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Guerra Fria 2.0: o que está em jogo na disputa entre EUA e China na região do Indo-Pacífico?
Guerra Fria 2.0: o que está em jogo na disputa entre EUA e China na região do Indo-Pacífico?
Sputnik Brasil
Os Estados Unidos vêm tentando isolar a China política e economicamente e atuam na região do Indo-Pacífico fincando suas bandeiras militares por meio de... 29.12.2022, Sputnik Brasil
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Há intelectuais que já enxergam o declínio do império norte-americano com base na experiência de seu antecessor hegemônico: o Reino Unido do período entre guerras, polvilhado por conflitos bélicos, pandemia (da gripe espanhola) e crises econômicas na primeira metade do século XX — tal como hoje se desenha no horizonte dos EUA.É possível adicionar o fator medo a essa equação, já que a ascensão da China como potência regional no Indo-Pacífico e mundial preocupa a cúpula do governo norte-americano.Na tentativa de frear o dragão chinês, os EUA impuseram restrições ao acesso da China à tecnologia de semicondutores do país, acrescentando medidas destinadas a impedir o esforço de Pequim para desenvolver sua própria indústria de chips e avançar as suas capacidades militares.A constante presença militar na região do Indo-Pacífico também é um dos tentáculos geopolíticos do governo de Joe Biden, com o Comando Indo-Pacífico dos EUA (Usindopacom, no acrônimo em inglês) realizando ações de treinamento militar constantemente com Japão, Indonésia, Coreia do Sul e outras forças aliadas.A ação fica cristalina no compilado de estratégias para a região lançado pelo governo Biden em fevereiro, ante China e Rússia se impondo como polos de poder mundial.Com as medidas de restrição e manobras de defesa, Washington mira o setor tecnológico chinês e o militar, já que exércitos ao redor do mundo dependem de tecnologia de ponta.Porém a agenda norte-americana encontra um entrave substancial: países do Indo-Pacífico que cultivam boas relações econômicas com a China e temem o poderio militar de Pequim.Para esses países, aderir às ações de Washington pode significar a perda de receitas em exportações para a China e de vantagens no âmbito da Nova Rota da Seda e em negociações na Associação de Nações do Sudeste Asiático (ASEAN, na sigla em inglês).O montante em jogo é alto: Japão e Coreia do Sul faturaram, somente em 2020, mais de US$ 130 bilhões (R$ 683 bilhões) em exportações para a China.Além disso, o crescente poderio militar da China pode punir países da região, que são essencialmente marítimos, bloqueando acesso a territórios.O que os avanços dos EUA sobre aliados chineses indicam?Diego Pautasso, doutor em ciência política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e autor do livro "China e Rússia no Pós-Guerra Fria", disse à Sputnik Brasil que o que está em jogo nessa tentativa dos Estados Unidos para isolar Pequim na região é a transição sistêmica.Segundo Pautasso, na verdade, a política de contenção dos Estados Unidos à China é o núcleo da rivalidade sino-estadunidense que, por sua vez, é o núcleo da transição de poder no mundo.A queda de braço afeta o sistema internacional como um todo e, obviamente, tem desdobramentos em toda a região da bacia do Pacífico e do Indo-Pacífico de uma maneira geral — considerando que o eixo da economia mundial se deslocou para lá, notou ele. "É evidente que isso impacta o conjunto das relações sistêmicas", pontuou.É possível isolar a China na região?Pautasso disse que os Estados Unidos buscam reeditar a lógica da Guerra Fria para conter a China.O segundo ponto, prosseguiu ele, é que a União Soviética estava em grande medida circunscrita a um bloco, no qual havia uma identidade socialista. Diferentemente da atual China, que é o maior parceiro comercial de 140 países.O professor explicou que a União Soviética não tinha condição de bancar o sistema do ponto de vista do financiamento, das relações comerciais, da criação de iniciativas político-diplomáticas e comerciais que transbordassem a sua esfera de influência para além do bloco estritamente socialista. A China, por sua vez, faz isso em escala global.Na época da Guerra Fria, disse Pautasso, os Estados Unidos ofereciam toda a estrutura de "estabilidade do sistema": ofereciam uma moeda, um financiamento, o seu mercado e um paradigma econômico e tecnológico.Com isso, conseguiam fazer com que os países gravitassem em torno do polo hegemônico que era o Atlântico Norte, enfim, os Estados Unidos.A presença como um problemaElias Jabbour, professor de economia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e autor do livro "China: o Socialismo do Século XXI", lançado neste ano, afirmou que a estabilidade da região do Indo-Pacífico está em xeque.A tentativa de isolar a China da Coreia, Japão e outros países dentro daquela região da Ásia, argumentou Jabbour, vai provocar instabilidade com propósito único de tentar minar as possibilidades de a China alcançar a soberania tecnológica nas infraestruturas de semicondutores."A própria presença dos Estados Unidos na região hoje é um problema de segurança na região. Se observar o mapa da China, por exemplo, a China está cercada de bases militares. Os americanos fazem grandes lançamentos de Taiwan para demonstrar que elas são águas internacionais", diz o professor da UERJ.Isso vem provocando uma escalada que, nesta semana, levou Pequim a fazer uma grande operação de "invasão" do espaço aéreo de Taiwan.Perguntado sobre se há a possibilidade de isolar a China na região, Jabbour deu uma resposta categórica: "Não".Isso porque todos os países ali dependem da China de alguma maneira no mercado de exportação e importação.O escritor não vê nenhum benefício em potencial levado pelos EUA aos países do Indo-Pacífico.
