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China não quer ultrapassar os EUA, mas sim expulsá-los do Círculo do Pacífico, diz analista

© AP Photo / Andy WongVisitantes assistem a uma tela de TV mostrando um avião F-35 da Força Aérea dos EUA disparando um míssil perto dos modelos do porta-aviões Liaoning com fragatas e submarinos da Marinha em exibição no museu militar em Pequim (foto de arquivo)
Visitantes assistem a uma tela de TV mostrando um avião F-35 da Força Aérea dos EUA disparando um míssil perto dos modelos do porta-aviões Liaoning com fragatas e submarinos da Marinha em exibição no museu militar em Pequim (foto de arquivo) - Sputnik Brasil, 1920, 23.02.2022
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Há exatos 50 anos, Richard Nixon visitava Pequim em uma viagem histórica: a primeira de um presidente norte-americano ao país. Após cinco décadas, as relações entre China-EUA estão em um nível tão baixo que poderiam até remeter a uma segunda Guerra Fria. A Sputnik Brasil ouviu analista para entender melhor o que acontece entre as duas potências.
No ano de 1972, em uma manhã cinzenta de inverno e com ruas lotadas de cartazes escrito "abaixo o imperialismo da América", o então presidente dos EUA, Richard Nixon (1969-1974), desembarcava em Pequim.
Na visita, Nixon participou de reuniões com o fundador da República Popular da China, Mao Zedong e, segundo relato do tradutor do primeiro-ministro Zhou Enlai, quando apertou a mão de Mao, Nixon disse: "Esta mão estende-se pelo oceano Pacífico em amizade", de acordo com o Notícias ao Minuto.
Ao longo dos anos, outros presidentes foram à China, como George W. Bush, Barack Obama e até mesmo Donald Trump. No entanto, 50 anos após a histórica viagem de Nixon (a primeira de um presidente norte-americano ao país), as relações entre Pequim e Washington nunca estiveram em um nível tão baixo e estremecido.
O crescimento do gigante asiático incomoda a potência do Ocidente que tenta de todas as formas conter o avanço chinês e manter sua posição, já a China, cada vez mais amplia o seu PIB e segue se alinhando a fortes parceiros como a Rússia.
Para alguns especialistas, as hostilidades e confrontos diplomáticos envolvendo sanções e acusações entre China e Estados Unidos podem resultar em uma segunda Guerra Fria, exatamente o momento em que se encontrava o mundo quando Nixon foi a Pequim.
© AFP 2023 / Agência Xinhua Foto de arquivo tirada em 22 de fevereiro de 1972, quando o presidente da China, Mao Zedong (E) dá boas-vindas ao presidente dos EUA, Richard Nixon, em Pequim, durante sua visita à China
Foto de arquivo tirada em 22 de fevereiro de 1972, quando o presidente da China, Mao Zedong (E) dá boas-vindas ao presidente dos EUA, Richard Nixon, em Pequim, durante sua visita à China - Sputnik Brasil, 1920, 23.02.2022
Foto de arquivo tirada em 22 de fevereiro de 1972, quando o presidente da China, Mao Zedong (E) dá boas-vindas ao presidente dos EUA, Richard Nixon, em Pequim, durante sua visita à China
O professor de economia chinesa do Instituto de Ensino e Pesquisa de São Paulo, Roberto Dumas, entrevistado pela Sputnik Brasil, concorda com o fato de que o relacionamento entre as duas nações nunca esteve tão abalado, e tal realidade estaria se afunilando desde a entrada da China na Organização Mundial do Comércio (OMC), quando o país passou a ter um superávit cada vez maior.
Entretanto, uma progressão robusta no superávit de qualquer país não acontece sozinha, é necessária uma demanda de mercado, e no caso chinês, ela vem dos próprios EUA uma vez que "os norte-americanos querem consumir demais e acharam um outro lado do mundo disposto a produzir de forma abundante e barata. Precisamos lembrar que não se dança tango sozinho", sublinha Dumas.
O especialista explica que conforme o PIB de uma nação vai aumentando, o desejo de se projetar e expandir geopoliticamente também ganha forma. Contudo, na questão chinesa, Dumas não vê intenção de Pequim de ultrapassar os EUA, mas sim "expulsá-los do Círculo do Pacífico", já que na perspectiva do próprio gigante asiático "a China sempre foi o centro do mundo".

