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Como Ucrânia desencadeia guerra híbrida de drogas contra Rússia?
Como Ucrânia desencadeia guerra híbrida de drogas contra Rússia?
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Na Rússia começou em 2014 um "boom" de drogas sintéticas, cuja origem foi traçada por investigações às estruturas dos serviços secretos da Ucrânia, que... 08.06.2022, Sputnik Brasil
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Em 2014, começou a chegar na Rússia um fluxo das drogas sintéticas: mefedrona e α-PVP. O grupo KhimProm, que continha principalmente cidadãos ucranianos, em uma semana produzia e enviava às regiões até 500 kg de drogas sintéticas.Em 2017, o grupo foi liquidado pelos militares russos. O volume anual desse narcossindicato era de cerca de US$ 32 milhões (R$ 156 milhões). As fabricações clandestinas que possuem uma rede logística desenvolvida até agora funcionam em toda a Rússia, com funcionários principalmente ucranianos.A Sputnik entrevistou alguns policiais russos e traficantes de drogas detidos nas prisões em diversas cidades russas para entender por que a Ucrânia se tornou uma fonte de emprego para este negócio e a fornecedora principal de drogas sintéticas à Rússia, e qual envolvimento no assunto têm os serviços especiais ucranianos.Guerra híbridaAleksandr, um dos entrevistados da Sputnik, e seus colegas acreditam que nos últimos oito anos têm sido participantes de uma nova e não declarada guerra híbrida na qual as armas principais de seu adversário são as drogas."Ainda antes a venda de drogas era o crime mais difícil para revelar: a taxa de traficantes detectados não superava 5-10% da quantidade total. Mas com o início dos combates em Donbass, as forças de segurança russas passaram a resolver não mais de 1-2% destes crimes", conta ele.Na sua opinião, tal situação é ligada ao fato de o número de crimes ter crescido. Mesmo que as forças ucranianas tenham interrompido quase todos os contatos com os colegas russos, na opinião de Aleksandr, "essa expansão de drogas começou com o conhecimento" das autoridades ucranianas.RecrutamentoDe acordo com os dados do Principal Centro Analítico-Informacional do Ministério do Interior da Rússia, de 2014 a 2021 foram detidos na Rússia, por crimes de drogas, mais de 7,2 mil cidadãos ucranianos.Artyom, que nasceu em Donetsk, agora cumpre sentença na prisão em Oremburgo, na Rússia. Ele conta que um dia, quando estava na Ucrânia, alguém lhe escreveu na rede social VK e ofereceu trabalho de entregador na Rússia, com salário digno. Artyom concordou e foi para Lugansk, onde teve uma entrevista de trabalho curta, seguindo caminho para a Rússia. E só na Rússia Artyom entendeu que deveria transportar drogas.A história de Artyom se parece muito com as histórias de outros ucranianos condenados por crimes de drogas. O esquema é quase sempre o mesmo: nas cidades ucranianas – no transporte, nas lojas, nas estações ou na Internet, a pessoa encontra anúncios sobre emprego na Rússia. Gente desconhecida oferece trabalho de entregador, e, após o candidato contatar por telefone ou pelas redes sociais, é chamado para entrevista.Ao chegar à entrevista, Artyom foi recebido por dois homens fortes que prometeram pagar um salário pomposo para realizar uma função na Rússia. Esses dois homens grandões deram dinheiro para o transporte e apartamento e um smartphone com o aplicativo CoverMe já instalado, com contatos dos curadores.Já na capital russa, Artyom recebeu ordens de enviar fotos na estação de destino, de emitir um cartão bancário em seu nome e de ir para uma das cidades escolhidas pelos curadores, alugando lá uma habitação para esperar mais instruções. Instruções essas que especificavam como encontrar esconderijos de drogas, dividi-los em doses únicas e esconder de novo para distribuição. A partir deste momento, o ucraniano entendia que sua carreira de traficante de drogas deu início.Pelos rastros do Serviço