Com 200 carcaças, cemitério de navios da Baía de Guanabara é considerado bomba-relógio (VÍDEO)
Com 200 carcaças, cemitério de navios da Baía de Guanabara é considerado bomba-relógio (VÍDEO)
Sputnik Brasil
Equipe de reportagem da Sputnik Brasil navega com ecologista pela Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro, e constata de perto a dificuldade brasileira em dar... 10.02.2023, Sputnik Brasil
Na última sexta-feira (3) o porta-aviões São Paulo foi afundado pela Marinha, a 350 quilômetros da costa brasileira, levando para o fundo do mar uma grande quantidade de amianto, substância cancerígena e altamente nociva ao meio ambiente.A embarcação foi chamada de "navio-fantasma" por ficar durante meses à deriva em alto-mar, uma vez que nenhum porto se dispôs a recebê-la por temer danos ambientais.O caso do porta-aviões reflete a dificuldade brasileira em lidar com embarcações fora de uso. Essa dificuldade também foi exposta em novembro de 2022, no Rio de Janeiro (RJ), quando o navio São Luiz, abandonado na Baía de Guanabara, colidiu com um dos pilares da Ponte Rio–Niterói, após sua âncora se partir, deixando a embarcação flutuando à deriva no corpo d'água.Para ter uma exata compreensão do tamanho do problema das embarcações abandonadas, e seus impactos sobre o meio ambiente, a população e a economia como um todo, a Sputnik Brasil percorreu a Baía de Guanabara de barco para ver de perto a quantidade de embarcações abandonadas e o estado de deterioração de suas estruturas.A equipe de reportagem foi guiada no trajeto por Sérgio Ricardo Potiguara, ecologista e cofundador do Movimento Baía Viva, que desde os anos 1980 atua na defesa da Baía de Guanabara, seu ecossistema e biodiversidade.Sérgio Ricardo relata à equipe da Sputnik Brasil que "no Brasil há cerca de 850 embarcações de grande porte que já ultrapassaram seu período de vida útil, que dura cerca de 25 anos". Do total, 200 ficam na área visitada pela reportagem, segundo um levantamento feito em 2002 a pedido da Secretaria de Estado do Meio Ambiente. O número, no entanto, pode ser maior, dado o tempo que passou desde o levantamento.O ecologista alerta que a poluição gerada pelas embarcações abandonadas tem um efeito cascata danoso.Logo na primeira hora de trajeto, quando navegava próximo ao Terminal Pesqueiro Público de Niterói, a equipe de reportagem recebeu uma denúncia de um vigia que guarda uma antiga fábrica localizada próximo ao terminal. Segundo o vigia, que não quis se identificar, há uma grande embarcação afundada naquela região, lotada de uma quantidade de óleo em seu interior.Sérgio Ricardo aproveita a ocasião para ressaltar que aquela região abrigava várias fábricas de sardinha, atualmente desativadas, que produziam muita gordura e a vazavam na baía.Dando prosseguimento ao trajeto, o ecologista destaca que as embarcações localizadas no fundo da baía, principalmente as de madeira, "representam um risco especialmente grave, pois não há como medir a quantidade de óleo e outros passivos ambientais em seu interior", que eventualmente acabam vazando.Sérgio Ricardo argumenta que o caso das embarcações abandonadas "não é um problema de legislação, pois há leis suficientes para lidar com a questão". Ele ressalta que o Brasil é signatário da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar e tem uma política de descomissionamento de embarcações, que determina que toda embarcação ou plataforma, após encerrar seu período de atividade, deve ser desmontada, limpa e reciclada.Segundo o ecologista, o que falta é conscientização da população e das autoridades sobre a necessidade de preservação ambiental, bem como recursos para pesquisas e fiscalizações.Ele acrescenta que o Brasil tem um enorme potencial de economia do mar, "o que traz a necessidade de estruturar órgãos públicos, ambientais e de segurança, que atuam na fiscalização ambiental".Sérgio Ricardo também aponta que a abordagem dada ao problema das embarcações abandonadas pelos últimos governadores foi algo similar a um greenwashing, termo usado para designar ações em prol do meio ambiente que não atacam o real problema, mas servem de marketing verde e geram lucro para seus autores.Ele recorda que, em 2016, às vésperas das Olimpíadas do Rio, o governo do estado, na figura do Instituto Estadual do Ambiente (Inea), realizou um leilão das embarcações abandonadas no canal de São Lourenço, uma das regiões da baía que contêm um cemitério de navios.O ecologista destaca que o atual governador do estado, Cláudio Castro (PL), após a colisão do navio São Luiz com a Ponte Rio–Niterói, "criou um grupo de trabalho para vender a sucata das embarcações" que segue a mesma abordagem do leilão feito em 2016.Ele acrescenta que o movimento tem outra proposta, que visa destinar os recursos da venda da sucata das embarcações para quatro ações, sendo a primeira o ressarcimento dos danos causados à comunidade pesqueira."Isso poderia ser feito pelas universidades públicas que são parceiras da Universidade do Mar [da UERJ, Universidade do Estado do Rio de Janeiro]. Mas, para isso, a universidade precisa de recursos, amostras, sedimentos de água, laboratório, insumos, bolsas de estudo para os pesquisadores."A terceira ação seria o reaparelhamento dos órgãos ambientais responsáveis pela fiscalização de crimes ambientais.O ecologista cita como última ação o investimento em políticas de conscientização sobre a preservação ambiental.Ele finaliza acrescentando que a colisão do navio São Luiz não pode ser usada como pretexto para que o atual governo "repita a transação obscura" feita em 2016.
