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Análise: crise na maior fabricante de mísseis do Brasil é retrato de um Exército que depende da OTAN

© Avibras / DivulgaçãoAstros II, sistema de lançadores múltiplos de foguetes fabricado pela empresa brasileira Avibras, dispara um projétil
Astros II, sistema de lançadores múltiplos de foguetes fabricado pela empresa brasileira Avibras, dispara um projétil - Sputnik Brasil, 1920, 14.12.2022
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O que o colapso da Avibras, a maior fabricante de material bélico do Brasil, tem a ver com a dependência do Exército Brasileiro para com a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN)? Para especialista em defesa e assuntos estratégicos, as Forças Armadas do Brasil estão negligenciando os verdadeiros perigos para o país.
Considerada estratégica pelo Ministério da Defesa, a Avibras vive a pior crise de sua história. Em recuperação judicial, a maior fabricante de material bélico do Brasil, dona de um arsenal que inclui mísseis, blindados e lançadores de foguetes, tem uma dívida de R$ 640 milhões e enfrenta uma greve de trabalhadores desde setembro.
Para Eduardo Siqueira Brick, professor de estudos estratégicos da defesa e da segurança na Universidade Federal Fluminense (UFF), isso ocorre porque as Forças Armadas do Brasil, há décadas, agem como se estivessem presas em um círculo vicioso, negligenciando a capacidade de logística e defesa do país.
Isso significa que o Brasil deixou de investir em dois pontos críticos para garantir a sua plena capacidade de se defender ante qualquer ameaça. Como aponta Siqueira Brick, são eles: "capacidade industrial, para conceber e fabricar armas para as Forças Armadas; e a capacidade de suprir unidades durante um combate, promovendo o abastecimento de munições, peças sobressalentes, alimentos e combustíveis".
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Hoje, se o Brasil entrasse em guerra, qualquer mobilização mais longa para o Exército Brasileiro dependeria da boa vontade da OTAN. Para Siqueira Brick, existem muitos imperativos geopolíticos exigindo, neste momento, que o Brasil repense todo o seu investimento em defesa. Para além dos riscos que se escondem em nossa incapacidade de prever uma futura agressão, regra atemporal para qualquer exército no mundo, "a dependência de outros países é um erro crasso, crítico, que pode mudar o curso de um conflito".

"Toda tecnologia militar que o Brasil tem hoje é fornecida pelos países da OTAN, que inclusive está apresentando uma postura cada vez mais proativa na questão climática, sobretudo com relação à Amazônia. Só por aí, precisaríamos estar mais preparados. Além disso, é preciso sempre levar em conta que enfrentaremos inimigos mais fortes, e não mais fracos", disse ele.

'O Exército parou no tempo'

Nos últimos anos, o Exército Brasileiro modernizou a frota de suas três forças priorizando contratos com consórcios internacionais ligados à OTAN. A compra mais recente envolveu a aquisição de 98 veículos blindados da Itália por cerca de R$ 5 bilhões. Para o analista militar, isso evidencia que a defesa do Brasil está quatro décadas parada no tempo.
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Siqueira Brick apontou que países com economias menores, "como Coreia do Norte, Irã e Turquia, conseguiram desenvolver uma indústria nacional própria de defesa", com avanços bastante satisfatórios. Em seguida, enfatizou que os três países conseguiram esses avanços apesar de correrem contra o tempo, "enquanto lidam com conflitos" e pequenas tensões regionais.
O problema do Brasil, diz ele, é que "o Exército parou no tempo". Apesar de viver em paz com outros países há anos, a instituição está em inércia. "Falta conhecimento aos militares brasileiros. O Ministério da Defesa colocou no principal documento de defesa do país que não é imperativo o desenvolvimento de uma indústria para assuntos militares", comentou.
Além disso, diz, falta vontade política. O especialista lembrou o histórico caso da França, que "só foi criar o chamado Ministério do Armamento depois de ser invadida pela Alemanha, quando se reconheceu que não havia mais tempo para resistir à invasão das forças nazistas".
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Ele ressalta que o Brasil, por um lado, dispõe de uma grande quantidade de engenheiros e profissionais formados nas academias militares que poderiam servir de mão de obra para uma indústria nascente, tornando-se "os profissionais de logística de defesa".
O problema, entretanto, é a falta de vontade política para se criar um novo órgão para gerir o Ministério da Defesa e as Forças Armadas de forma conjunta, estabelecendo planos, metas e, principalmente, "as condições para o desenvolvimento de uma zona industrial de defesa voltada a suprir as necessidades de combate das Forças Armadas".