de Segurança da UcrâniaAlém do esquema de recrutamento, os traficantes de drogas as Ucrânia ouvidos pela Sputnik têm mais uma coisa comum: quando perguntados sobre quem oferecia-lhes o trabalho, quais documentos mostrava e quem os controlava já no território russo, os condenados ficavam nervosos, mas depois de certa pausa, respondiam que foram envolvidos neste negócio ilegal por funcionários do Serviço de Segurança da Ucrânia (SBU, na sigla em ucraniano).Mesmo Artyom de Donetsk diz que na etapa de entrevista um recrutador lhe mostrou a credencial do SBU e explicou estar buscando interessados em implementar narcotráfico na Rússia. Este indivíduo não deu mais detalhes que provariam a identidade dele como funcionário do serviço, pelo visto, por razão de medo pela vida de seus familiares na Ucrânia.Andrei, mais um condenado que recentemente saiu da prisão, fala com mais tranquilidade sobre seus contatos com os serviços especiais ucranianos. Andrei tem uns 40 anos de idade e nasceu na Ucrânia, mas depois de algum tempo se mudou para a Rússia, onde lançou seu negócio e formou família. Em 2014, surgiram problemas financeiros.Andrei revelou que o tempo todo, depois de se mudar para a Rússia, manteve relações com os ucranianos, entre eles o tenente-coronel do SBU, Vladimir Storchak. Um dia, o oficial propôs a Andrei fazer o transporte de carga na Rússia, lembra o entrevistado.Depois Andrei percebeu que devia transportar drogas sintéticas – de cinco a 200 quilos – entre as cidades e fazer esconderijos. Mas, em 2015, Andrei foi detido e o tribunal o condenou a sete anos de prisão intensiva.Ao ser questionado por que não se recusou a participar do negócio ilegal, Andrei respondeu que não tinha outras opções e quase literalmente citou as palavras de seu curador Dmitry do SBU: "Não se esqueça, seus pais moram na Ucrânia, e agora você vai fazer isso de qualquer forma e sempre vai lembrar que eles estão aqui e você lá [na Rússia]. E a saúde e a vida deles vão depender de como você cumprirá nossas ordens."Outros ucranianos também recordam que em resposta às tentativas deles de sair do negócio de drogas, os curadores sempre relembravam a necessidade de retornar o dinheiro ou faziam ameaças diretas, enviando, por exemplo, fotos das casas onde moram as famílias deles.Laboratórios da morteNo entanto, os curadores do SBU desenvolveram não só um fluxo de drogas para a Rússia, mas também sua produção, como comprova o exemplo do narcossindicato KhimProm, que operou em 14 regiões russas até ser desmontado em 2017, sendo que 47 membros dos 67 eram cidadãos ucranianos. Durante os últimos anos o Serviço Federal de Segurança (FSB, na sigla em russo) e o Ministério do Interior russos extinguiram mais de 500 laboratórios.Os laboratórios de drogas criados por ucranianos produzem principalmente dois tipos relativamente novos de drogas sintéticas, a mefedrona (4-methylmethcathinona) e alpha-Pirrolidinopentiofenona, também conhecida como α-PVP.O impacto dessas drogas eufóricas no corpo humano, especialmente no organismo imaturo de adolescentes, ainda não é totalmente conhecido, mas Aleksandr menciona que já se pode testemunhar hoje fortes mudanças mentais após o uso de longo prazo, e com sérias mudanças patológicas.Dados fornecidos pelo Principal Centro Analítico-Informacional do Ministério do Interior da Rússia revelam um aumento anual do tráfico ilegal de drogas sintéticas no país. Em 2021, sua proporção no mercado de drogas russo atingiu 60%, contra 5% em 2014.Os funcionários das autoridades policiais explicaram que os ucranianos criam laboratórios nas regiões fronteiriças e contrabandearam drogas para a Rússia, ou organizam a produção e distribuição já no território do país.Por exemplo, em 2019, somente na região de Belgorod, foram retirados de circulação 62 quilos de drogas, incluindo sete quilos de drogas sintéticas. Em 2020 esse número aumentou quase nove vezes, para 534 quilos, desses mais da metade, 343 