Desde a posse do novo presidente dos EUA, Joe Biden, as relações entre Moscou e Washington já passaram por altos e baixos.
O presidente norte-americano manteve na agenda sanções contra a Rússia e frequentes acusações sobre interferência de Moscou na política interna dos EUA.
Por outro lado, fora dos holofotes da mídia, avanços importantíssimos foram feitos: EUA e Rússia acordaram a prorrogação do Tratado START, acordo que regula armas nucleares estratégicas das duas superpotências militares.
Temas sensíveis na agenda bilateral, no entanto, seguem colocando as relações em cheque.
Desde o início de março, declarações de autoridades ucranianas sobre a possibilidade de mobilização militar na Ucrânia levaram a Rússia a mobilizar tropas em suas fronteiras.
Alarmado pelas movimentações russas, o presidente dos EUA, Joe Biden, realizou gesto diplomático ao convidar seu homólogo russo, Vladimir Putin, para uma reunião presencial.
De acordo com a Casa Branca, Biden teria proposto o encontro dos líderes em um "país terceiro", com o intuito de construir relações "estáveis e previsíveis" com a Rússia.
Após estudar o convite, as autoridades moscovitas acenaram positivamente, e relatos da mídia apontam que Washington e Moscou já discutem os detalhes do encontro.
"Foi um passo muito importante, uma boa notícia em escala global", disse Konstantin Kosachev, presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado russo sobre a iniciativa dos líderes.
Coexistência livre de conflitos
O encontro entre Biden e Putin pode ser uma oportunidade para que Rússia e EUA retomem diálogo positivo sobre controle de armamentos nucleares.
Apesar deste tema ser menos coberto pela mídia, em função de sua complexidade técnica, manter os arsenais nucleares de EUA e Rússia equilibrados é essencial para a segurança internacional.
No dia 27 de abril, o vice-ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Ryabkov, convidou Washington a voltar à mesa de negociações e construir o ambiente para a "coexistência livre de conflitos".
A ideia de "coexistência livre de conflitos" foi cunhada recentemente pelo presidente russo, Vladimir Putin, durante seu discurso anual na Assembleia Federal, em 21 de abril.
Segundo o líder russo, os diálogos sobre controle de armamentos "devem criar um ambiente de coexistência livre de conflitos ao equilibrar a segurança [de Rússia e EUA]" e podem incluir tanto sistemas de armamentos ofensivos quanto defensivos.
"Nós convidamos a administração Biden a iniciar diálogos sobre estabilidade estratégica, na linha do que disse Vladimir Putin, para discutir nossas preocupações nessa área e encontrar maneiras de resolver os problemas existentes", disse Ryabkov sobre a proposta russa aos EUA.
Acordo nuclear iraniano
Outro tema que deve figurar na agenda de Biden e Putin será as negociações para o retorno dos EUA ao acordo nuclear iraniano.
Em perigo de extinção desde que a administração Trump retirou Washington do acordo, em 2018, o documento é fundamental para manter o uso da energia nuclear para fins estritamente civis no Irã.
O acordo envolve outros atores, como Alemanha, França, Reino Unido e China. Mas a coordenação entre Rússia e EUA é essencial para garantir que todas as partes cumpram suas obrigações.
Mas a sua inclusão na agenda de Biden e Putin pode ser uma estratégia para melhorar as relações entre EUA e Rússia.
"As relações estão em um nível elevado de tensão [...] então é necessário encontrar temas nos quais os países possam encontrar pontos em comum", disse a iranista do Conselho Russo de Relações Internacionais (RSMD, na sigla em russo), Polina Vasilenko, à Sputnik Brasil.
Segundo ela, "se o Trump e o Putin tinham pontos de vista diferentes sobre o futuro do acordo nuclear iraniano, o Biden tem uma posição mais próxima [da russa]".
"Precisamos então de uma agenda na qual seja possível avançar a discussão, e não ficar derrapando em áreas nas quais não há consenso", esclareceu Vasilenko.
O embaixador russo em Viena, Mikhail Ulyanov, responsável pelas negociações multilaterais sobre o acordo nuclear iraniano, disse que as negociações estão "indo no caminho certo".
"Mas a jornada daqui para frente não será nada fácil e exigirá esforços intensos", disse Ulyanov. "As partes parecem estar prontas para isso."
Saída dos EUA do Afeganistão
Os líderes também devem debater a segurança no Afeganistão. Seguindo os passos de seu predecessor, Joe Biden anunciou estar decidido a terminar a "guerra mais longa da história da América".
O presidente norte-americano anunciou a retirada parcial de tropas a partir do dia 1º de maio e a retirada total no dia 11 de setembro, data dos ataques terroristas de 2001 que motivaram a invasão norte-americana do Afeganistão.
A coordenação entre EUA e Rússia sobre esse tema não é novidade. Em 2001, a Rússia auxiliou as operações norte-americanas no país asiático, garantindo trânsito de equipamentos militares dos EUA pelo seu território e uso de bases russas na Ásia Central.
O combate ao terrorismo islâmico é considerado por muitos especialistas russos e norte-americanos uma agenda comum, uma vez que ambos os países já foram alvo de ataques de jihadistas em seus territórios.
