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Porta-aviões: afundamento não foi nem crime nem tragédia, mas enorme mau exemplo, dizem analistas

© FolhapressPorta-aviões São Paulo chega à baía de Guanabara, no Rio de Janeiro (RJ), em 17 de fevereiro de 2001
Porta-aviões São Paulo chega à baía de Guanabara, no Rio de Janeiro (RJ), em 17 de fevereiro de 2001 - Sputnik Brasil, 1920, 07.02.2023
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Caso do porta-aviões São Paulo reflete a dificuldade do Brasil em dar destinação a embarcações desativadas. A Sputnik Brasil conversou com especialistas que afirmaram que o afundamento foi o pior desfecho possível para o caso.
A decisão da Marinha brasileira de afundar o antigo porta-aviões São Paulo gerou forte repercussão negativa entre ambientalistas. Organizações nacionais e internacionais divulgaram notas de repúdio à decisão, alertando sobre os impactos ambientais da medida.
O porta-aviões foi afundado na última sexta-feira (3), em águas jurisdicionais brasileiras, a 350 quilômetros da costa brasileira, em um local onde a profundidade chega a 5 mil metros. O afundamento encerra uma saga de quatro meses da embarcação desativada à deriva no mar, após ser barrada de entrar na Turquia por questões ambientais.
O motivo do entrave era a quantidade de cerca de 9,6 toneladas de amianto presente na estrutura da embarcação de 32,8 mil toneladas. Por ser uma substância cancerígena, o amianto é banido em vários países.
No caso do porta-aviões São Paulo, o problema se tornou ainda mais grave pelo fato de a quantidade de amianto apontada na estrutura ser apenas uma estimativa, já que apenas 12% dos compartimentos passaram por vistoria. Uma vistoria completa não pôde ser realizada por falta de um porto que aceitasse abrigar a embarcação para que os trabalhos fossem feitos.
O caso do porta-aviões São Paulo reflete a dificuldade do Brasil em dar destinação a embarcações desativadas. A Sputnik Brasil conversou com especialistas que afirmaram que o afundamento foi o pior desfecho possível para o caso.
O porta-aviões São Paulo, antes da Marinha do Brasil, deixa a baía de Guanabara pela última vez, em direção à Turquia, sendo puxado pelo rebocador holandês Alp Centre, em 4 de agosto de 2022 - Sputnik Brasil, 1920, 31.08.2022
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Para Sérgio Ricardo Potiguara, ecologista e cofundador do Movimento Baía Viva, o afundamento de embarcações desativadas em alto-mar deve ser "a última opção a ser tomada". Ele ressalta que o Brasil "é signatário da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar e tem uma política nacional de descomissionamento de embarcações".
Essa política estabelece que toda embarcação ou instalação presente no mar (como plataformas), após encerrar seu período útil em atividade, que dura em torno de 25 anos, deve ser removida, desmantelada, limpa e, eventualmente, reciclada a fim de reduzir impactos ambientais.
Sérgio Ricardo acrescenta que o afundamento eliminou a possibilidade de dar ao porta-aviões uma reciclagem verde, reaproveitando o material não nocivo e destinando o amianto para um descarte ambientalmente seguro. Segundo ele, a verba obtida com a venda do material reciclado poderia "ser revertida para financiar pesquisas marinhas, monitoramento, estruturar laboratórios das universidades públicas e pagamento de bolsas de estudo".

"O Brasil precisa avançar no campo da economia do mar. Essa decisão [de afundamento] é um equívoco enorme. Foi uma decisão que foi tomada pela Marinha no governo anterior, que, diga-se de passagem, era um governo que era antipolítica ambiental", diz o ecologista.

Marinha cometeu algum crime ambiental ao optar pelo afundamento?

Alguns ambientalistas classificaram o afundamento de uma "catástrofe" e algumas organizações não governamentais (ONGs) chegaram a falar em "crime ambiental" cometido pela Marinha do Brasil.
Para Rodrigo Bordalo, doutor e mestre em direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e professor de direito administrativo e ambiental do Centro Preparatório Jurídico (Cpjur) e da Escola Brasileira de Direito (Ebradi), "é prematuro dizer que houve prática de um crime por alguma autoridade da Marinha ou do governo federal em relação ao caso". Isso porque, segundo Bordalo, a decisão foi tomada após se esgotarem as possibilidades de realizar o chamado "desmanche verde".
"Pelo que se tem notícia, foram tomadas medidas pela União no sentido de fazer o chamado 'desmanche verde' no porta-aviões, tentativa que não foi exitosa, o que acabou levando o governo, por meio do Ministério da Defesa, a tomar a decisão de afundar a embarcação."
Ele acrescenta que "é importante apontar que o Ministério Público Federal (MPF) entrou com uma ação judicial contra a União para impedir que o porta-aviões fosse afundado". "No entanto a Justiça Federal acabou indeferindo o pedido do MPF", destaca o especialista.
Embora desconsidere a existência de crime ambiental, Bordalo destaca que o afundamento da embarcação deveria ter sido precedido de um estudo de impacto ambiental.
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"O descarte dos bens pertencentes à Administração (seja federal, estadual ou municipal), de responsabilidade do próprio Poder Público, não pode desconsiderar os impactos ambientais relacionados, o que exige das autoridades ambientais uma atenção nesse procedimento."
Ele argumenta que no caso do porta-aviões São Paulo "o Ibama [Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis] parece não ter se manifestado de modo conclusivo sobre o impacto ambiental da medida tomada pela Marinha, circunstância que gera preocupação".
"A medida de afundar o porta-aviões deveria ser antecedida do chamado Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EIA), um instrumento previsto na própria Constituição Federal, destinado a avaliar as repercussões ambientais de atividades e condutas que podem gerar um significativo impacto ambiental. No entanto, não consta que isso foi exigido do Ministério da Defesa ou da Marinha."
Bordalo acrescenta que "as consequências ambientais que essa medida pode provocar são consideráveis".

"Diversas estruturas do porta-aviões são constituídas por amianto, um produto nocivo atualmente proibido no Brasil, haja visto seu impacto negativo na saúde e no meio ambiente. Além disso, não se pode desconsiderar o impacto na biodiversidade marinha do local em que o navio foi submerso", diz o especialista.

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Um grande descaso por parte de um governo que busca liderança na pauta ambiental

Para o engenheiro ambiental David Zee, professor de oceanografia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), o afundamento do porta-aviões não configura "nem crime nem tragédia, mas um enorme mau exemplo e precedente para futuras poluições pontuais dos oceanos".

"Não se configura crime pois obteve licenças para o procedimento. Nem tragédia pois, se comparado com a dimensão do oceano Atlântico, é pouco significativo. Contudo, o exemplo das nossas autoridades é muito ruim pois indica que no caso de uma insolvência a gente entrega para o ambiente oceânico [— e ele] que se vire."

Ele faz uma comparação com a contaminação com plástico, que pode parecer insignificante se não for analisado todo o contexto.
"Uma garrafa pet [no oceano] é insignificante. Mas, se levarmos em conta todos os plásticos lançados doravante em todas as partes do planeta, a gente liquida com os oceanos ainda neste século", destaca o oceanógrafo.
Zee finaliza com uma dura crítica à forma como o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) lidou com a situação.

"Um governo que reclamou tanto dos maus exemplos do anterior poderia demonstrar a sua sinceridade impedindo essa solução relaxada e se esforçar para dar outro destino para a embarcação. Um país que concebe navios abandonados na sua baía de maior notoriedade internacional [a baía de Guanabara] demonstra que não tem uma gestão costeira sob domínio e controle."

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