quilos, eram "sintéticos". Em 2021 a quantidade de drogas apreendidas voltou a aumentar drasticamentere, para uma tonelada e 66 quilos, e a proporção de drogas sintéticas já foi de mais de três quartos, 867 quilos.Segundo Aleksandr, o laboratório tem uma capacidade máxima de produção diária de 30 quilos de drogas, ou até 300.000 doses únicas, enquanto o custo do aluguel das instalações, equipamento químico e dos agentes químicos é mínimo.Um desses "químicos", como são chamados os produtores de drogas, era Aleksandr, nativo da região ucraniana de Kirovograd, que há alguns anos criou um laboratório clandestino na região de Moscou, e agora aguarda julgamento no centro de pré-detenção Vodnik da capital russa, tendo já sido condenado por produção de drogas na Ucrânia.Questionado sobre que proposta ele recebeu para voltar ao negócio das drogas e ir para a Rússia "para ganhar dinheiro", e quem a deu, ele responde com muita relutância e incoerência. Ele contou que Roman, um graduado da academia do SBU, lhe ofereceu o emprego, mas não se lembra de mais detalhes.Igual a outros ucranianos, Aleksandr foi entrevistado antes de ser enviado para a Rússia, mas ele não tinha um papel comum nesta guerra híbrida, então uma conversa normal em um café com curadores não era suficiente. O aspirante a "químico" foi enviado a um albergue no centro de Kiev, onde foi submetido a um teste de polígrafo. De acordo com Aleksandr, nesse centro de recrutamento improvisado havia dezenas de outras pessoas esperando para serem enviadas à Rússia."A entrevista aconteceu usando um polígrafo, eles estavam interessados nas seguintes perguntas: se eu ia roubar o dinheiro [do lucro], se eu ia consumir o produto, que conexões eu tenho com as agências policiais, se eu tinha algum desejo de construir uma carreira neste negócio", recorda o ex-agente.Já na Rússia, Aleksandr rapidamente comprou tudo o que precisava para montar seu laboratório, mas todas as instruções sobre o que e como "fabricar" vinham de seu curador através de aplicativo de mensagens instantâneas.O produto era escondido nas florestas, onde um entregador atacadista pegava na mefedrona e a escondia novamente em nome de outros curadores, e só depois disso um traficante de drogas a varejo receberia a "encomenda", embalaria as drogas em pequenas doses e as distribuiria pela cidade.O esquema foi projetado para evitar que os produtores e distribuidores cruzassem entre si, mas entregadores de alto sucesso poderiam ser promovidos em um laboratório, "um avanço de carreira, por assim dizer", diz Aleksandr, sorridente."Como são as drogarias na darknet? Eles têm proprietários, eles têm curadores, eles têm pessoas que trabalham no tráfico e na produção. Basicamente, eles pagam kopeks em todas as etapas, a maior parte deste dinheiro vai algures para a administração", explica ele.Os curadores prestavam atenção especial no comportamento de seus trabalhadores. Os agentes contratados recebiam dinheiro para necessidades de produção em carteiras QIWI e bitcoin ou em cartões bancários registrados em nome de pessoas fictícias. Em caso de detenção pela polícia, cada traficante tinha sua própria lenda sobre o motivo de ter vindo à Rússia e, no último caso, uma pilha pesada de notas para subornar os agentes policiais.Drogas como armasQuem recebia o dinheiro da droga? Certamente não eram os entregadores ucranianos que vinham em nome de seus manipuladores, pois ganhavam somente cerca de 20-40 mil rublos (R$ 1.600-R$ 3.200) por mês em 2015. Durante este período eles vendiam entre um e dez quilos de drogas, ou de 10.000 a 100.000 doses únicas, com seu preço de varejo variando de 1.300 a 2.000 rublos por grama.Os lucros da venda da droga eram recebidos por "generais" ucranianos, os verdadeiros donos das lojas de Internet, e seus patrões entre os membros do SBU, que recebiam o dinheiro através das ditas carteiras QIWI e bitcoin, disse uma fonte dos serviços de segurança à Sputnik.Os organizadores do tráfico de droga também buscavam objetivos além dos lucros, com eles declarando diretamente aos entregadores que seu objetivo era fazer a juventude russa "se afogar em drogas".