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Há intelectuais que já
enxergam o
declínio do império norte-americano com base na experiência de seu antecessor hegemônico: o Reino Unido do período entre guerras, polvilhado por conflitos bélicos, pandemia (da gripe espanhola) e crises econômicas na primeira metade do século XX — tal como hoje se desenha no horizonte dos EUA.
É possível adicionar o fator medo a essa equação, já que a ascensão da China como potência regional no Indo-Pacífico e mundial preocupa a cúpula do governo norte-americano.
Na tentativa de frear o dragão chinês, os EUA impuseram
restrições ao acesso da China à tecnologia de semicondutores do país, acrescentando medidas destinadas a impedir o esforço de Pequim para
desenvolver sua própria indústria de chips e
avançar as suas capacidades militares.
A constante presença militar na região do Indo-Pacífico
também é um dos tentáculos geopolíticos do governo de Joe Biden, com o Comando Indo-Pacífico dos EUA (Usindopacom, no acrônimo em inglês)
realizando ações de treinamento militar constantemente com Japão, Indonésia, Coreia do Sul e outras forças aliadas.
A ação fica cristalina no compilado de estratégias para a região
lançado pelo governo Biden em fevereiro,
ante China e Rússia se impondo como polos de poder mundial.
Com as medidas de restrição e manobras de defesa, Washington mira o setor tecnológico chinês e o militar, já que exércitos ao redor do mundo dependem de tecnologia de ponta.
Porém a agenda norte-americana encontra um entrave substancial: países do Indo-Pacífico que cultivam boas relações econômicas com a China e temem o poderio militar de Pequim.
Para esses países, aderir às ações de Washington pode significar a perda de receitas em exportações para a China e de vantagens no âmbito da Nova Rota da Seda e em negociações na Associação de Nações do Sudeste Asiático (ASEAN, na sigla em inglês).
O montante em jogo é alto: Japão e Coreia do Sul faturaram, somente em 2020, mais de US$ 130 bilhões (R$ 683 bilhões) em exportações para a China.
Além disso, o crescente poderio militar da China pode punir países da região, que são essencialmente marítimos, bloqueando acesso a territórios.
25 de dezembro 2022, 17:16
O que os avanços dos EUA sobre aliados chineses indicam?
Diego Pautasso, doutor em ciência política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e autor do
livro "China e Rússia no Pós-Guerra Fria", disse à Sputnik Brasil que o que está em jogo nessa tentativa dos Estados Unidos para isolar Pequim na região é a
transição sistêmica.
"Os Estados Unidos sabem que a China é o principal polo de poder desafiante, que é um país que está erodindo as bases da hegemonia americana, e, portanto, os Estados Unidos traçam uma estratégia para tentar interditar, dificultar e criar graves problemas ao desenvolvimento e à ascensão geopolítica da China", apontou.
Segundo Pautasso, na verdade, a política de contenção dos Estados Unidos à China é o núcleo da rivalidade sino-estadunidense que, por sua vez, é o núcleo da transição de poder no mundo.
A queda de braço afeta o sistema internacional como um todo e, obviamente, tem desdobramentos em toda a região da bacia do Pacífico e do Indo-Pacífico de uma maneira geral — considerando que o eixo da economia mundial se deslocou para lá, notou ele. "É evidente que isso impacta o conjunto das relações sistêmicas", pontuou.
É possível isolar a China na região?
Pautasso disse que os Estados Unidos buscam reeditar a lógica da Guerra Fria para conter a China.
"Qual o problema? O problema é que a China é muito diferente da União Soviética em vários aspectos. Por isso a nova Guerra Fria corre o risco de naufragar. Algumas diferenças substantivas: primeiro é que a União Soviética só conseguia ombrear e rivalizar com os Estados Unidos no campo estratégico-militar, em algumas tecnologias estratégicas, por exemplo a missilística e a aeroespacial. Já a China não. A China não só rivaliza como está à frente em um conjunto muito significativo de tecnologias: energia solar, motores elétricos, baterias, supercomputadores, produção de eletroeletrônicos. Há um conjunto muito grande de tecnologias em que a China está à frente."
24 de dezembro 2022, 14:12
O segundo ponto, prosseguiu ele, é que a União Soviética estava em grande medida circunscrita a um bloco, no qual havia uma identidade socialista. Diferentemente da atual China, que é o maior parceiro comercial de 140 países.
