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Risco de surto de poliomielite: Brasil estaria importando negacionismo antivacina dos EUA?

© Folhapress / Miguel Noronha / Agência F8Produção de vacinas pelo Brasil (imagem ilustrativa)
Produção de vacinas pelo Brasil (imagem ilustrativa) - Sputnik Brasil, 1920, 24.09.2022
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Nos últimos anos, Estados Unidos e Brasil registraram queda nas taxas de vacinação contra a poliomielite. A Sputnik Brasil ouviu dois médicos especialistas em saúde pública para avaliar a situação e a influência dos movimentos antivacina nesse quadro.
Um dos países mais ricos do mundo e um dos primeiros a oferecer vacina gratuita contra a COVID-19, os EUA estão em estado de alerta por conta de outro vírus, este considerado erradicado no país: o da poliomielite.
Depois de mais de dez anos sem casos, um jovem adulto não vacinado e que não viajou para o exterior foi diagnosticado com a doença no país norte-americano.
A infecção pelo poliovírus (extremamente transmissível e que tem sua propagação facilitada em locais com saneamento básico precário, já que a trasmissão se dá por via fecal ou oral) tem como sintomas iniciais febre e dor de garganta.
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Embora o movimento antivacina seja forte nos Estados Unidos, especialistas ouvidos pela Sputnik Brasil apresentam uma realidade distinta no Brasil, motivada sobretudo pelas políticas públicas — ou pela ausência delas.
Gerson Salvador, médico e especialista em infectologia e saúde pública, explica que a queda na cobertura vacinal no Brasil se deu a partir de 2016.

"Com a queda na cobertura vacinal, houve o desmonte do SUS [Sistema Único de Saúde], principalmente da atenção primária. A gente teve, em 2016, o início do governo [de Michel] Temer. O então ministro, Ricardo Barros, declarou que o SUS era grande demais, que ele não cabia no Orçamento. A gente teve uma queda no orçamento do SUS, principalmente da atenção primária. Isso acabou levando à redução de equipes de estratégia de saúde da família, a uma redução de agentes comunitários de saúde. Houve queda do investimento no próprio Programa Nacional de Imunizações (PNI). A coordenadora do PNI declarou na CPI da COVID-19 que não tinha recursos para fazer campanhas como a gente tinha, de uma maneira muito intensiva, nos anos 1980, 1990, 2000", relembra, em entrevista à Sputnik Brasil.

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Gonzalo Vecina Neto, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e fundador e primeiro diretor da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), acrescenta que isso ocorreu principalmente pelo teto público de gastos implementado no governo Temer.

"Desde 2016, quando começaram a acabar com os recursos públicos por causa da Emenda Constitucional 95, que criou o tal do teto de gastos públicos, nós paramos de comunicar [questões de saúde pública]. Quem tem tempo de vida viu o que era uma campanha de vacinação no Brasil antes de 2016: era uso maciço de todas as mídias. De 2016 para cá, o Ministério da Saúde cancelou todas as mídias para fazer convocação para vacinação, para fazer prevalecer comportamentos seguros na realização de sexo. Quer dizer, o governo parou de se comunicar com a sociedade. Qual é a consequência dessa parada? A queda da vacinação, o aumento de casos de AIDS, o aumento de casos de sífilis e de doenças sexualmente transmissíveis", aponta Vecina à Sputnik Brasil.

Ele pondera que a medicina na saúde pública também é comunicação para a população.
Ou seja, é preciso comunicar o que a população tem que fazer e como a população tem que fazer, argumenta.

"Podemos discutir se o modelo de comunicação é o mais adequado. Mas é o que temos. Então sem campanha, sem vacinação, simples assim. O que falta no Brasil é campanha, comunicação do Estado com a sociedade", aponta.

Há negacionistas do movimento antivacina no Brasil?

Ambos os médicos dizem que não acreditam que haja um movimento antivacina por aqui nos moldes da Europa e dos Estados Unidos.
Salvador indica que o atual presidente, Jair Bolsonaro (PL), e seus apoiadores iniciaram um movimento para desacreditar os imunizantes contra a COVID-19 durante a pandemia.

"Houve uma decisão do Bolsonaro, principalmente, e de figuras ali do entorno do bolsonarismo (com destaque para o Olavo de Carvalho e seus seguidores, que importaram algumas teses, muito em uma procura de alinhamento com [Donald] Trump [ex-presidente dos EUA], para desqualificar as vacinas da COVID, desqualificando as vacinas da COVID para justificar o atraso do governo em relação à compra das vacinas). Então Bolsonaro, particularmente, com o seu núcleo, lançou uma semente de desconfiança contra as vacinas da COVID que me parece ter [tido] impacto nas vacinas em geral. Mas isso foi construído artificialmente, não foi um movimento que veio da sociedade civil. Isso veio a partir do próprio Bolsonaro", avalia o infectologista.

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O professor da USP, por sua vez, acredita que entre 2% ou 3% da população do Brasil estejam em um movimento antivacinas.
"Eu não acredito na tese de que nós temos de 15% a 20% de negacionistas no Brasil. Não é verdade que nós temos isso no Brasil, são 2% a 3% que são negacionistas. O resto é falta de comunicação, de informação para que as pessoas tenham uma atividade proativa", assinala.
Vecina diz que nos Estados Unidos "o buraco é mais embaixo".
Isso porque lá não há um sistema de saúde público, "é cada um por si".
A capacidade de comunicação do governo norte-americano com a sociedade do ponto de vista de saúde pública é zero, algo que, de acordo com ele, torna o problema diferente do daqui.

"Lá o negacionismo, além de tudo, tem a participação criminosa de pessoas como o ex-presidente Donald Trump. Então lá é uma coisa e aqui é outra. Temos conservadores lá e aqui. Só que os daqui são menos burros, talvez, do que os de lá", compara.

A questão é: como evitar novos surtos de poliomielite?

"Não tem outro jeito, é só vacinar. É se comunicar e vacinar. Não tem outra saída", conclui o professor.

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