sobre a mesa, o ex-militar prometeu combater o Comunismo e afirmou saber para onde ir.
Demarcava assim, a proposta política para a sua gestão.
As promessas de campanha do ex-capitão eram ousadas. Ele anunciou, ainda no ano passado, uma grande reforma ministerial, uma guinada liberal na economia, sob a liderança do seu superministro da economia, Paulo Guedes, e a manutenção da Operação Lava Jato, personificada pelo juiz Sergio Moro, que ocupou a pasta da Justiça.
As bandeiras do bolsonarismo também ganharam força com a agenda moral declaradamente conservadora, com reverência clara para as propostas da agenda da bancada evangélica, bem como para o combate à agenda "de esquerda" na cultura e na educação.
O novo governo veio montado sobre três fortes bases: uma ala militar, comandada pelo chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), General Augusto Heleno; a equipe econômica de Guedes; e o setor religioso e ideológico dividido pelos evangélicos e os seguidores de Olavo de Carvalho. Esses últimos representados pelo filho do presidente, Eduardo Bolsonaro.
Olavo de Carvalho, residente nos EUA e relegado ao ostracismo pela comunidade acadêmica e a intelectualidade brasileira há anos, deu a volta por cima e indicou durante o ano os nomes para ocupar o Ministério da Educação e a Chancelaria.
Política Externa
Segundo o professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Numa Mazat, que conversou com a Sputnik Brasil, os efeitos práticos dessa configuração do novo governo geraram uma série de consequências.
"A política externa do governo Bolsonaro foi marcada por um forte alinhamento geopolítico com os EUA de Donald Trump. Um elemento significativo dessa evolução foi o voto brasileiro (pela primeira vez) contra uma resolução (proposta originalmente em 1992) da ONU que denuncia o embargo comercial dos Estados Unidos contra Cuba. Essa votação ilustrou uma mudança radical da estratégia de inserção geopolítica do Brasil, já inaugurada durante a presidência de Michel Temer, mas consideravelmente radicalizada com o presidente Jair Bolsonaro", explicou o entrevistado.
De fato, a política externa brasileira, desde a redemocratização, tinha sido caracterizada por uma tendência a um certo alinhamento, particularmente em relação aos Estados Unidos (apesar da influência exercida sobre o país por eles). Ainda por cima, o período de governos do PT tinha sido associado a uma inflexão da política externa na direção de um maior apoio às iniciativas Sul Sul (particularmente no caso da integração latino-americana).
"Com essa decisão, o governo Bolsonaro mostrou claramente que pretende colocar um fim a 3 'tradições' relativamente enraizadas na inserção externa brasileira", apontou o especialista.
Foram rompidos assim: o não alinhamento sistemático com os EUA; a solidariedade com os países do "Sul Global"; bem como a tentativa de construção de uma liderança "benevolente" regional na América Latina, respeitando as características de cada país.
"É significativo que, nessa votação, só três países acompanharam o Brasil, além dos EUA: Israel ao votar, também, contra, a Colômbia e Ucrânia, ao se abster. Tratam-se de nações que se encontram numa dependência direta dos EUA, para a ajuda militar e financeira. Pensando no espaço latino-americano, isso pode prefigurar um caminho 'colombiano', onde o Brasil se tornaria uma espécie de 'protetorado' dos EUA (como aconteceu através do Plano Colômbia)", argumentou o professor.
Essa tese foi reforçada pela aprovação na câmara (decreto publicado no DOU em 20 de novembro) da entrega da Base de Alcântara para uso comercial pelos EUA, acompanhado de fortes restrições aos programas espaciais brasileiros. Essa acordo acabou, na prática, com a autonomia da estratégia aerospacial brasileira.
"Essa sujeição geopolítica foi, também, aprofundada na área econômica, pela perda de soberania sobre setores estratégicos, como a aeronáutica (fusão entre boeing e Embraer), energética (enfraquecimento da Petrobras com a tentativa, por enquanto abortada, de favorecer a participação de empresas estrangeiras nos leilões), a privatização da Eletrobras e Correios", destacou o economista.
Reforma da Previdência
A adoção da reforma da Previdência em 22 de outubro deste ano foi uma das grandes vitórias do governo. Mesmo tendo uma relação conturbada com o Congresso, que vetou diversos aspectos da proposta inicial da equipe econômica de Guedes, a aprovação da matéria marcou de forma positiva o cacife político do Planalto e, de certa forma, cumpriu uma das promessas de campanha de Bolsonaro.
Na prática, a reforma "significa que os trabalhadores brasileiros vão ter que trabalhar por muito mais tempo para conseguir a aposentadoria integral", destacou Mazat.
Mercado do trabalho
A taxa de desemprego se manteve alta ao longo do ano 2019, se estabelecendo em 11,8% no trimestre encerrado em setembro. Segundo o interlocutor da Sputnik, a leve diminuição do índice foi acompanhada por uma precarização do mercado do trabalho brasileiro ao longo do período, "com um forte crescimento da informalidade (a taxa de informalidade atingiu um nível de 41,4 % da população ocupada no trimestre encerrado em setembro)".
Economia
Apesar de diversos percalços políticos, o grande trunfo da atual gestão foi a performance da economia. O economista e professor de Finanças do Ibmec/RJ, Haroldo Monteiro, também em conversa com a Sputnik Brasil, elogiou a gestão de Paulo Guedes.
Mesmo com fraco avanço do programa de privatizações e com o déficit primário que não foi zerado, segundo prometido, Monteiro apontou para e recuperação gradual do crescimento do país.
"Bastante coisa melhorou. Vários indicadores melhoraram. O mercado está melhorando, mesmo a gente vindo de um período de grande recessão", afirmou o especialista.
"Um dos maiores casos de sucesso foi a redução dos juros. Isso fez com que as aplicações financeiras não tivessem juro real do governo e foram canalizadas para a produção e em investimentos", pontuou o economista.
Construção civil está se fortalecendo, segundo o professor, e essa é a área que funciona como um dos principais motores da economia no mundo todo.
"Eles souberam controlar bem a taxa de jutos e fizeram com que as expectativas sobre a economia melhorassem", alegou o entrevistado.
"O governo caminhou de forma deliberada para isso. Foi uma proposta do Guedes. Não aconteceu por acaso", acrescentou o economista.
"Ele [Bolsonaro] deixou a economia com quem sabe fazer economia", concluiu.
Para Haroldo Monteiro, "o que importa é o dinheiro no bolso da população".
Com a economia crescendo, para o especialista, as pautas morais do governo deixam de ter importância.
O que deixou de acontecer
Mesmo com visões econômicas e políticas diversas, os especialistas concordam que a reforma ministerial não aconteceu de fato. O funcionarismo público, com forte suporte do Congresso, está sendo um osso duro de roer para o executivo, como foi durante as décadas precedentes.
De toda forma, é possível apontar um certo consenso. Se a economia conseguir avançar, as pautas políticas virão no encalço. Nesse caso, no entanto, nem tudo depende do Brasil, pois o país está exposto às flutuações do mercado mundial, que não vive seus momentos mais estáveis.
Enquanto isso, as três bases do poder de Bolsonaro também vão realizando seus jogos de cartas internos. E Brasília vai caminhando dessa forma complexa e sem muita definição para a próxima década de 2020.