É possível supor que a ligação entre os serviços secretos ucranianos e a explosão das drogas sintéticas na Rússia é aleatória e uma teoria de conspiração, mas existem exemplos na história mundial da disseminação das drogas por autoridades estatais a outros países para atingir fins políticos, como no século XIX, durante as Guerras do Ópio. Esse era um conflito não sobre território, mas sobre mercados, sendo a razão para ela um desequilíbrio na balança comercial.O Reino Unido queria exportar mercadorias para a China, mas a dinastia Qing seguia uma política de isolar o império da influência estrangeira. Os britânicos acabaram simplesmente levando o ópio indiano para a China e assim aumentando os ganhos financeiros para a sua colônia, ao mesmo tempo tentavam persuadir as autoridades chinesas a cooperar.O contrabando de ópio para a China continuou por décadas, até que em 1839 o então imperador de Qing fechou o mercado do país a todos os comerciantes e contrabandistas do Reino Unido e da Índia. O conflito culminou em um confronto armado entre Londres e Pequim, terminando com a derrota do Império Qing.A China foi forçada sob o tratado de paz a pagar uma grande contribuição para a coroa britânica, ceder a ilha de Hong Kong e abrir os portos chineses ao comércio com o Reino Unido, enquanto no império chinês começou a agitação civil, a degradação e mortes em massa. Só o tempo dirá se a Rússia conseguirá prevalecer nesta guerra híbrida desencadeada contra ela.
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Em 2014, começou a chegar na Rússia um fluxo das drogas sintéticas: mefedrona e α-PVP. O grupo KhimProm, que continha principalmente cidadãos ucranianos, em uma semana produzia e enviava às regiões até 500 kg de drogas sintéticas.
Em 2017, o grupo foi liquidado pelos militares russos. O volume anual desse narcossindicato era de cerca de US$ 32 milhões (R$ 156 milhões). As fabricações clandestinas que possuem
uma rede logística desenvolvida até agora funcionam em toda a Rússia, com funcionários principalmente ucranianos.
A Sputnik entrevistou alguns policiais russos e traficantes de drogas detidos nas prisões em diversas cidades russas para entender por que a Ucrânia se tornou uma fonte de emprego para este negócio e a fornecedora principal de drogas sintéticas à Rússia, e qual envolvimento no assunto têm os serviços especiais ucranianos.
Aleksandr, um dos entrevistados da Sputnik, e seus colegas acreditam que nos últimos oito anos têm sido participantes de uma nova e não declarada guerra híbrida na qual as armas principais de seu adversário são as drogas.
"Ainda antes a venda de drogas era o crime mais difícil para revelar: a taxa de traficantes detectados não superava 5-10% da quantidade total. Mas com o início dos combates em Donbass, as forças de segurança russas passaram a resolver não mais de 1-2% destes crimes", conta ele.
Na sua opinião, tal situação é ligada ao fato de o número de crimes ter crescido. Mesmo que as forças ucranianas tenham interrompido quase todos os contatos com os colegas russos, na opinião de Aleksandr, "essa expansão de drogas começou com o conhecimento" das autoridades ucranianas.
De acordo com os dados do Principal Centro Analítico-Informacional do Ministério do Interior da Rússia, de 2014 a 2021 foram detidos na Rússia, por crimes de drogas, mais de 7,2 mil cidadãos ucranianos.
Artyom, que nasceu em Donetsk, agora cumpre sentença na prisão em Oremburgo, na Rússia. Ele conta que um dia, quando estava na Ucrânia, alguém lhe escreveu na rede social VK e ofereceu trabalho de entregador na Rússia, com salário digno. Artyom concordou e foi para Lugansk, onde teve
uma entrevista de trabalho curta, seguindo caminho para a Rússia. E só na Rússia Artyom entendeu que deveria transportar drogas.
