Analista explica por que China ilegalizou todas as transações com criptomoedas
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Na semana passada, o Banco Central chinês anunciou que todas as transações com criptomoedas são ilegais no país. Em entrevista à Sputnik Brasil, uma especialista de mercados globais de capitais explica, entre outras coisas, o motivo desse passo.
A China é um dos maiores mercados de criptomoedas do mundo. Portanto, parece muito estranho, à primeira vista, essa repressão contra as moedas digitais por parte de Pequim. Em 24 de setembro, o Banco Popular da China declarou que as criptomoedas não devem circular como moedas tradicionais. Além disso, impediu também que as bolsas estrangeiras prestem serviços a investidores através da Internet.
A Sputnik Brasil ouviu Jennie Li, pesquisadora de mercados globais de capitais, que esclareceu também as diferenças entre as criptomoedas existentes, peculiaridades de seu funcionamento e se acredita ser arriscado o investimento nelas. Jennie Li foi analista no J.P. Morgan Asset Management em Nova York e atualmente trabalha como estrategista de ações da XP Investimentos.
Motivos da China
De ponto de vista da especialista, o passo da China não muda muita coisa e está na linha da estratégia do gigante asiático a respeito do mercado digital:
"Esse anúncio só formalizou e reforçou a atitude da China em relação às criptomoedas de que elas não vão ser aceitas por lá", afirma a analista.
"Já que a China é um país sob um governo mais centralizado, então faz sentido eles impedirem a circulação de uma moeda fora do controle do regime, que potencialmente pode ser usada para evitar os controles de fluxos de capital existentes na economia."
Além do mais, aponta Jennie Li, a China atualmente está se preparando para lançar sua própria moeda digital, que vai funcionar como se fosse uma ferramenta de política monetária do Banco Central.
A analista acredita que, com essa proibição, Pequim esteja se preparando para diminuir a concorrência com sua própria moeda oficial.
© AP Photo / Ng Han GuanVisitante passa pelo logo do e-CNY, versão digital do yuan chinês, Pequim, China, 5 de setembro de 2021
Visitante passa pelo logo do e-CNY, versão digital do yuan chinês, Pequim, China, 5 de setembro de 2021
© AP Photo / Ng Han Guan
Além da China, vários países discutem agora a criação de sua própria moeda digital para transações comerciais, porém, diz a especialista, tais conversas são na fase inicial, em parte porque "ainda não existe um entendimento amplo de como elas funcionam; os preços das criptomoedas ainda são muito voláteis e não há um consenso sobre a regulação".
Nestas condições, a China é um país muito avançado nesse assunto, uma vez que o lançamento de uma moeda digital chinesa já pode acontecer no ano que vem. Vale mencionar também o caso de El Salvador, que recentemente anunciou o uso de bitcoin como moeda oficial.
Criptomoedas não são exatamente moedas digitais
As criptomoedas já viraram uma parte de nossa realidade. Mas nem todos entendem o que elas verdadeiramente são. Jennie Li esclarece que as criptomoedas são muito mais do que uma moeda de troca física. Essa nova tecnologia se baseia no sistema blockchain, que é um sistema descentralizado onde as transações são validadas e registradas por todos os usuários do sistema sem passar pela intermediação de uma instituição financeira.
Sem entrar em detalhes muito técnicos e descrevendo uma maneira mais simplificada, a analista explica que todas as transações entre as moedas digitais são registradas em um ledget, que é como se fosse um livro contábil em que o público e as transações são colocados lá de uma maneira transparente e irreversível.
Cada transação é registrada em blocos que se ligam aos blocos anteriores e assim é formada uma grande cadeia de informações que é o blockchain.
Bitcoin, ethereum, tehter: diferenças
No início, o bitcoin foi criado com o objetivo de ser uma moeda de troca para permitir um sistema decentralizado de pagamentos peer-to-peer, ou seja, sem nenhum intermediário, nenhum banco. O ethereum, por sua vez, funciona mais como uma plataforma de software que executa programas e aplicativos. Na verdade, é uma rede que permite até criar outras criptomoedas ou tokens.
Ambas as criptomoedas são baseadas na tecnologia de blockchain, mas a última, o ethereum, é muito mais complexa. O ethereum foi lançado em 2015, enquanto bitcoin surgiu antes, em 2009, depois que o criador do ethereum achava que o bitcoin tinha muitas limitações, conta a analista.
Quanto ao tehter, é um chamado stable coin, e como o próprio nome indica, ele é mais estável porque ele tem como lastro uma moeda física, que é o dólar. Para cada tehter emitido há um dólar equivalente guardado, como se fosse uma garantia.
Entre essas três, o bitcoin foi a criptomoeda de mais sucesso por ter maior valor de mercado e também por ser a mais popular e mais conhecida. No entanto, o objetivo inicial – de ser usada como uma moeda de troca - ainda não foi atingido, com exceção do caso de El Salvador.
© REUTERS / JOSE CABEZASPessoas aguardam para usar o caixa eletrônico Chivo, uma carteira digital que o governo salvadorenho lançou para usar o bitcoin como moeda oficial, El Salvador, 22 de setembro de 2021
Pessoas aguardam para usar o caixa eletrônico Chivo, uma carteira digital que o governo salvadorenho lançou para usar o bitcoin como moeda oficial, El Salvador, 22 de setembro de 2021
© REUTERS / JOSE CABEZAS
Conforme expressa a analista, "grande parte do mercado ainda usa o bitcoin e outros criptos apenas para especulação na bolsa de valores, esperando que se que valorize ao longo do tempo".
Mesmo assim, ela acredita que as criptomoedas são uma classe de ativos bem revolucionária, que trouxe muitas novidades. E o maior baque no mercado financeiro com o uso de criptomoedas consiste em elas permitirem essas transações sem a supervisão de autoridades monetárias.
"O problema é que ainda é algo muito novo, em que ainda não existem estudos, fórmulas ou teoremas financeiros para explicar as criptomoedas ou como elas funcionam versus as classes de ativos tradicionais", ressaltou.
Parcialmente por isso, e também devido à extrema volatilidade das criptomoedas, a especialista deu um conselho aos investidores:
"Para quem tem interesse, eu colocaria uma parcela bem pequena da carteira em criptomoedas, realmente somente aquele valor que, se o investidor perdesse tudo, como já aconteceu no passado quando a moeda já caiu perto aí de 80-90%, esse valor não faria muita diferença para o seu bolso."