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Nova corrida espacial: a humanidade corre o risco de vivenciar uma guerra no espaço?

© AP PhotoEspaçonave Orion se aproxima da Terra, em 11 de dezembro de 2022, na fase final de seu voo de teste de três semanas para a Lua
Espaçonave Orion se aproxima da Terra, em 11 de dezembro de 2022, na fase final de seu voo de teste de três semanas para a Lua - Sputnik Brasil, 1920, 16.12.2022
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Em entrevista à Sputnik Brasil, professores de engenharia aeroespacial e de astrofísica explicam como a nova corrida espacial substituiu a cooperação pela competição e quais seriam as consequências sobre a Terra em caso de uma guerra entre potências no espaço.
Nos últimos anos, o interesse de grandes potências militares pelo espaço se acentuou. Em 2019, os EUA criaram uma Força Espacial Militar, integrada à Força Aérea do país. Neste ano, em outubro, físicos chineses simularam uma explosão nuclear no espaço, causando grande controvérsia.
No mesmo mês, a Rússia fez um pedido à Organização das Nações Unidas (ONU) para que pensasse em medidas para se evitar uma guerra no espaço. Em paralelo, o interesse de empresários em fomentar comércio e turismo no espaço também cresceu.
Em entrevista ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, Antonio Gil Vicente de Brum, professor de engenharia aeroespacial da Universidade Federal do ABC (UFABC), e Alexandre Zabot, professor de astrofísica da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), explicam a crescente importância estratégica do espaço e os riscos de um conflito espacial.
Antonio Brum explica que o interesse pelo espaço não é algo recente e destaca a corrida espacial vivenciada no mundo na década de 1950, durante a Guerra Fria. "A corrida espacial colocava frente a frente os países dominantes do pós-Segunda Guerra, os dois modelos litigantes de mundo. Ganhar essa disputa significava ser o melhor país, o melhor modelo de mundo, mais capaz e mais poderoso", diz Brum.
Ele acrescenta que o espaço tem um papel significativo também por conta da posição que oferece. "O espaço representa o ponto de vista mais alto. Como nas guerras na Idade Média, nas quais o sujeito ficava na posição estratégica no alto, esperando quem vinha da parte mais baixa. De lá [do espaço] se vê tudo. Dominar o espaço confere ampla capacidade estratégica militar a esse país."
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Brum destaca que o espaço ganhou importância econômica e política atualmente.
"Gerenciamento das cidades, dos recursos naturais, tudo depende de satélites. São satélites de navegação global, GPS, meteorologia, comunicação, observação, lançamento de mísseis. Até as guerras são espaciais hoje em dia. Na Guerra do Golfo, a televisão transmitia imagens de satélites, mostrando alvos sendo selecionados e identificados e depois os mísseis sendo disparados e atingindo o alvo. Ou seja, hoje em dia tudo depende do espaço."
Brum aponta que um dos fatores que contribuíram para os avanços no setor aeroespacial foi a busca por cooperação, uma vez que "as atividades espaciais são muito custosas e exigem muita expertise".

"Antes chegava-se a mais e melhores resultados. Todas as missões de grande porte, mesmo a Artemis, que foi lançada semana passada, exige cooperação de muitos países. Em um fenômeno mais recente, o espaço passou a ser um grande negócio. Essa missão Artemis, por exemplo, leva o homem de volta à Lua com outro olhar, não mais o da exploração científica, embora isso também faça parte dos objetivos da missão, mas também [...] [o de] explorar os recursos naturais abundantes que tem lá", explica Brum.

Ele acrescenta que a gravidade no espaço também é um fator atraente. "Construir naves espaciais em torno da Lua, onde a gravidade é um sexto da gravidade na Terra, é muito mais fácil do que ficar construindo naves grandes a partir da Terra e tentar lançá-las com um foguetão imenso. No caso da Estação Espacial Internacional, para construí-la, variadas missões foram utilizadas para lançar pedacinho por pedacinho, para depois montá-los no espaço. Se fosse para fazer isso em torno da Lua seria muito mais fácil. E a proposta é que a missão para Marte vai sair dali", destaca Brum.
No entanto ele ressalta que atualmente a competição vem ganhando o lugar da cooperação, uma vez que "potências como EUA, Rússia, China e Índia buscam com a exploração espacial o domínio científico e tecnológico".
"Esse domínio significa poder. Além do mais, agora temos as empresas, que veem o espaço como um grande negócio [...]. Empresas como a SpaceX têm uma importância grande nas atividades do governo estadunidense."
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Sobre a possibilidade de uma nova corrida espacial causar dependência econômica da humanidade em relação ao espaço, Brum explica que "isso já acontece há algum tempo, e esse caminho não tem volta".

"Pensa em uma nação que não tenha acesso a comunicações globais, um país que não tenha controle sobre seus transportes, sobre a malha de aviões e navios que está circulando nele, sem possuir navegação GPS, que não tenha previsões meteorológicas para sua safra ou imagens de satélite para mostrar o que está acontecendo. E se a gente pensar nos militares, sem visão ampla de seus territórios e sem comunicação segura em campo, como é que eles vão exercer as atividades deles?", questiona Brum.