Equipe de reportagem da Sputnik Brasil navega com ecologista pela Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro, e constata de perto a dificuldade brasileira em dar destinação a embarcações fora de uso.
Na última sexta-feira (3) o porta-aviões São Paulo foi afundado pela Marinha, a 350 quilômetros da costa brasileira, levando para o fundo do mar uma grande quantidade de amianto, substância cancerígena e altamente nociva ao meio ambiente.
A embarcação foi chamada de "navio-fantasma" por ficar durante meses à deriva em alto-mar, uma vez que nenhum porto se dispôs a recebê-la por temer danos ambientais.
O caso do porta-aviões reflete a dificuldade brasileira em lidar com embarcações fora de uso. Essa dificuldade também foi exposta em novembro de 2022, no Rio de Janeiro (RJ), quando o navio São Luiz, abandonado na Baía de Guanabara, colidiu com um dos pilares da Ponte Rio–Niterói, após sua âncora se partir, deixando a embarcação flutuando à deriva no corpo d'água.
Para ter uma exata compreensão do tamanho do problema das embarcações abandonadas, e seus impactos sobre o meio ambiente, a população e a economia como um todo, a Sputnik Brasil percorreu a Baía de Guanabara de barco para ver de perto a quantidade de embarcações abandonadas e o estado de deterioração de suas estruturas.
A equipe de reportagem foi guiada no trajeto por Sérgio Ricardo Potiguara,ecologista e cofundador do Movimento Baía Viva, que desde os anos 1980 atua na defesa da Baía de Guanabara, seu ecossistema e biodiversidade.
Parte de estrutura de navio enferrujado exposta na superfície da Baía de Guanabara, próximo à Ponte Rio–Niterói, em 3 de fevereiro de 2023
Sérgio Ricardo relata à equipe da Sputnik Brasil que "no Brasil há cerca de 850 embarcações de grande porte que já ultrapassaram seu período de vida útil, que dura cerca de 25 anos". Do total, 200 ficam na área visitada pela reportagem, segundo um levantamento feito em 2002 a pedido da Secretaria de Estado do Meio Ambiente. O número, no entanto, pode ser maior, dado o tempo que passou desde o levantamento.
O ecologista alerta que a poluição gerada pelas embarcações abandonadas tem um efeito cascata danoso.
"Há um problema grave que é um tipo de degradação da baía que é invisível. O saudoso professor Elmo Amador [geógrafo e especialista em geologia marinha] dizia que o assoreamento estava provocando a morte física da Baía de Guanabara. Porque as pessoas não veem. Em todos esses trechos onde as embarcações estão afundadas e abandonadas a taxa de assoreamento aumentou nas últimas três décadas. Significa que nessas regiões a baía está mais rasa, trazendo riscos à navegabilidade e um prejuízo socioeconômico muito grande para a economia do Rio de Janeiro."
Logo na primeira hora de trajeto, quando navegava próximo ao Terminal Pesqueiro Público de Niterói, a equipe de reportagem recebeu uma denúncia de um vigia que guarda uma antiga fábrica localizada próximo ao terminal. Segundo o vigia, que não quis se identificar, há uma grande embarcação afundada naquela região, lotada de uma quantidade de óleo em seu interior.
Sérgio Ricardo aproveita a ocasião para ressaltar que aquela região abrigava várias fábricas de sardinha, atualmente desativadas, que produziam muita gordura e a vazavam na baía.
"A gente não pode afirmar de antemão, mas é provável que esse passivo ambiental tenha sido deixado lá."
Carcaça de embarcação abandonada flutua na Baía de Guanabara, em 3 de fevereiro de 2023
Dando prosseguimento ao trajeto, o ecologista destaca que as embarcações localizadas no fundo da baía, principalmente as de madeira, "representam um risco especialmente grave, pois não há como medir a quantidade de óleo e outros passivos ambientais em seu interior", que eventualmente acabam vazando.
Sérgio Ricardo argumenta que o caso das embarcações abandonadas "não é um problema de legislação, pois há leis suficientes para lidar com a questão". Ele ressalta que o Brasil é signatário da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar e tem uma política de descomissionamento de embarcações, que determina que toda embarcação ou plataforma, após encerrar seu período de atividade, deve ser desmontada, limpa e reciclada.