Nesse sentido, a Rússia tem interesse em impedir que a saída norte-americana do Afeganistão permita que organizações terroristas de projeção internacional, como a Al-Qaeda (organização terrorista proibida na Rússia e demais países), voltem a utilizar o Afeganistão como base.
Aliados
As autoridades norte-americanas parecem interessadas em encontrar-se com aliados antes de enfrentar o encontro com Putin.
O secretário de Estado dos EUA, Anthony Blinken, deve visitar a Ucrânia em breve para encontro com o presidente do país, Vladimir Zelensky, reportou a CNN.
Não é só a Ucrânia que tem interesses concretos em relação à possível reunião entre Putin e Biden. A Alemanha gostaria de ver as tensões se dissiparem para concluir o projeto Nord Stream 2 (Corrente do Norte 2) com a Rússia, sem que suas empresas sejam alvo de novas sanções norte-americanas.
O ministro das Relações Exteriores, Heiko Maas, considerou que a tentativa de desfazer os laços energéticos entre Rússia e Alemanha e de diminuir a participação chinesa na economia europeia levaria a uma aproximação entre Moscou e Pequim.
"Isso criaria a maior economia do mundo, com o maior complexo militar. Isso não é do nosso interesse. Eu acho isso perigoso inclusive do ponto de vista geoestratégico", disse Maas. "Por isso que eu acredito que deve ser possível fazer negócios com a Rússia. E o Nord Stream 2 é parte deste contexto."
Para ele, uma reunião entre Putin e Biden será "muito produtiva não só para as relações bilaterais [...] mas também para uma série de conflitos internacionais e para o mundo como um todo", disse Maas durante reunião da sociedade teuto-atlântica, em 26 de abril.
Dia D
A abundância de temas de interesse comum não impede que haja problemas para harmonizar a agenda dos líderes de EUA e Rússia em plena pandemia.
Biden deve fazer sua primeira visita à Europa no mês de junho. Entre os dias 11 e 13, o presidente norte-americano vai comparecer ao encontro do G7. No dia 14, estará em Bruxelas para reunião entre os países-membros da aliança militar OTAN.
A estimativa é que Putin e Biden se reúnam entre os dias 15 e 16 de junho, em um país europeu. As datas, no entanto, ainda não foram confirmadas nem pelo Kremlin, nem pela Casa Branca.
"Ainda não chegamos nesse ponto", disse a porta-voz da Casa Branca, Jen Psaki, no dia 26 de abril. "Ainda não temos confirmações sobre a cronologia."
Na mesma linha, o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, disse que o local do encontro tampouco foi definido.
Diversos países já se candidataram para receberem os líderes das superpotências militares. A chancelaria austríaca se ofereceu para receber os líderes e notificou oficialmente a Rússia e os EUA de sua disponibilidade, reportou a AFP.
"Fica a cargo dos dois países decidir se, quando e aonde esse encontro vai ocorrer. Obviamente, a Áustria estará sempre à disposição para [receber] negociações de alto nível de diversas naturezas" declarou a chancelaria austríaca em nota.
A Suíça também se colocou à disposição para sediar o evento, informou o jornal suíço Tages-Anzeiger, citando fontes diplomáticas.
"A Suíça está pronta para oferecer seus bons ofícios quando isso for producente e desejado. Isso inclui receber e organizar reuniões e conferências em território suíço", disse o Ministério das Relações Exteriores local sobre possível convite à Biden e Putin.
A cidade suíça de Genebra foi palco do encontro histórico entre o então presidente dos EUA, Ronald Reagan, e o secretário-geral do Partido Comunista da União Soviética, Mikhail Gorbachev, em 1985, um marco do período de distensão da Guerra Fria.
Outro país que também tem tradição em receber líderes de EUA e Rússia é a Finlândia. O presidente do país, Sauli Niinisto, convidou Putin e Biden a considerar Helsinque cidade-sede do encontro.
"No que se refere à possível visita, a Finlândia está disposta a organizá-la e já notificou tanto Washington quanto Moscou", declarou porta-voz da presidência finlandesa.
A cidade de Helsinque foi palco para um dos momentos mais importantes na história das relações entre a União Soviética e o Ocidente. Em 1975, mais de 30 países assinaram a Declaração de Helsinque, que criou a Organização para Segurança e Cooperação na Europa (OSCE).
Na história recente, no entanto, Helsinque foi palco da primeira e única reunião de cúpula entre Donald Trump e Vladimir Putin, em julho de 2018. Políticos do Partido Democrata norte-americano criticaram a postura do então presidente, que consideraram demasiado receptiva à Putin.
Com uma lista crescente de países dispostos a receberem os líderes, só o tempo dirá se Biden aceitará realizar a reunião de cúpula no mesmo palco de seu predecessor e adversário, Donald Trump.
Em 13 de abril, os presidentes da Rússia, Vladimir Putin, e dos EUA, Joe Biden, realizaram conversa telefônica para debater os principais temas da agenda bilateral. Na ocasião, Biden sugeriu um encontro de alto nível entre os líderes. A expectativa é que o encontro seja realizado entre os dias 15 e 16 de junho, em um país europeu.