"Estamos em um conflito de gerações […]. A China sempre achou que é o centro do mundo, mas em 1842 perdeu Hong Kong, ou seja, perdeu esse centro. Então para Pequim não é conquistar, ela está voltando para o lugar da onde nunca deveria ter deixado de estar, e isso ajuda a entender as relações mais acirradas com os EUA."

Dentro do objetivo chinês de ter os norte-americanos longe das águas do Pacífico, Dumas aponta que o governo de Xi Jinping aplica a dinâmica do sharp power a aliados da OTAN ou com países que mantêm boa comunicação com Ocidente – como Japão, Filipinas, Austrália – e nesse contexto, também entra a América Latina, no âmbito comercial e de investimentos.
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"Uma forma de trazer mais aliados e criar maior dependência financeira é utilizar o sharp power, pois uma vez que um país se torna o maior parceiro comercial de uma região, é mais difícil deliberadamente ir contra ele. A China exerce o sharp power na América Latina porque não pode exercer o hard power como os EUA fazem no Pacífico implantando bases militares e navios no local."
De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), o comércio bilateral entre Brasil e China cresceu 44% em 2021 e alcançou a marca de US$ 125 bilhões (R$ 625 bilhões) em negociações. Até o momento, Pequim continua a ser o maior parceiro comercial de Brasília.
Porém, o especialista aponta que essa forte relação, que gera um certo tipo de dependência por parte do Brasil, acontece também por uma comodidade brasileira.
"Ninguém colocou uma arma na cabeça do Brasil e falou: 'Você tem que vender para China'. Não, o Brasil precisa diversificar seus compradores, por que o país não fez o Mercosul dar certo? Por que não deu andamento ao acordo com a União Europeia? Há tantos acordos de livre-comércio, [mas escolhe-se] cair no colo da China", analisa o professor.
© Mandel NganO presidente dos EUA, Joe Biden, encontra-se com o presidente da China, Xi Jinping, durante cúpula virtual na Sala Roosevelt da Casa Branca, em Washington, em 15 de novembro de 2021
O presidente dos EUA, Joe Biden, encontra-se com o presidente da China, Xi Jinping, durante cúpula virtual na Sala Roosevelt da Casa Branca, em Washington, em 15 de novembro de 2021 - Sputnik Brasil, 1920, 23.02.2022
O presidente dos EUA, Joe Biden, encontra-se com o presidente da China, Xi Jinping, durante cúpula virtual na Sala Roosevelt da Casa Branca, em Washington, em 15 de novembro de 2021
Questionado se os EUA se arrependeram de terem contruibuído para chegada dos chineses ao mercado internacional, Dumas diz que sim, mas que essa inserção apenas acelerou um processo que já estava em andamento.
"Quando se tem um PIB em progressão, é normal que essa nação comece a causar tumulto no meio do mercado internacional. […] A China não é 'um país' – não me entenda errado –, ela é um grande conglomerado que faz parte de uma grande estrutura de supply chain [cadeia de suprimentos], uma vez que Pequim está em todas as mesas de todos os consumidores do mundo inteiro e será difícil ser substituída por sua importância. Se os EUA vão se arrepender, só a história vai dizer", analisa.
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Visão chinesa sobre os EUA na crise da Ucrânia

Sobre a resposta da China – que cada vez mais se alia à Rússia – em relação ao posicionamento dos EUA na crise ucraniana, Dumas comenta que no começo Pequim foi mais dura com Washington, demonstrando total apoio a Moscou diante da expansão da OTAN. Entretanto, com o aumento das tensões, o gigante asiático ficou mais comedido já que "acaba tendo um problema em casa com essa questão", diz o analista.

"No começo, o MRE da China foi bastante incisivo e disse 'estamos juntos' para a Rússia, mas depois baixou um pouco o tom, porque o pensamento chinês é de que a soberania dos países tem que ser respeitada assim como a da China precisa ser, portanto, utilizou o termo 'os países' sem citar nomes."

