Explicando as razões da queda rápida da capital afegã – foi muito mais precipitada do que foi previsto por vários especialistas, Mikhail Konarovsky, embaixador extraordinário e plenipotenciário da Rússia no Afeganistão em 2002-2004, afirmou que isso demonstrou "a fraqueza do regime, que não conseguiu se defender a si próprio".
Do ponto de vista dele, a elite de Cabul estava dividida, e não era por acaso que o presidente que renunciou, Ashraf Ghani, alterava continuamente seu gabinete de ministros. "Ele manobrava, sentindo que estava perdendo terreno", disse o ex-embaixador.
Ele também notou que Ghani tinha relações tensas com os representantes do norte, dos uzbeques e tajiques. "Não quero colocar toda a culpa sobre Cabul, já que a construção de um Estado é uma rua de duas vias, é um desejo não apenas do centro, mas também dos arredores e outras regiões, consolidar em nome da construção de uma sociedade que satisfaça os interesses de todos os cidadãos".
"Não estou seguro que o Afeganistão seja um Estado real, capaz de construir uma estrutura nacional real."
Conforme esclarece o diplomata, a República Islâmica é um país de líderes regionais que têm dificuldade em cooperar com o centro. Além disso, do ponto de vista ideológico, no país continuam sendo muito influentes as tradições tribais.
"Tribalismo e relações de clã são o principal obstáculo ao desenvolvimento do Afeganistão", disse o especialista, argumentando que historicamente a elite afegã sempre tentou modernizar o país, introduzir as noções de parlamentarismo e de economia europeias, mas nunca conseguiu. "O que está acontecendo agora também é um fiasco", adicionou.
Reconhecimento do Talibã é possível?
No que diz respeito ao reconhecimento do Talibã (organização terrorista proibida na Rússia e em vários outros países), o alto diplomata ressalta a diferença principal entre as alas política e militar do movimento. A chefia política teve que levar em consideração as posições dos países que negociaram com o Talibã.
Ao mesmo tempo, "ninguém vai reconhecer os talibãs, já que eles foram reconhecidos como organização terrorista pela ONU. Até que haja uma resolução do Conselho da Segurança da ONU de que eles já não são uma organização terrorista – o que eles devem provar por ações – ninguém vai se apressar a fazer isso", opinou ele. No entanto, o diplomata não descartou as tentativas de assinar um acordo com os talibãs. O Paquistão e vários países árabes têm seus próprios interesses no assunto.
No momento, os talibãs estão distribuindo entre si os lugares no Afeganistão, e por isso a ameaça de expansão do terrorismo é mínima. Porém, como mostra a história, relembra Mikhail Konarovsky, não há nenhum movimento ideológico que não queira se expandir.
"Eles poderiam continuar sua expansão ideológica às regiões vizinhas. Não como talibãs, mas como portadores do plano de uma doutrina islâmica dura e idealizada. Mas o que é importante é o comportamento da comunidade internacional. Os talibãs não poderão viver sem ajuda externa."
Recentemente, os talibãs declararam uma anistia geral, incluindo aos funcionários públicos do anterior governo, e apelaram a que todos voltem ao trabalho. Segundo opina o ex-embaixador, o Talibã precisa das pessoas que sabem fazer alguma coisa.
Ele conta que nos anos 2000, quando ele chegou a Cabul, a cidade estava sem sistema financeiro, sem ligações econômicas. A recuperação começou com as novas autoridades. Por isso, considera ele, os talibãs deram um passo certo ao declarar a anistia.
"Mas é preciso dar a essas pessoas estímulo, criar condições humanas. Hoje, como antes, a vida e o destino do Afeganistão estão nas mãos dos afegãos. Ninguém dos estrangeiros pode lhes impor alguma coisa. Eles próprios devem chegar ao consenso."
De acordo com o diplomata, eles podem receber assistência internacional se promoverem o islamismo moderado. Mas a capacidade depende do equilíbrio de forças dentro do Talibã. Os líderes políticos estão em Doha, enquanto também há os talibãs comuns, e seus comandantes são as pessoas que têm poder sobre eles. Todos devem começar a trabalhar em equipe entre si, concluiu Mikhail Konarovsky.