O professor explicou que a União Soviética não tinha condição de bancar o sistema do ponto de vista do financiamento, das relações comerciais, da criação de iniciativas político-diplomáticas e comerciais que transbordassem a sua esfera de influência para além do bloco estritamente socialista. A China, por sua vez, faz isso em escala global.
"O produto interno bruto [PIB] chinês já é superior em poder de qualidade de compra, deve ultrapassar [o PIB dos EUA] em dólar, e a projeção para as próximas décadas é que venha a ser o dobro do PIB estadunidense. Então isso tem um impacto geopolítico extremamente grande. Os aliados americanos da Guerra Fria praticamente não tinham relações com a União Soviética, sobretudo os principais. Hoje os principais aliados americanos, inclusive na Ásia, inclusive no Indo-Pacífico (Japão, Coreia do Sul, Índia, Austrália, entre outros), têm nas relações com a China o seu principal mercado", elencou.
Na época da Guerra Fria, disse Pautasso, os Estados Unidos ofereciam toda a estrutura de "estabilidade do sistema": ofereciam uma moeda, um financiamento, o seu mercado e um paradigma econômico e tecnológico.
Com isso, conseguiam fazer com que os países gravitassem em torno do polo hegemônico que era o Atlântico Norte, enfim, os Estados Unidos.
"Hoje o que os Estados Unidos têm a oferecer é basicamente cooperação militar e uma estratégia securitária e de produção de rivalidades. Só que sem a contrapartida econômica, comercial e tecnológica, que hoje é oferecida pela China aos países vizinhos e aos países do mundo de maneira geral. Portanto essa estratégia de contenção, de tentativa de interditar uma economia das dimensões da economia chinesa é insuficiente, porque é como tentar agarrar uma criança e tentar agarrar uma bola grande. Não há capacidade para isso. A economia chinesa transborda por todos os lados. E pior: isso vai precipitar o desenvolvimento da autossuficiência chinesa em setores sensíveis, entre eles o setor de semicondutores."
A presença como um problema
Elias Jabbour, professor de economia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e autor do
livro "China: o Socialismo do Século XXI", lançado neste ano, afirmou que
a estabilidade da região do Indo-Pacífico está em xeque.
A tentativa de isolar a China da Coreia, Japão e outros países dentro daquela região da Ásia, argumentou Jabbour, vai provocar instabilidade com propósito único de tentar minar as possibilidades de a China alcançar a soberania tecnológica nas infraestruturas de semicondutores.
"A própria presença dos Estados Unidos na região hoje é um problema de segurança na região. Se observar o mapa da China, por exemplo, a China está cercada de bases militares. Os americanos fazem grandes lançamentos de Taiwan para demonstrar que elas são águas internacionais", diz o professor da UERJ.
Isso vem provocando uma escalada que, nesta semana, levou Pequim a fazer uma grande operação de
"invasão" do espaço aéreo de Taiwan.
"Invasão entre aspas porque Taiwan é parte da China. Então hoje, em certa medida, ao lado da Ucrânia e do conflito ucraniano, a região mais perigosa do mundo é o estreito de Taiwan. São os três pontos do mundo hoje [...], como chamaria o velho marxista, onde a luta de classes atua em sua maior forma, que é onde a luta de imperialismo e povos da periferia se dá de forma mais intensa. Então a presença americana já é um problema de segurança, de política, de economia. Os EUA estão querendo encurralar a Coreia do Sul, só que a maior parte das exportações da Coreia do Sul hoje são para a China", observou.
Perguntado sobre se há a possibilidade de isolar a China na região, Jabbour deu uma resposta categórica: "Não".
Isso porque todos os países ali dependem da China de alguma maneira no mercado de exportação e importação.
"Há muitas empresas chinesas migrando para países como Bangladesh, Vietnã, Laos e outros países. E todo mundo ali tem a China como seu principal mercado doméstico. É impossível isolar a China do mundo porque a China hoje é a principal parceira comercial de 140 países do mundo. Então é impossível isolar a China do seu entorno. É uma tarefa hercúlea", ressaltou.
26 de dezembro 2022, 05:13
O escritor não vê nenhum benefício em potencial levado pelos EUA aos países do Indo-Pacífico.
"O que os americanos têm a oferecer, por exemplo, àqueles países como Camboja e Laos, que hoje recebem grandes investimentos chineses em infraestruturas? O que os americanos podem entregar a Filipinas e Indonésia?", questionou. "Eu não vejo nada. A não ser o discurso de instituições, democracia, como foi na Cúpula das Américas, em que os países latino-americanos ficaram ansiosos com um possível discurso do Biden oferecendo um grande pacote de investimentos em infraestruturas na região e o que veio foi discurso de democracia e instituições. Enfim, os americanos não têm nada a oferecer ao mundo faz tempo, não é? Cá entre nós", concluiu.