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O que o Brasil tem a ganhar com a posição de neutralidade em relação à crise ucraniana?

© Folhapress / Pedro LadeiraFachada do Palácio Itamaraty, em Brasília, em 9 de março de 2017
Fachada do Palácio Itamaraty, em Brasília, em 9 de março de 2017 - Sputnik Brasil, 1920, 11.03.2022
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A Sputnik Brasil conversou com um especialista em relações internacionais para entender os aspectos positivos da posição do Itamaraty diante das tensões entre a Rússia e o Ocidente.
O Brasil tem sido acusado pela imprensa do país de "estar em cima do muro" por defender a neutralidade. Porém, as declarações do chanceler Carlos França sobre a crise ucraniana estão alinhadas à posição histórica do Itamaraty nesse tipo de situação.
É o que aponta o pesquisador do Núcleo de Estudos Latino-Americanos da Universidade de Brasília (UnB) Robson Valdez, em entrevista à Sputnik Brasil.
Segundo ele, a postura do Itamaraty "encontra respaldo na larga tradição da política externa brasileira" de buscar soluções pacíficas para controvérsias.
Apesar de ter votado a favor da resolução da Organização das Nações Unidas (ONU) que condenou a operação militar especial russa, o embaixador brasileiro na entidade, Ronaldo Costa Filho, rechaçou as sanções do Ocidente contra a Rússia.
Paralelamente, o presidente Jair Bolsonaro (PL) também buscou adotar uma postura de neutralidade. No último dia 3 de março, Bolsonaro afirmou que o presidente Vladimir Putin era um "parceiro" do Brasil.
Além disso, durante visita a Moscou, em meados de fevereiro, o presidente brasileiro disse a Putin que o país era "solidário à Rússia", quando as tensões entre OTAN e o governo russo já estavam elevadas.

"Levando em conta os recursos de poder e a capacidade econômica do Brasil, cabe a neutralidade. É um conflito em que o país não está diretamente envolvido. E o Brasil é uma economia emergente, então se coloca mais como expectador", indicou Valdez.

© Pedro LadeiraO ministro das Relações Exteriores, Carlos França, 20 de janeiro de 2022
O ministro das Relações Exteriores, Carlos França, 20 de janeiro de 2022 - Sputnik Brasil, 1920, 11.03.2022
O ministro das Relações Exteriores, Carlos França, 20 de janeiro de 2022
O especialista em relações internacionais lembra que nos conflitos no Oriente Médio, como na intervenção militar da OTAN na Líbia e nos ataques dos EUA ao Iraque, o Brasil "sempre rechaçou invasões territoriais".
Ele explica que o Itamaraty se posiciona contra operações militares estrangeiras, mas chama as partes para a negociação. Por isso, segundo o pesquisador, a postura com relação à Ucrânia "reforça o posicionamento coerente".

Brasil e China do mesmo lado?

Para o especialista, a postura brasileira se assemelha ao posicionamento da China. Ele destaca que o governo de Xi Jinping também propõe a resolução das diferenças, de acordo com demandas de segurança de forma pacífica e negociada de ambos os lados.

"A China tem a ideia da coexistência pacífica, de não ingerência em questões domésticas dos países. Nesse caso, a proposição de uma relação que beneficie a negociação internacional quando se trata de conflito é algo que se assemelha ao posicionamento do Brasil", afirmou Valdez.

Apesar disso, ele aponta que, diferentemente da China, a Rússia sabe das limitações econômicas do Brasil e enxerga a neutralidade como uma estratégia que visa manter as boas relações entre os países.

"A Rússia entende que o mais correto para o Brasil é se manter neutro. Não atrapalha os interesses da Rússia, nem dos EUA e da Europa", disse.

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Quais as vantagens da postura brasileira?

Mas, afinal, de que forma a neutralidade no conflito pode ajudar o Brasil economicamente?
O pesquisador da UnB afirma que o Ocidente, principalmente os EUA e a Europa, vem buscando pressionar todos os países a condenar a Rússia para garantir um cerco cada vez maior sobre o presidente Vladimir Putin.
Ele aponta que a posição do Brasil, neste caso, pode trazer "alguns transtornos" do ponto de vista de setores econômicos nacionais que acreditam que um alinhamento completo ao Ocidente trará benefícios.

"Para um grupo politico econômico, a elite econômica, que se identifica com os valores do Ocidente, haveria um desgaste da imagem do Brasil no sentido de que uma agenda de acordos comerciais com a Europa, como a entrada do Brasil na OCDE, pudesse ser impactada negativamente pelo posicionamento brasileiro ou por uma má vontade do governo dos EUA", disse.

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Contudo, segundo o especialista, como não há uma perspectiva de ganhos econômicos concretos com uma condenação da Rússia, "faz sentido, entre outros motivos, se manter neutro, porque o Brasil tem uma série de limitações estruturais quanto a recursos de poder".
Valdez ressalta que tanto a pandemia do coronavírus como a situação na Ucrânia motivaram políticas de estímulo ao aumento da capacidade produtiva doméstica dos países, com o objetivo de reduzir a dependência em relação ao fornecimento de insumos do exterior.

"A questão da Ucrânia mostrou a dependência da energia, do gás, do petróleo... Por isso, vários países vêm buscando implementar políticas para diminuir sua dependência", afirmou.

O especialista aponta que o Brasil não pode perder a oportunidade de discutir a volta do estímulo ao investimento público em setores estratégicos, com projetos de longo prazo na indústria nacional.
Segundo ele, o mundo pode estar passando por um "processo gradual e lento de desglobalização econômica".

"Abre-se um cenário para que as políticas econômicas e monetárias dos países privilegiem o investimento público nos setores energético e hospitalar, por exemplo. O país precisa fazer frente ao aumento do preço das commodities internacionais, como petróleo e gás, além dos fertilizantes", avaliou.

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