Crise na ala ideológica do bolsonarismo coloca sua reeleição em risco?
17:51 28.01.2022 (atualizado: 09:18 29.01.2022)
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"Conservador que não apoiar Bolsonaro, voltará ao ostracismo". A opinião é Filippe Poubel, que falou, em entrevista para a Sputnik Brasil, ao lado do cientista político Ricardo Ismael, sobre essa "sensação" de que a candidatura de Jair Bolsonaro naufragou.
Enquanto a maior parte do eleitorado progressista sustenta que os "bolsonaristas arrependidos" são uma realidade no cenário político para as eleições de 2022, as recentes declarações do ex-ministro Abraham Weintraub e do ex-chanceler Ernesto Araújo parecem apenas aprofundar essa análise.
Embora seja notório que o presidente Jair Bolsonaro tenha "arrumado" algumas brigas desnecessárias desde que assumiu o cargo, é preciso refletir se essas figuras (da ala ideológica) fazem falta para a movimentação de sua base eleitoral, ou mesmo se as alianças com o Centrão podem compensar eleitoralmente essas baixas.
Em pleno ano eleitoral, até mesmo o falecido filósofo Olavo de Carvalho, considerado o guru do presidente, chegou a dizer que foi usado por Bolsonaro, reclamando que a eleição estava perdida porque o chefe de Estado brasileiro havia "abandonado" o radicalismo.
Por outro lado, é justamente pelo alinhamento com o Centrão que o atual presidente chega "vivo" às eleições deste ano. Seu partido, o PL, terá grande parte do fundo partidário, ferramenta fundamental para construir uma base de apoio no Congresso, além do maior tempo para propaganda na rádio e na televisão.
Para o deputado estadual Filippe Poubel, a questão, posta como está, exige uma resposta bem simples: "Não existem baixas entre os que realmente acreditam no presidente Bolsonaro e os que acompanham as transformações, para melhor, que o governo está promovendo pelo país".
Apesar de discordar do pensamento do deputado a respeito das baixas na ala ideológica, o cientista político Ricardo Ismael entende que a corrupção ainda é uma bandeira muito forte defendida pela população. Ele avalia que o Bolsonaro está muito mais frágil hoje (também por ter perdido apoio de figuras como Weintraub), mas ele ainda é competitivo no primeiro turno.
A rejeição recorde de Bolsonaro
Em dezembro de 2021, cerca de 60% dos entrevistados pelo DataFolha afirmaram que jamais votariam em Bolsonaro. Para Ricardo Ismael, esse é o maior entrave para a reeleição do presidente.
Hoje, Bolsonaro empata tecnicamente em rejeição com o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), pré-candidato à presidência com a maior taxa de negação de votos: 59%. O ex-presidente Lula (PT) é o menos rejeitado, com 38%.
Segundo Ricardo Ismael, o presidente Bolsonaro foi apoiado por três importantes segmentos: militares, evangélicos e empresários. O especialista apontou que o chefe de Estado brasileiro perdeu apoio entre esses representantes da sociedade. No entanto, em sua avaliação, há muitos fatores que incidem sobre o voto popular, como a corrupção.
O cientista político explicou que, para ser candidato ou fazer um bom governo, "não adianta ser um outsider, pois isso não é requisito". Ele defendeu que candidatos populares devem trazer valores novos à República. "Há, sim, no Brasil, um sentimento muito forte de rejeição à corrupção pública", comentou, enfatizando que o tema pode decidir a balança eleitoral para 2022.
"Em 2022, há candidatos dizendo que não fizeram nada de errado, mas quem avaliará isso é a população. Mesmo aqueles que estão disputando a eleição, se tiveram algum problema no que diz respeito à administração pública, vai ter que prestar contas à população. Se a população decidir que isso foi uma questão menor, o eleitorado é soberano", avaliou.
Por essa mesma razão, aponta que Filippe Poubel, "o bolsonarismo continua forte". Segundo ele, "basta olhar a popularidade do presidente nas ruas. Ele tem uma base sólida, que o ajudará a mostrar as conquistar do Brasil, sem corrupção e a roubalheira que assolavam os governos de esquerda".
Embora entenda que o governo chega à 2022 com boas chances de brigar pelo segundo turno, a avaliação do cientista político é de que algumas escolhas pesaram na gestão bolsonarista, principalmente assuntos relacionados à pandemia de COVID-19. Ali, aponta Ismael, foi onde o presidente mais errou.
A pandemia e as 600 mil mortes
Embora a COVID-19 tenha sido um evento de proporções catastróficas pelo mundo, provocando milhares de mortes em países considerados mais desenvolvidos que o Brasil, Ricardo Ismael é seguro ao dizer que o presidente Jair Bolsonaro cometeu excessos no combate à pandemia.
"A crise sanitária que atingiu o mundo, e o Brasil de maneira dramática, colocou o presidente sob forte avaliação. E ele deixou muito a desejar na gestão da pandemia, o que fez com que muita gente passou a cerrar fileiras nesse grupo que rejeita o Bolsonaro", avaliou.
Para o cientista político, "embora ele não fosse experiente no âmbito Executivo, na área da saúde houve divergências muito difíceis de serem entendidas. Todos os ministros da Saúde, e a Anvisa, com uma postura pró-vacina, e o presidente em sentido contrário. E é difícil compreender isso e defender".
Aliados?
Embora a COVID-19 não tenha sido especificamente a razão pela qual houve uma debandada nos aliados do presidente, foi ali que suas taxas de rejeição passaram a crescer vertiginosamente. Neste sentido, o cientista político relembrou uma característica marcante do atual chefe de Estado do Brasil.
© REUTERS / ADRIANO MACHADOPresidente do Brasil, Jair Bolsonaro, e o presidente da Câmara, Arthur Lira, participam de reunião para entrega da medida provisória para mudanças no programa de assistência social Bolsa Família (Bolsa Família) Brasília, Brasil, em 9 de agosto de 2021
Presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, e o presidente da Câmara, Arthur Lira, participam de reunião para entrega da medida provisória para mudanças no programa de assistência social Bolsa Família (Bolsa Família) Brasília, Brasil, em 9 de agosto de 2021. Foto de arquivo
© REUTERS / ADRIANO MACHADO
"Há ministros que não deram certo, é normal em qualquer governo, mas há outros que mostram problemas com o Bolsonaro, e esse é o perfil desse governo: estar voltado para o bolsonarismo raiz", comentou.
Em 2018, o então candidato pelo PSL teve um apoio forte entre importantes segmentos da sociedade, como empresários, militares, e agronegócio. Para Filippe Poubel, essas pessoas que conquistaram mandatos, e hoje criticam o presidente, surfaram na onda conservadora. Segundo ele, o tempo e Deus "farão as máscaras cair".
"Tenho convicções de que as urnas em 2022 vão fazer esses falsos conservadores voltarem ao ostracismo", comentou.
Embora compreenda que cenário político para 2022 seja diferente quando comparado com 2018, o deputado é enfático: "A política perdoa traição, mas não o traidor. Isso é oportunismo. As pessoas vão identificar os oportunistas que nunca estiveram alinhados com a direita e o conservadorismo, assim como as bandeiras do presidente.
© Folhapress / Pedro LadeiraO presidente Jair Bolsonaro acena para apoiadores na rampa do Palácio do Planalto, em Brasília, 13 de outubro de 2020
O presidente Jair Bolsonaro acena para apoiadores na rampa do Palácio do Planalto, em Brasília, 13 de outubro de 2020
© Folhapress / Pedro Ladeira