A história de Artyom se parece muito com as histórias de outros ucranianos condenados por crimes de drogas. O esquema é quase sempre o mesmo: nas cidades ucranianas – no transporte, nas lojas, nas estações ou na Internet, a pessoa encontra anúncios sobre emprego na Rússia. Gente desconhecida oferece trabalho de entregador, e, após o candidato contatar por telefone ou pelas redes sociais, é chamado para entrevista.
Ao chegar à entrevista, Artyom foi recebido por dois homens fortes que prometeram pagar um salário pomposo para realizar uma função na Rússia. Esses dois homens grandões deram dinheiro para o transporte e apartamento e um smartphone com o aplicativo CoverMe já instalado, com contatos dos curadores.
Já na capital russa, Artyom recebeu ordens de enviar fotos na estação de destino, de emitir um cartão bancário em seu nome e de ir para uma das cidades escolhidas pelos curadores, alugando lá uma habitação para esperar mais instruções. Instruções essas que especificavam como encontrar esconderijos de drogas, dividi-los em doses únicas e esconder de novo para distribuição. A partir deste momento, o ucraniano entendia que sua carreira de traficante de drogas deu início.
Pelos rastros do Serviço de Segurança da Ucrânia
Além do esquema de recrutamento, os traficantes de drogas as Ucrânia ouvidos pela Sputnik têm mais uma coisa comum: quando
perguntados sobre quem oferecia-lhes o trabalho, quais documentos mostrava e quem os controlava já no território russo, os condenados ficavam nervosos, mas depois de certa pausa, respondiam que foram envolvidos neste negócio ilegal por funcionários do Serviço de Segurança da Ucrânia (SBU, na sigla em ucraniano).
Mesmo Artyom de Donetsk diz que na etapa de entrevista um recrutador lhe mostrou a credencial do SBU e explicou estar buscando interessados em implementar narcotráfico na Rússia. Este indivíduo não deu mais detalhes que provariam a identidade dele como funcionário do serviço, pelo visto, por razão de medo pela vida de seus familiares na Ucrânia.
Andrei, mais um condenado que recentemente saiu da prisão, fala com mais tranquilidade sobre seus contatos com os serviços especiais ucranianos. Andrei tem uns 40 anos de idade e nasceu na Ucrânia, mas depois de algum tempo se mudou para a Rússia, onde lançou seu negócio e formou família. Em 2014, surgiram problemas financeiros.
Andrei revelou que o tempo todo, depois de se mudar para a Rússia, manteve relações com os ucranianos, entre eles o tenente-coronel do SBU, Vladimir Storchak. Um dia, o oficial propôs a Andrei fazer o transporte de carga na Rússia, lembra o entrevistado.
Depois Andrei percebeu que devia transportar drogas sintéticas – de cinco a 200 quilos –
entre as cidades e fazer esconderijos. Mas, em 2015, Andrei foi detido e o tribunal o condenou a sete anos de prisão intensiva.
Ao ser questionado por que não se recusou a participar do negócio ilegal, Andrei respondeu que não tinha outras opções e quase literalmente citou as palavras de seu curador Dmitry do SBU: "Não se esqueça, seus pais moram na Ucrânia, e agora você vai fazer isso de qualquer forma e sempre vai lembrar que eles estão aqui e você lá [na Rússia]. E a saúde e a vida deles vão depender de como você cumprirá nossas ordens."
Outros ucranianos também recordam que em resposta às tentativas deles de sair do negócio de drogas, os curadores sempre relembravam a necessidade de retornar o dinheiro ou faziam ameaças diretas, enviando, por exemplo, fotos das casas onde moram as famílias deles.
No entanto, os curadores do SBU desenvolveram não só um fluxo de drogas para a Rússia, mas também sua produção, como comprova o exemplo do narcossindicato KhimProm, que operou em 14 regiões russas até ser desmontado em 2017, sendo que 47 membros dos 67 eram cidadãos ucranianos. Durante os últimos anos o Serviço Federal de Segurança (FSB, na sigla em russo) e o Ministério do Interior russos extinguiram mais de 500 laboratórios.
