No dia 16 de outubro é comemorado o Dia Mundial da Alimentação, indispensável para projetar o debate em um mundo no qual cerca de 690 milhões de pessoas passam fome diariamente.
Em contexto desfavorável, no qual a pandemia, o aquecimento global e a retração do multilateralismo dificultam ações conjuntas no âmbito global, o prêmio Nobel da Paz foi concedido justamente a uma agência voltada para o combate à fome.
O Programa Mundial de Alimentos (PMA), agência ligada às Nações Unidas que provê assistência a cerca de 100 milhões de pessoas em 88 países, recebeu o prêmio em 9 de outubro.
De acordo com o Comitê do Nobel, o PMA foi laureado por seus "esforços para combater a fome [...] e por agir para evitar que ela seja utilizada como uma arma de guerra".
A Sputnik Brasil conversou com brasileira especialista em Proteção Social que integra o time do Programa Mundial de Alimentos.
"Acho que foi um prêmio simbólico, concedido para chamar a atenção para o problema [..] da desigualdade, da pobreza e, consequentemente, da fome", disse a funcionária.
O que faz o PMA?
De acordo com a brasileira, "o PMA, como maior agência humanitária das Nações Unidas, sempre teve um papel muito importante pela questão da logística de entrega de serviços".
"A centralidade do programa sempre foi inquestionável. A capacidade logística do PMA é muito forte e é isso o que importa em uma emergência", disse.
"Inicialmente, o programa focava na questão dos alimentos, mas hoje o PMA faz serviços de logística para toda a comunidade humanitária", contou. "Agências como a UNICEF [Fundo das Nações Unidas para a Infância] e a ACNUR [Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados] contratam nossos serviços de logística, armazenamento e transportes."
De uns anos para cá o programa ganhou mais atenção "por causa do aumento no número de conflitos que chamam a atenção do Ocidente".
"Depois de conflitos como o da Síria e a crise de refugiados, o perfil do PMA realmente ficou em ascensão."
De acordo com ela, o "PMA tem tido financiamento constante ", o que seria uma expressão do "reconhecimento do papel do programa pela comunidade internacional".
"Enquanto o presidente dos EUA, que não é muito afeito ao multilateralismo, cortou o financiamento de várias agências [humanitárias], o PMA foi uma das únicas que sobreviveu", relatou.
A brasileira, que conversou com a Sputnik Brasil à título pessoal, chama atenção para o papel político do programa, que reflete as estruturas de poder internacionais.
"Muitos países que financiam ajuda humanitária [...] são os mesmos que causam as guerras", disse. "Então, no fundo, o papel dessas agências não foge da geopolítica mundial."
Apesar da importância do acesso a alimentos, o PMA vem expandindo sua atuação para abarcar o desenvolvimento econômico-social.
"O perfil está evoluindo bastante: além da parte de emergência, muitos países enfrentam outros tipos de dificuldades, relacionadas à pobreza e às mudanças climáticas, que afetam comunidades rurais."
O que mudou com a pandemia
De acordo com estimativas do próprio PMA, o número de pessoas em situação de insegurança alimentar aguda deve aumentar em 80% no ano de 2021.
A deterioração está ligada não só à COVID-19, mas também ao aquecimento global e o aumento no número de conflitos armados globalmente.
Nesse contexto, ela acredita que "ações do PMA ligadas ao desenvolvimento [serão] o carro-chefe depois da pandemia".
Impacto do prêmio Nobel
Para a brasileira, o prêmio Nobel não foi concedido ao PMA "para angariar fundos [...] mas para jogar luz nesse problema que já existe mas que provavelmente será exacerbado".
"Ainda não estamos sofrendo todos os impactos econômicos da pandemia, mas muitas pessoas já estão desempregadas e com a qualidade de vida afetada", lamentou. "No Brasil, vemos que a fome voltou."
Dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em setembro de 2020 revelaram que 10,3 milhões de brasileiros vivem em situação de insegurança alimentar, um crescimento de 43,7% em relação a 2013.
Além disso, o aquecimento global é apontado como fator-chave para a deterioração da qualidade de vida dos pequenos agricultores.
"O aquecimento global já é um dos motivos principais para a atuação do PMA no mundo, mas dessas coisas não se fala nos jornais", lamentou.
Para ela, "a agência é muito boa no que faz [...] e realmente merecia um prêmio Nobel".
"Mas a mensagem principal é que nós estamos aqui porque o problema existe e ele não vai diminuir. Todas as projeções apontam que ele vai aumentar", alertou.
Ligado ao sistema da Organização das Nações Unidas, o Programa Mundial de Alimentos é uma das maiores agências humanitárias do mundo. Com 17 mil funcionários, o programa conduz ações em quase 90 países e operou com orçamento recorde de US$ 8 bilhões (cerca de R$ 44 bilhões) em 2019.