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Direita conservadora enxerga na América Latina uma 'fortaleza' para sua ideologia, dizem analistas

© Foto / Twitter / CPAC MéxicoLideranças conservadoras se reúnem na Cidade do México para a edição mexicana da Conferência Política de Ação Conservadora (CPAC), em 18 de novembro de 2022
Lideranças conservadoras se reúnem na Cidade do México para a edição mexicana da Conferência Política de Ação Conservadora (CPAC), em 18 de novembro de 2022 - Sputnik Brasil, 1920, 29.11.2022
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Em entrevista à Sputnik Brasil, cientistas políticos explicam por que a região é considerada um território fértil para o recrudescimento de forças da ala conservadora frente à ascensão de lideranças progressistas.
Há algumas semanas, enquanto as atenções de grande parte do mundo se voltavam para a Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática de 2022 (COP27), no Egito, outra cúpula era realizada no continente americano, mais precisamente na Cidade do México.
Promovida por lideranças da ala conservadora de países do continente americano, a Conferência Política de Ação Conservadora (CPAC) reuniu na capital mexicana nomes como Steve Bannon, ex-assessor de campanha do ex-presidente americano Donald Trump, José Antonio Kast, político conservador chileno que concorreu, sem sucesso, à presidência do Chile em 2021, e Javier Milei, líder da direita argentina. O Brasil também marcou presença, representado pelo deputado Eduardo Bolsonaro. A CPAC é um encontro anual de lideranças conservadoras organizado pela União Conservadora Americana e realizado em diferentes capitais do continente americano a cada edição. Em 2021, o evento foi sediado no Brasil.
Na edição deste ano, entre outros temas, foram debatidos no encontro o combate ao aborto e ao comunismo. Para entender o que a cúpula representa e como ela se relaciona com a atual ascensão de líderes progressistas na América Latina, a Sputnik Brasil conversou com Vinícius Rodrigues Vieira, doutor em relações internacionais pelo Nuffield College, da Universidade de Oxford, e professor de relações internacionais da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), e Clarisse Gurgel, cientista política e professora da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio).
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Para Vieira, "o encontro expõe que a direita estadunidense quer ter uma zona de influência", que seria mais fácil de se obter na América Latina. Segundo ele, forças da ala conservadora "encontram mais dificuldade para se consolidar na Europa por conta de vários fatores".
"O mais forte deles me parece o secularismo. A religiosidade no continente europeu é menor, pelo menos entre os cristãos. Nós temos aqui um caminho para que essa ação conservadora se expanda para além das fronteiras estadunidenses. Esse local é a América Latina, que é o tradicional quintal dos EUA, seja para democratas seja para republicanos", explica Vieira.
Questionado sobre se a cúpula atual visa se contrapor à ascensão de líderes progressistas na América Latina, na chamada nova onda rosa, Vieira destaca que "é preciso levar em conta os resultados das eleições presidenciais em vários países da América do Sul, onde conservadores perderam por uma pequena margem". Segundo ele, esses foram resultados promissores para a ala conservadora.

"O próprio [Jair] Bolsonaro [presidente brasileiro] perdeu por uma diferença muito pequena, ínfima. É impossível deixar de constatar o tamanho do apelo que Bolsonaro tem no maior país do hemisfério ocidental à exceção dos EUA. Kast, no Chile, também foi relativamente bem no segundo turno contra [Gabriel] Boric."

Segundo Vieira, esses resultados estimularam Bannon a tentar reorganizar as forças conservadoras americanas para além das fronteiras dos EUA.
"Ainda mais considerando que há um grande risco de que Trump não ganhe um novo mandato, como muitos imaginavam. Os republicanos parecem estar se movendo de volta àquele conservadorismo tradicional do Ronald Reagan, liberais na economia mas conservadores nos valores, sem o racismo explícito que Trump encarnou, principalmente contra os latino-americanos e árabes", explica Vieira, acrescentando que a cúpula "visa fazer da América Latina uma fortaleza para o movimento conservador nos próximos anos".
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O especialista diz ainda que um dos elementos decisivos para a escolha da América Latina como "fortaleza conservadora" é a chamada lógica anti-incumbência, segundo a qual eleitores votam para retirar do poder políticos em exercício como forma de protesto contra o status quo.

"Os eleitores não votam tanto nos últimos tempos em função da ideologia, mas em função da tentativa de buscar novas alternativas ao poder, alternativas contra os maus serviços públicos, contra a corrupção. Bolsonaro, em grande parte, chegou ao poder no Brasil por essa lógica. Da mesma maneira, Kast, no Chile, tinha um apelo entre eleitores que indicavam uma grande percepção de aumento da violência em função, supostamente, da migração, sobretudo, de venezuelanos."

Ele destaca que esse fator eleva as possibilidades de recrudescimento das forças conservadoras nas próximas eleições. "Temos aqui uma base conservadora que pode se tornar mais palatável nos próximos ciclos eleitorais e chegar ao poder caso essa esquerda no poder fracasse", diz Vieira.
Clarisse Gurgel, por sua vez, destaca que "o encontro expõe um alinhamento antigo". "O mesmo alinhamento que faz da América Latina e EUA uma América só. Desde o século XIX, os EUA impõem limites à democracia brasileira e latino-americana, e isso tem determinado não só os marcos da direita como também os marcos da esquerda", explica Gurgel.
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Segundo ela, a escolha do México para o encontro deste ano tem um forte simbolismo. "O encontro foi no México justamente por corresponder ao país que serve de platô para o exercício do poder histórico dos norte-americanos sobre os latino-americanos."
Gurgel tem uma visão similar à de Vieira quanto à possibilidade de retorno da ala conservadora ao poder no Brasil e na América Latina. Segundo ela, forças conservadoras têm pautado "quando moderar e quando extremar seus discursos e práticas nos países periféricos", e isso será um desafio para o presidente eleito do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva.
"Depende do próprio PT e de sua capacidade de capilarização a criação ou não de condições favoráveis para o retorno de uma direita mais pragmática ou para a emancipação de um povo que não caminha ainda com os próprios pés", diz a especialista.
Gurgel finaliza afirmando que pautas conservadoras ainda surtem efeito no cenário atual e continuarão tendo apelo em um futuro próximo, uma vez que "possuem fortes e firmes instituições". Segundo ela, evitar o retorno da ala conservadora radical ao poder no Brasil exigirá bastante trabalho do próximo governo.

"A tarefa de politização do povo brasileiro é urgente, e isso envolve mudança de cultura, cultivo de novos valores. Mas não há consciência que se conquiste com fome, sem teto, sob ilusões de riqueza. A esquerda precisa recuperar seus espaços. Caso contrário, os mais conservadores retornam, sempre."

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