Os laboratórios de drogas criados por ucranianos produzem principalmente dois tipos relativamente novos de drogas sintéticas, a mefedrona (4-methylmethcathinona) e alpha-Pirrolidinopentiofenona, também conhecida como α-PVP.
O impacto dessas drogas eufóricas no corpo humano, especialmente no organismo imaturo de adolescentes, ainda não é totalmente conhecido, mas Aleksandr menciona que já se pode testemunhar hoje fortes mudanças mentais após o uso de longo prazo, e com sérias mudanças patológicas.
Dados fornecidos pelo Principal Centro Analítico-Informacional do Ministério do Interior da Rússia revelam um aumento anual do tráfico ilegal de drogas sintéticas no país. Em 2021, sua proporção no mercado de drogas russo atingiu 60%, contra 5% em 2014.
Os funcionários das autoridades policiais explicaram que os ucranianos criam laboratórios nas regiões fronteiriças e contrabandearam drogas para a Rússia, ou organizam a produção e distribuição já no território do país.
Por exemplo, em 2019, somente na região de Belgorod, foram retirados de circulação 62 quilos de drogas, incluindo sete quilos de drogas sintéticas. Em 2020 esse número aumentou quase nove vezes, para 534 quilos, desses mais da metade, 343 quilos, eram "sintéticos". Em 2021 a quantidade de
drogas apreendidas voltou a aumentar drasticamentere, para uma tonelada e 66 quilos, e a proporção de drogas sintéticas já foi de mais de três quartos, 867 quilos.
Segundo Aleksandr, o laboratório tem uma capacidade máxima de produção diária de 30 quilos de drogas, ou até 300.000 doses únicas, enquanto o custo do aluguel das instalações, equipamento químico e dos agentes químicos é mínimo.
24 de novembro 2021, 18:33
Um desses "químicos", como são chamados os produtores de drogas, era Aleksandr, nativo da região ucraniana de Kirovograd, que há alguns anos criou um laboratório clandestino na região de Moscou, e agora aguarda julgamento no centro de pré-detenção Vodnik da capital russa, tendo já sido condenado por produção de drogas na Ucrânia.
Questionado sobre que proposta ele recebeu para voltar ao negócio das drogas e ir para a Rússia
"para ganhar dinheiro", e quem a deu, ele responde com muita relutância e incoerência. Ele contou que Roman, um graduado da academia do SBU, lhe ofereceu o emprego, mas não se lembra de mais detalhes.
Igual a outros ucranianos, Aleksandr foi entrevistado antes de ser enviado para a Rússia, mas ele não tinha um papel comum nesta guerra híbrida, então uma conversa normal em um café com curadores não era suficiente. O aspirante a "químico" foi enviado a um albergue no centro de Kiev, onde foi submetido a um teste de polígrafo. De acordo com Aleksandr, nesse centro de recrutamento improvisado havia dezenas de outras pessoas esperando para serem enviadas à Rússia.
"A entrevista aconteceu usando um polígrafo, eles estavam interessados nas seguintes perguntas: se eu ia roubar o dinheiro [do lucro], se eu ia consumir o produto, que conexões eu tenho com as agências policiais, se eu tinha algum desejo de construir uma carreira neste negócio", recorda o ex-agente.
Já na Rússia, Aleksandr rapidamente comprou tudo o que precisava para montar seu laboratório, mas todas as instruções sobre o que e como "fabricar" vinham de seu curador através de aplicativo de mensagens instantâneas.
"Produzimos cerca de 5 quilos por dia, o que no mercado de varejo custa cerca de 2.000 rublos [R$ 160] por grama, ou seja, um quilo custa dois milhões de rublos [R$ 160.000], ou dez milhões de rublos [R$ 800.000] por dia. Isso é um lucro louco, simplesmente louco, mesmo que o custo dos agentes [químicos] seja um kopek [divisão monetária dos rublos], e nos pagaram kopeks", lembra Aleksandr.