Segundo o ecologista, o que falta é conscientização da população e das autoridades sobre a necessidade de preservação ambiental, bem como recursos para pesquisas e fiscalizações.
"Toda essa questão de descomissionamento de embarcações já está legislada por leis internacionais. O Brasil também tem, desde os anos 1990, uma legislação do Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro. E mais recentemente nós aprovamos a lei da política nacional de descomissionamento. Então o problema não é falta de legislação. A questão toda é que na cabeça de muitas pessoas, inclusive de autoridades, o mar, as baías, o oceano, são vistos como uma lixeira. Então pode jogar qualquer coisa lá."
Ele acrescenta que o Brasil tem um enorme potencial de economia do mar, "o que traz a necessidade de estruturar órgãos públicos, ambientais e de segurança, que atuam na fiscalização ambiental".
Parte de estrutura de navio enferrujado exposta na superfície da Baía de Guanabara, em 3 de fevereiro de 2023
Sérgio Ricardo também aponta que a abordagem dada ao problema das embarcações abandonadas pelos últimos governadores foi algo similar a um greenwashing, termo usado para designar ações em prol do meio ambiente que não atacam o real problema, mas servem de marketing verde e geram lucro para seus autores.
Ele recorda que, em 2016, às vésperas das Olimpíadas do Rio, o governo do estado, na figura do Instituto Estadual do Ambiente (Inea), realizou um leilão das embarcações abandonadas no canal de São Lourenço, uma das regiões da baía que contêm um cemitério de navios.
"Porém esse leilão foi uma fraude. A empresa ganhadora retirou apenas o que eu chamo de 'filé-mignon', que são as embarcações de maior valor econômico, que têm muito aço e alumínio."
O ecologista destaca que o atual governador do estado, Cláudio Castro (PL), após a colisão do navio São Luiz com a Ponte Rio–Niterói, "criou um grupo de trabalho para vender a sucata das embarcações" que segue a mesma abordagem do leilão feito em 2016.
"Esse filme nós já vimos. O Movimento Baía Viva entrou com uma denúncia no Ministério Público Federal, no Ministério Público do Estado, no núcleo de meio ambiente da Polícia Federal e na Delegacia de Proteção ao Meio Ambiente. Nós não vamos admitir que essa transação aconteça dessa forma", diz.
Duas embarcações enferrujadas abandonadas na Baía de Guanabara, em 3 de fevereiro de 2023
Ele acrescenta que o movimento tem outra proposta, que visa destinar os recursos da venda da sucata das embarcações para quatro ações, sendo a primeira o ressarcimento dos danos causados à comunidade pesqueira.
"Os pescadores estão empobrecidos nessa região. Já tiveram acidentes, não conseguem pescar", diz Sérgio Ricardo, acrescentando que a segunda ação seria investir no monitoramento da contaminação ambiental.
"Isso poderia ser feito pelas universidades públicas que são parceiras da Universidade do Mar [da UERJ, Universidade do Estado do Rio de Janeiro]. Mas, para isso, a universidade precisa de recursos, amostras, sedimentos de água, laboratório, insumos, bolsas de estudo para os pesquisadores."
A terceira ação seria o reaparelhamento dos órgãos ambientais responsáveis pela fiscalização de crimes ambientais.
Equipe do Movimento Baía Viva. Rio de Janeiro, 3 de fevereiro de 2023
"Nós precisamos reaparelhar, por exemplo, a Delegacia de Proteção ao Meio Ambiente. Sempre atuamos com ela, é um órgão importante, que até hoje não tem uma embarcação para fiscalizar 92 municípios, três baías e dezenas de lagoas."
O ecologista cita como última ação o investimento em políticas de conscientização sobre a preservação ambiental.
"Nós consideramos que é importante que esses recursos [provenientes da venda da sucata] sirvam para ações de recuperação ambiental da Baía de Guanabara. E estamos falando de ações de educação ambiental e também de projetos que possam beneficiar as comunidades pesqueiras na área de turismo de base comunitária, projetos de piscicultura."
Ele finaliza acrescentando que a colisão do navio São Luiz não pode ser usada como pretexto para que o atual governo "repita a transação obscura" feita em 2016.
"Não podemos admitir que o governo do estado se aproveite do desastre que houve com o navio São Luiz, em novembro do ano passado, e repita a transação financeira que se deu de forma obscura durante as Olimpíadas, em que uma empresa ganhou milhões de reais e não houve nenhum retorno, nenhum centavo destinado a melhorar a saúde ambiental da Baía de Guanabara ou a vida dos pescadores."
Acesso ao bate-papo bloqueado por violar as regras.
Você pode voltar a participar daqui a:∞.
Se você discorda do bloqueio, use o formulário de feedback
Discussão terminou. É possível participar da discussão durante 24 horas após publicação da matéria.