Diante da competição pela posição de domínio, a possibilidade de ocorrer uma guerra no espaço vem gerando temor e voltou ao debate após a China fazer uma simulação de derrubada de satélites em outubro. Porém, na avaliação de Brum, "o risco de conflito não é iminente, pelo menos não agora".

"Não acho que vai acontecer agora esse conflito no espaço, porque os principais interessados em que isso não aconteça são as próprias potências que têm muitos recursos no espaço, eles têm muitos alvos no espaço. Se começarem a destruir os satélites uns dos outros, quem vai perder mais são eles. E como suas economias são praticamente baseadas nesses recursos espaciais, não é bom negócio estimular uma guerra nesse sentido agora", explica Brum.

Ele destaca que hoje existe um tratado internacional, do qual o Brasil é signatário, criado em 1967, pela ONU, para reger as atividades no espaço, chamado Tratado do Espaço Exterior (TEE). Esse tratado promove o uso civil e pacífico do espaço, incluindo a Lua e os outros corpos celestes, e impede qualquer país de reivindicar soberania sobre o espaço sideral ou qualquer corpo celeste.
No entanto, segundo Brum, esse tratado "não proíbe expressamente todas as atividades militares no espaço". "Há dubiedades. Por exemplo, o estabelecimento de forças espaciais militares ou a colocação de armas convencionais no espaço não é proibida, portanto eventualmente podem ser estabelecidos."
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Questionado sobre a posição do Brasil na corrida espacial, Brum destaca que o país tem investido mais no setor aeroespacial nas últimas décadas, mas ainda está muito distante de chegar às posições de potências como China, Rússia, EUA e Índia.
"Nós temos um olhar para isso, mas muitos recursos são bem limitados para o setor, como para ciência e tecnologia em geral", diz Brum.
Alexandre Zabot, professor de astrofísica da UFSC, compartilha da opinião e cita como exemplo o programa espacial brasileiro.
"O programa espacial brasileiro desde o começo sofreu muito com a falta de investimentos, de regularidade nos investimentos. Nos últimos tempos, ele deu um pequeno avanço, porque o ministro Marcos Pontes [hoje ex-ministro], como é do setor aeroespacial, quis deixar essa marca na gestão dele no Ministério da Ciência e Tecnologia", explica Zabot.
Ele lembra que, nos últimos anos, o Brasil estabeleceu uma parceria com os EUA no setor. Diante da atual polarização geopolítica, que dividiu o mundo em dois blocos, colocando EUA e Europa no lado oposto ao de Rússia e China, o avanço brasileiro nessa parceria expõe a escolha de um lado.

"O Brasil escolheu um lado nessa polarização espacial, o lado dos EUA e da Europa. Está marcado agora que o Brasil está com EUA e Europa. Não era assim antes, o Brasil antes vinha cooperando com vários países, inclusive a China. O Brasil tem o CBERS, que são satélites sino-brasileiros de monitoramento do clima, que foram construídos e lançados em parceria Brasil–China. Essas parcerias agora ficam comprometidas. O Brasil escolheu seu lado. Se foi a melhor escolha ou não, só o futuro vai dizer. Porque a gente não sabe quem vai assumir o controle no futuro do setor espacial."

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Em uma eventual guerra espacial, Zabot destaca que as consequências "seriam inimagináveis". Primeiro porque a destruição de satélites desencadearia quedas de destroços na Terra, que poderiam atingir regiões povoadas. Segundo por conta da chamada Síndrome de Kessler.

"Kessler era um engenheiro americano que conseguiu provar que se você tiver muitos satélites na órbita da Terra e um satélite desses for destruído, ele vai se partir em milhares de pedaços. Esses pedaços vão voar de maneira descontrolada naquelas órbitas e atingir outros satélites, partindo esses satélites. O resultado final é que pode ter uma órbita em torno da Terra onde todos os satélites foram destruídos. Se for uma órbita de satélites de comunicação, a gente corre o risco sério, real, de não ter mais comunicação no planeta via satélite, só comunicação via cabo. Então a gente pode voltar vários anos ou, mais até, ter uma crise de comunicação."

Ele destaca que não foi só a China que demonstrou força e capacidade de derrubar um satélite. "Os EUA já derrubaram equipamentos, e a Rússia também tem toda capacidade tecnológica de fazer isso."
Nesse contexto, segundo Zabot, uma atualização do TEE seria uma discussão importante, porém a parte difícil seria convencer as atuais potências que lideram a corrida espacial a concordarem com a imposição de novas regras.
"Neste momento, não acho que haja força política capaz de vincular os países a um novo tratado espacial, ninguém conseguiria obrigar a China ou os EUA a cumprir um tratado espacial hoje. A gente vive um momento bastante complicado da nossa história em termos políticos", argumenta Zabot.
Ele destaca que foi somente após a Segunda Guerra Mundial que as potências globais despertaram para a necessidade de criar mecanismos de defesa dos direitos humanos, com a assinatura de um tratado internacional.

"A gente precisou passar por uma catástrofe, como a Segunda Guerra, em solo europeu, para que esse tratado fosse assinado. O que a gente precisa para conseguir um tratado no setor aeroespacial? É uma pergunta complicada. O que se pode fazer para obrigar China, EUA, Rússia a assinar um tratado que limita seus poderes?", questiona Zabot.

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