Volta de Lula é 'elemento mundial', aponta analista sobre a expansão da esquerda na América Latina

© Foto / Divulgação / Ricardo StuckertO ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva posa com lideranças indígenas na Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática de 2022 (COP27), no Egito, após ser eleito, em 17 de novembro de 2022
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva posa com lideranças indígenas na Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática de 2022 (COP27), no Egito, após ser eleito, em 17 de novembro de 2022 - Sputnik Brasil, 1920, 27.12.2022
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A ascensão de Hugo Chávez ao cargo máximo da Venezuela, em 1999, foi o que se convencionou como "onda rosa", ou seja, o movimento de transição da América Latina para a esquerda, após anos de governos com viés ideológico oposto na direção política e de ditaduras militares de extrema-direita.
Depois de um período marcado por governos de direita e neoliberais, vários países latino-americanos voltaram a escolher a faixa do espectro político que prioriza as chamadas pautas progressistas, revivendo uma tendência observada no início do século.
Especialistas ouvidos pelo Mundioka, podcast da Sputnik Brasil, indicam que os principais momentos dessa guinada à esquerda foram as discussões da Constituinte no Chile, que elegeu Gabriel Boric, além das vitórias históricas de Gustavo Petro, na Colômbia, e Luiz Inácio Lula da Silva, no Brasil, este prestes a cumprir um terceiro mandato.
No caso de Lula, seu retorno é um elemento profundamente marcante para a geopolítica mundial, segundo um dos analistas.
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A tal 'onda rosa' na América Latina

Christopher Mendonça, professor do Ibmec Belo Horizonte, explica que a ideia das ondas vem do cientista político dos Estados Unidos Samuel Huntington.
"Ele fala de ondas de democracia e de ondas de autoritarismo. Para ele, as ondas autoritárias são extremamente negativas — e para nós, da América Latina, também, já que vivemos diversas ondas com quebras da identidade democrática e das regras do jogo. Ondas que variam entre ideais não são necessariamente negativas, ao contrário. Essa variação que a América Latina tem vivido nos últimos anos é positiva porque demonstra a capacidade dos dois lados de governar de formas distintas e de atender públicos distintos. Não acredito que a onda rosa seja negativa; é uma tendência das democracias e demonstra que as tendências podem ser alteradas de acordo com o que a gente vê dentro dos próprios regimes democráticos", afirmou.
Para exemplificar, ele cita a Colômbia, que vinha há muitas décadas elegendo presidentes de direita. A população, por sua vez, estava apresentando muitas demandas que não eram atendidas, sobretudo na área social.
Foi o descontentamento com essa falta de atendimento às questões sociais que levou à troca de presidente muito alinhado à direita.
De acordo com Mendonça, uma das características primordiais observadas na diferenciação de esquerda e direita é que a primeira tem uma ligação maior com as questões sociais.
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Há grupos de direita, sobretudo os que pensam em macroeconomia e na responsabilidade fiscal, que estão ligados diretamente à redução de questões sociais nas prioridades políticas.
Diante de uma insatisfação sistêmica na América Latina, porém, as pessoas passaram a se preocupar mais com o atendimento dessas questões sociais, prossegue o professor do Ibmec.
Isso se dá sobretudo pelo momento da pandemia, durante o conflito na Europa, as guerras de sanções, e no momento em que os preços estão muito elevados.
Devido a esses fatores, o consumo diminuiu, em razão da perda da capacidade de compra, e as questões econômicas voltaram para a pauta de uma maneira muito emblemática.

"Isso fez com que grupos de esquerda tivessem promessas que se alinhavam mais às demandas da sociedade. O retorno dos grupos de esquerda é voltado para a erradicação da fome e atendimento às questões sociais, sobretudo para amenizar as questões da pandemia."

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Só que nem tudo são flores e rodas de ciranda, segundo ele.
Mendonça lembra que os primeiros presidentes de esquerda que foram eleitos na nova "onda rosa" estão tendo dificuldades para governar e ter dinheiro, renda e recursos a fim de atender a sua plataforma eleitoral.
Um caso que talvez seja o mais simbólico para ilustrar a questão é o do presidente Alberto Fernández, na Argentina.

"Ele prometeu tirar os argentinos da pobreza, mas a pobreza aumentou, os índices de inflação no país aumentaram e a crise política está instalada. Embora haja uma intenção — boa — de apresentar soluções na área social e de prometer uma melhoria nas condições de vida, eu não sei se de fato eles [governos de esquerda da América Latina] têm condições econômicas. Vão depender muito do cenário internacional para cumprir essas promessas de campanha", analisou.

Guinada à esquerda em 3 pontos

Já Felipe Bueno, jornalista e especialista em relações internacionais, aponta três acontecimentos que marcaram 2022 dentro da "onda rosa" na América Latina.
O primeiro deles é a Venezuela voltando ao mundo da política, sendo novamente procurada por governos que, até pouco tempo atrás, não consideravam negociações com a administração de Nicolás Maduro.

"Começa o conflito entre Rússia e Ucrânia, e, de repente, a Venezuela (que estava varrida para baixo do tapete, assim como o Irã) volta a ser uma possibilidade de conversa e de negociação por causa da questão energética. Esse é um ponto muito interessante, porque você tem empresas privadas dos EUA conversando com o governo venezuelano. Se alguém falasse isso há dois anos, as pessoas dariam risada de quem falou", observou o especialista.

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Outro fato elencado por ele são as idas e vindas da Constituinte do Chile, rejeitada pela população em referendo.
Segundo Bueno, a eleição de Boric em si já foi um fato muito interessante.

"Mas, especificamente sobre a Constituinte, é a chance de bater o prego no caixão do [Augusto] Pinochet e da ditadura. Porém você não pode ler a Constituição e o Pinochet em 2022 com os olhos de 1981, quando ela foi escrita. Mudou muito. Existem algumas perguntas, e talvez as respostas sejam outras."

Por fim, há a volta de Lula.

"Goste-se ou não, é um elemento político mundial. Ele é o cara que [o ex-presidente dos EUA Barack] Obama abraçava e falava 'Esse é o cara'. Ele tem trânsito no mundo, seja no mundo liberal, seja no mundo mais à esquerda. Toda a história envolvendo o Lula desde quando ele veio de pau de arara do Nordeste até o pós-golpe na Dilma Rousseff em 2016... É uma história absolutamente fascinante. Para os historiadores, é uma história absolutamente incrível. A volta dele em 2023 é um dos fatos mais importantes da América Latina em 2022", sintetizou.

O especialista finaliza indicando que o ano de 2022 foi intenso e "dá à América Latina esperança para 2023, mas há muitos passivos: saúde, educação, pobreza, opressão contra povos originários, meio ambiente".
Por isso, segundo ele, "o ano que vem será intenso [para a região] também, provavelmente".
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