O produto era escondido nas florestas, onde um entregador atacadista pegava na mefedrona e a escondia novamente em nome de outros curadores, e só depois disso um traficante de drogas a varejo receberia a "encomenda", embalaria as drogas em pequenas doses e as distribuiria pela cidade.
O esquema foi projetado para evitar que os produtores e distribuidores cruzassem entre si, mas entregadores de alto sucesso poderiam ser promovidos em um laboratório, "um avanço de carreira, por assim dizer", diz Aleksandr, sorridente.
"Como são as drogarias na darknet? Eles têm proprietários, eles têm curadores, eles têm pessoas que trabalham no tráfico e na produção. Basicamente, eles pagam kopeks em todas as etapas, a maior parte deste dinheiro vai algures para a administração", explica ele.
Os curadores prestavam atenção especial no comportamento de seus trabalhadores. Os agentes contratados recebiam dinheiro para necessidades de produção em carteiras QIWI e bitcoin ou em
cartões bancários registrados em nome de pessoas fictícias. Em caso de detenção pela polícia, cada traficante tinha sua própria lenda sobre o motivo de ter vindo à Rússia e, no último caso, uma pilha pesada de notas para subornar os agentes policiais.
Quem recebia o dinheiro da droga? Certamente não eram os entregadores ucranianos que vinham em nome de seus manipuladores, pois ganhavam somente cerca de 20-40 mil rublos (R$ 1.600-R$ 3.200) por mês em 2015. Durante este período eles vendiam entre um e dez quilos de drogas, ou de 10.000 a 100.000 doses únicas, com seu preço de varejo variando de 1.300 a 2.000 rublos por grama.
Os lucros da venda da droga eram recebidos por "generais" ucranianos, os verdadeiros donos das lojas de Internet, e seus patrões entre os membros do SBU, que recebiam o dinheiro através das ditas carteiras QIWI e bitcoin, disse uma fonte dos serviços de segurança à Sputnik.
"O dinheiro da venda de drogas era recebido através do sistema bancário da Ucrânia, com o PrivatBank desempenhando um papel dominante. Fazendo vista grossa à seleção de traficantes de drogas em Kiev ou os recrutando independentemente, o SBU recebia parte dessas receitas e as utilizava para financiar estruturas radicais de direita como o Pravy Sektor [organização proibida na Federação da Rússia] ou Azov", de acordo com a fonte.
Os organizadores do tráfico de droga também buscavam objetivos além dos lucros, com eles declarando diretamente aos entregadores que seu objetivo era
fazer a juventude russa "se afogar em drogas".
É possível supor que a ligação entre os serviços secretos ucranianos e a explosão das drogas sintéticas na Rússia é aleatória e uma teoria de conspiração, mas existem exemplos na história mundial da disseminação das drogas por autoridades estatais a outros países para atingir fins políticos, como no século XIX, durante as Guerras do Ópio. Esse era um conflito não sobre território, mas sobre mercados, sendo a razão para ela um desequilíbrio na balança comercial.
O Reino Unido queria exportar mercadorias para a China, mas a dinastia Qing seguia uma política de isolar o império da influência estrangeira. Os britânicos acabaram simplesmente levando o ópio indiano para a China e assim aumentando os ganhos financeiros para a sua colônia, ao mesmo tempo tentavam persuadir as autoridades chinesas a cooperar.
O contrabando de ópio para a China continuou por décadas, até que em 1839 o então imperador de Qing fechou o mercado do país a todos os comerciantes e contrabandistas do Reino Unido e da Índia. O conflito culminou em um confronto armado entre Londres e Pequim, terminando com a derrota do Império Qing.
A China foi forçada sob o tratado de paz a pagar uma grande contribuição para a coroa britânica, ceder a ilha de Hong Kong e abrir os portos chineses ao comércio com o Reino Unido, enquanto no império chinês começou a agitação civil, a degradação e mortes em massa. Só o tempo dirá se a Rússia conseguirá prevalecer nesta guerra híbrida desencadeada contra ela.