Tal fato ficou evidenciado hoje (23), após Pequim criticar o papel dos EUA na crise dizendo que o governo Biden "jogou lenha na fogueira", mas pediu simultaneamente para que as partes deem sinais de contenção.
"Na questão da Ucrânia, ao contrário dos EUA, que continuam enviando armas para o país, criando medo e pânico e até mesmo reforçando a ameaça de guerra, a China tem pedido a todas as partes que respeitem e prestem atenção às preocupações legítimas de segurança de cada um, trabalhem juntos para resolver problemas por meio de negociações e consultas e manter a paz e a estabilidade regionais", disse a porta voz do MRE da China Hua Chunying.
© Sputnik / Aleksei DruzhininPresidente russo Vladimir Putin e líder chinês Xi Jinping, durante reunião na residência oficial em Pequim, 4 de fevereiro de 2022
Presidente russo Vladimir Putin e líder chinês Xi Jinping, durante reunião na residência oficial em Pequim, 4 de fevereiro de 2022 - Sputnik Brasil, 1920, 23.02.2022
Presidente russo Vladimir Putin e líder chinês Xi Jinping, durante reunião na residência oficial em Pequim, 4 de fevereiro de 2022
Um outro ponto observado pelo professor, é que a China olha com "olhos de lince" para o movimento dos EUA na crise ucraniana a fim de observar se – caso a Rússia se dirija para o centro do território ucraniano – os norte-americanos entrarão com uma ação militar.

"A China quer ver como os EUA vão responder militarmente a uma invasão total da Rússia na Ucrânia. Se não houver resposta militar estadunidense, passa-se a mensagem aos chineses de que provavelmente uma invasão de Taiwan não será respondida imediatamente de forma militar."

Sobre a visita do presidente brasileiro, Jair Bolsonaro (PL), à Rússia na semana passada, Dumas ressalta que, do ponto de vista da política externa, "não houve pior momento para visitar Moscou", mas por outro lado, o intuito de Bolsonaro foi desenvolver laços comerciais, e não cabe ao Brasil desmarcar sua ida por conta das opiniões norte-americanas.
"A República Federativa do Brasil tem que ser soberana e não ser subserviente a ninguém, o país tem que fazer o que ele quer, buscar seus interesses e não precisa se aliar a nenhum lado. Quem está 'brigando' é Rússia, EUA e Ucrânia, Brasil não tem nada a ver com isso e não precisaria desmarcar a viagem, principalmente quando a palavra 'Ucrânia' não foi mencionada durante a visita."
© Foto / Alan Santos / Palácio do Planalto / CCBY 2.0Encontro Empresarial Brasil-Rússia, com a presença do presidente Jair Bolsonaro e empresários russos, 16 de fevereiro de 2022
Encontro Empresarial Brasil-Rússia, com a presença do presidente Jair Bolsonaro e empresários russos, 16 de fevereiro de 2022 - Sputnik Brasil, 1920, 23.02.2022
Encontro Empresarial Brasil-Rússia, com a presença do presidente Jair Bolsonaro e empresários russos, 16 de fevereiro de 2022

Futuro das relações entre EUA-China

Dumas afirma que não vê a comunicação entre Pequim e Washington melhorar no futuro, pelo contrário, a tendência é a degeneração, que se evidenciaria pelo fato de que a China não vai modificar políticas que os EUA condenam, como as que acontecem na região de Xinjiang, esclarece o professor.
"Quem está no poder na China é Xi Jinping, achar que ele vai começar a respeitar os direitos humanos dos uigures em Xinjiang, ou aceitar a independência de Hong Kong – que ele já vê como uma província chinesa e quer fazer o mesmo com Taiwan – não vai acontecer, portanto, vejo claramente uma maior deterioração, não sei em que velocidade, mas uma melhora nas relações é quase que impossível", observa Dumas.
© REUTERS / Jeenah MoonPessoas seguram uma bandeira nacional chinesa enquanto celebram durante o desfile do Ano Novo Lunar em Chinatown em Nova York, EUA, em 20 de fevereiro de 2022
Pessoas seguram uma bandeira nacional chinesa enquanto celebram durante o desfile do Ano Novo Lunar em Chinatown em Nova York, EUA, em 20 de fevereiro de 2022 - Sputnik Brasil, 1920, 23.02.2022
Pessoas seguram uma bandeira nacional chinesa enquanto celebram durante o desfile do Ano Novo Lunar em Chinatown em Nova York, EUA, em 20 de fevereiro de 2022
De acordo com a Administração Geral de Alfândegas da China (GACC, na sigla em inglês) citada pela Reuters, o superávit comercial da China com os Estados Unidos foi de US$ 39,23 bilhões (R$ 196,25 bilhões) em dezembro do ano passado e US$ 396,58 bilhões (R$ 1,98 trilhão) em todo o ano de 2021.
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