Fazer UE participar nas negociações Biden-Putin sobre Ucrânia seria o maior desafio para Macron
Nos siga no
Especiais
Enquanto Paris assumiu a presidência rotativa da União Europeia, a Sputnik Brasil falou com dois especialistas em relações internacionais sobre os maiores desafios que o presidente francês pode enfrentar em vista de sua intenção de ser reeleito na próxima votação em abril.
Em 1º de janeiro, a França assumiu a presidência rotativa da União Europeia, substituindo a Eslovênia no posto, e presidirá por seis meses ao Conselho da União Europeia. "O ano de 2022 deve ser um momento de mudança para a Europa", declarou Emmanuel Macron em sua mensagem de Ano Novo, anunciando uma agenda ambiciosa para o bloco.
Qual é a relevância da presidência temporária francesa da União Europeia para o bloco? E como essa presidência pode beneficiar os planos de Macron de ser reeleito na próxima eleição presidencial na França? A Sputnik discutiu estas e outras questões com José Niemeyer, coordenador do curso de ReIações Internacionais (RI) do Ibmec RJ, e com Demétrius Pereira, especialista em questões da Europa e UE e professor de RI da ESPM-SP.
Nova liderança formal da União Europeia
É muito relevante a França assumir a presidência rotativa da UE, não só para o bloco, mas para todo o sistema internacional, acredita José Niemeyer, especificamente para a atual agenda de segurança internacional.
© AP Photo / Francois MoriPresidente francês, Emmanuel Macron, com o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, antes de sua reunião no Palácio Elysee, Paris, 11 de janeiro de 2022
Presidente francês, Emmanuel Macron, com o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, antes de sua reunião no Palácio Elysee, Paris, 11 de janeiro de 2022
© AP Photo / Francois Mori
A França é um dos países fundadores da União Europeia, ela é um país central da Europa que cada vez mais compete com a Alemanha pelo poder na UE, especialmente desde a saída do Reino Unido em resultado do Brexit. Tendo isso em conta, e no atual contexto das tensões em torno da Rússia e Ucrânia, é bem interessante, conforme o analista, que no momento a presidência do bloco tenha sido transferida da pequena Eslovênia para a França, um país muito relevante na Europa.
Embora, segundo Demétrius Pereira, a presidência rotativa da UE venha perdendo um pouco seu papel desde o Tratado de Lisboa retirar alguns poderes da presidência em 2009, o professor aponta que a França é um dos países mais influentes na Europa. E obviamente o país exerce suas influências de uma forma bastante efetiva, "realimente impulsionando as políticas mais ou menos de acordo com suas vontades".
Maior desafio de Macron
Na opinião de Niemeyer, o maior desafio com que Macron tem que lidar é a situação em torno da Ucrânia, "fazer com que a UE participe das negociações entre Biden e Putin com relação a uma possível ação militar da Rússia na Ucrânia".
O especialista relembra que, durante toda a Guerra Fria, os Estados Unidos e a União Soviética eram os atores determinantes do conflito, enquanto a Europa teve pouca relevância.
"Agora, neste século XXI, onde talvez a gente tenha uma outra tríade de poder formada pelos EUA, China e Rússia, a UE pode definitivamente afirmar o seu papel como não só um continente estratégico, mas como uma potência" do ponto de vista econômico, comercial, institucional.
O que falta à União Europeia é a política externa e de segurança comum (PESC) e, segundo ele, os EUA são responsáveis em parte pelo fato, "porque os EUA como líder da OTAN não querem a PESC, porque, se tiver a política externa e de segurança comum para a União Europeia, esvaziaria a OTAN".
Além disso, a disseminação da nova cepa Ômicron é mais uma questão preocupante na agenda da Europa. Ambos os analistas concordam que Macron vai ter uma postura muito clara a respeito do combate ao coronavírus. A França é um pouco mais restritiva do que outros países europeus, que enfatizam a liberdade dos cidadãos e vacinação não obrigatória.
Isso pode gerar uma certa discordância, mas parece que a maioria dos países europeus tende a concordar mais com a França e suas medidas para combater essa nova variante, afirma Demétrius Pereira.
Presidência rotativa e possíveis efeitos sobre próxima corrida presidencial na França
"A presidência rotativa da UE é uma vitrine para aquele país que exerce a presidência", constata o professor Pereira. Uma presidência bem-sucedida é uma vitória da própria União Europeia, mas também do governo que exerce a presidência, e realmente pode trazer certos benefícios para Macron.
Referindo-se a uma obra clássica de Maquiavel, "O Príncipe", José Niemeyer relembra que não há nada mais óbvio em política internacional e em política doméstica do que a relação entre a política externa e interna. Então, a presidência da UE veio no momento positivo para Macron, para ele poder desenvolver uma melhor corrida para a reeleição presidencial, e é evidente que ele vai usar esse fato nas próximas eleições.
Demétrius Pereira menciona ainda mais um "obstáculo" agravante para Macron. Esse é o possível crescimento de rejeição da UE por parte da população francesa, se os franceses começarem a ver a UE como algo mais negativo que positivo.
"Isso deve ser o maior medo de Macron, tem que se esforçar para que a União Europeia seja vista durante esses seis meses como algo que vem trazendo mais coisas positivas que negativas."
Agenda da administração de Macron no bloco
Quanto às relações externas, é a questão da Rússia, da Ucrânia e talvez as negociações do acordo Mercosul-EU, que podem ser afetadas negativamente. A França não é muito favorável ao fechamento das negociações, porque ela é um país bastante agrícola.
Além do papel institucional para cooperação internacional no combate ao coronavírus e para a segurança internacional, talvez o que mais marque a presidência de Macron no bloco é um olhar onde se perceba mais o interesse do sistema internacional do que de um Estado em particular, que é muito contrário ao que, por exemplo, foi a era Trump, que via muito interesse internacional norte-americano.
"Então, Macron vai ter que sempre olhar muito o caráter institucional do bloco, mas ele não vai poder esquecer a questão francesa, até porque tem a eleição na qual ele é candidato", resumiu José Niemeyer.