O apagão industrial na defesa do Brasil

Citando algumas empresas que passaram por graves e emblemáticas crises nos últimos anos, como a Mectron e a Avibras, Eduardo Siqueira Brick reconhece que retomar o desenvolvimento de uma indústria que parou no tempo "é um processo de décadas", que passa também pela modernização da infraestrutura que já existe.
Para começar isso em algum ponto, ele aponta que é necessário tomar uma decisão política, que virá necessariamente de Brasília: "Politica de defesa não é atribuição das Forças Armadas, mas, sim, do Estado do Brasil. As Forças Armadas são instrumentos de defesa".
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Em segundo lugar, é imperativo criar um orçamento de gestão de defesa, com soluções e compromissos para sustentar a capacidade operacional de combate das tropas e a capacidade de assegurar a elas o arsenal de guerra do Brasil.
"Os meios atuais ficam obsoletos muito rapidamente, e, quando chega a hora de usar, eles não são mais necessários", disse Siqueira Brick, acrescentando que em tempo de paz "você deve aproveitar a janela de oportunidade para priorizar essa força de defesa".

"Construir uma Embraer [fabricante brasileira de aviões, entre eles militares] demora três décadas. Agora quem define isso são as Forças Armadas, e elas preferem ter Centauros, Guaranis [referindo-se a blindados]. Essa mudança precisa vir de cima. O Brasil precisa ter pelo menos 30% do seu orçamento de defesa para pesquisa e desenvolvimento. E depois desenvolver planos para conseguir tecnologias de mísseis, submarinos e outras armas", afirmou.

Qual é a reforma necessária na logística de defesa do Brasil?

Na avaliação do analista militar, a palavra de ordem para o Brasil "é a reforma na logística de defesa". Ele explica que o país precisa se livrar de sua dependência do arcabouço internacional da OTAN, "que cerceia o aparecimento de uma indústria nacional voltada para assuntos militares", pois ninguém compartilha tecnologia de guerra moderna no mundo de hoje.
Para que a reforma se concretize, o país precisa compreender "alguns conceitos que são fundamentais e óbvios. Para defender os interesses e a soberania de um país do tamanho do Brasil, nossa capacidade militar precisa de dois componentes: um deles é capacidade operacional de combate, para enfrentar ameaças no campo de batalha", disse.
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Para isso, segundo o analista, é preciso ter capacidade de logística defensiva, que passa pelo desenvolvimento de uma indústria nacional de defesa apta a conceber e fabricar armas para as Forças Armadas e suprir as unidades e tropas durante um combate. "Tão importante quanto a Marinha ter uma frota é o país ter uma indústria para fornecer esses meios", avaliou.
Nesse sentido, dado o processo de desindustrialização histórico no país, "é preciso criar incentivos" para novos empreendedores do setor, com condições melhores do que "deixar de pagar imposto para vender para as Forças Armadas". Segundo Siqueira Brick, o governo federal erra "ao não garantir mercado aos novos empresários do segmento, e isso é um reflexo do que estamos vendo com a crise da Avibras".

"Com relação às empresas privadas, [o Estado] não pode dar autonomia 'para fazerem o que quiser' e nem deixar essas empresas entrarem em falência. O Estado precisa dar 100% de garantia de demanda. E enquanto não tiver esse arcabouço, uma entidade para controlar a indústria que fornecerá [meios] às Forças Armadas, o Brasil não terá inovação", avaliou.

"O grande problema é que não existe compromisso do Estado com a sobrevivência dessas empresas", apontou, acrescentando que falta coordenação mesmo entre os militares do alto escalão do Exército. "Falta uma autoridade para desenvolver a base industrial do país. São 15, 18 autoridades, entre generais de quatro estrelas ou mesmo civis, e não tem um comando comum. Isso é completamente diferente do que existe no resto do mundo".
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