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Como os esforços para deslegitimar Putin podem dificultar a resolução do conflito na Ucrânia?

© Sputnik / Aleksei NikolskyiPresidente russo, Vladimir Putin, fala durante uma reunião anual estendida do Conselho do Ministério do Interior em Moscou, Rússia, 14 de março de 2023
Presidente russo, Vladimir Putin, fala durante uma reunião anual estendida do Conselho do Ministério do Interior em Moscou, Rússia, 14 de março de 2023 - Sputnik Brasil, 1920, 22.03.2023
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No final da semana passada, uma câmara de pré-julgamento do Tribunal Penal Internacional (TPI) emitiu um mandado de prisão contra o presidente russo Vladimir Putin, sob a alegação de responsabilidade pela deportação e transferência ilegais de crianças da Ucrânia para a Rússia em meio ao conflito.
Para além do barulho na mídia, a decisão do tribunal, assim como sua jurisdição, não possui qualquer efeito prático imediato contra o presidente russo. Aqui vale lembrar que nem a Ucrânia nem a Rússia são Estados-membros do TPI em função de não terem ratificado o Estatuto de Roma que o constituiu.
Ademais, o fato de o TPI não possuir um órgão de execução próprio faz com que ele dependa da cooperação de seus países signatários para a realização de prisões e transferência de suspeitos. Não obstante, compete ressaltar que, além da Rússia, dois outros membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU também não reconhecem as decisões do TPI, justamente Estados Unidos e China, o que diminui notoriamente a autoridade do órgão no âmbito internacional.
Dado esse contexto, observa-se que o recente mandado de prisão contra Vladimir Putin por parte do TPI possui significado eminentemente político. Primeiro, porque tais mandados de prisão costumam acontecer de forma secreta, com o intuito de proteger vítimas e testemunhas do processo, assim como para não prejudicar a investigação.
Curiosamente, dessa vez a desculpa por trás de sua divulgação foi a de "sensibilizar a opinião pública mundial" para os crimes alegadamente cometidos pelo presidente russo. Trata-se, todavia, de uma decisão política cujo principal intuito é a deslegitimação internacional – melhor dizendo "parcialmente internacional" – de Vladimir Putin.
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Mais do que isso até, trata-se de uma tentativa de deslegitimação da própria Rússia, pelo simples fato de Putin, enquanto chefe de Estado, representar o país oficialmente nas relações internacionais. Voltando um pouco no tempo, não é difícil notar que tais tentativas de deslegitimação da Rússia ou de seus líderes não se tratam de algo absolutamente novo.
Em julho de 2009, por exemplo, a Assembleia Parlamentar da OSCE resolveu adotar uma resolução que igualava os regimes totalitários de Hitler e de Josef Stalin, condenando a ambos por atos de genocídio e por crimes contra a humanidade.
Dez anos depois, em 2019, mais uma vez parlamentares europeus votaram uma resolução que considerava a União Soviética "igualmente responsável" pelo início da Segunda Guerra Mundial junto com a Alemanha nazista, medida que causou esperado desagrado na Rússia, por se tratar de uma clara manifestação de russofobia e uma distorção da história.
Num plano mais geral, é preciso admitir que o contexto atual das relações internacionais atravessa um momento sui generis, em que o perfil do confronto entre Estados mudou de forma significativa, dado o emprego cada vez mais difundido de ações de manipulação da opinião pública.
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Tais ações têm no seu cerne o objetivo de desqualificar o oponente e com isto inviabilizar o diálogo com a "outra parte", dificultando assim a solução de crises. Trata-se da famigerada "guerra híbrida" ou "guerra informacional", que vem sendo travada com unhas e dentes contra a Rússia pelo Ocidente e que agora apresenta mais de um de seus episódios.
Por isto mesmo, a tentativa de deslegitimação de Putin – atual chefe de Estado da Rússia – não só contém um notório teor político como é altamente contraproducente para uma eventual solução do conflito em curso na Ucrânia. No limite, na qualidade de "indiciado" pelo TPI, Putin não seria considerado apto a desempenhar papel numa futura retomada de negociações para pôr fim às hostilidades na Ucrânia.
Tais negociações, quando e se acontecerem, deverão envolver uma articulação complexa e concessões recíprocas entre os – até agora – quatro principais atores diretamente envolvidos no conflito: Rússia, Ucrânia, União Europeia e Estados Unidos.
A potencial exclusão do chefe de Estado russo desse processo – por questões de falta de "legitimidade" – acaba por excluir também a própria Rússia, ator fundamental dentro do confronto em pauta. Em verdade, observa-se que: ao invés de instigar ações que provoquem as partes (Rússia e Ucrânia) a conversarem sobre um acordo de paz, o Ocidente (liderado pelos Estados Unidos) opta pela prolongação da guerra por meio do envio de armas e apoio financeiro a Kiev no intuito de derrotar a todo custo a Rússia no campo de batalha.
Fora dele, o Ocidente utiliza o campo "informacional" para incitar intrigas com o objetivo de deslegitimar o líder russo e com isto – no limite – desqualificar as demandas de Moscou em relação à crise, que ainda parece distante do fim.
Ora, conforme indicou em entrevista o ex-primeiro-ministro israelense Naftali Bennett, no começo do conflito pareciam existir reais perspectivas de um acordo entre Rússia e Ucrânia. Com efeito, durante as primeiras semanas de embate Zelensky demonstrou-se propenso a uma negociação aberta com Vladimir Putin, de modo a entender melhor as demandas russas e encontrar uma solução comum para o fim das hostilidades.
Contudo, conforme a participação — direta e indireta — do Ocidente no conflito foi aumentando, a disposição de Zelensky em negociar foi sendo paulatinamente minada, o que culminou no enfraquecimento dos mecanismos de diálogo entre russos e ucranianos.
Seguiu-se então o que já era esperado, inúmeras acusações começaram a ser direcionadas com relação às ações das tropas russas na Ucrânia, assim como contra o próprio presidente Vladimir Putin, com quem Zelensky afirmava não ser mais possível conversar.
Naquele momento, tornava-se clara a intenção da liderança ucraniana e, num segundo plano, do próprio Ocidente de forçar uma mudança de governo na Rússia. Era a boa e velha política de "regime change" empreendida ao longo dos anos 2000 por americanos e europeus, desta vez com uma roupagem diferente.
Como a opção pela intervenção militar direta em território russo estava fora dos planos, por a Rússia se tratar de uma potência nuclear, o caminho escolhido foi o da "guerra informacional", manifestada pelos incessantes ataques reputacionais contra o país e contra sua liderança. A decisão do TPI, portanto, enquadra-se justamente nesse contexto.
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Em resumo, cada um dos quatro atores atualmente envolvidos no conflito em curso (Rússia, Ucrânia, União Europeia e Estados Unidos) possui expectativas, interesses geopolíticos e demandas particulares que são por si só altamente conflitantes.
Diante desse cenário político quadrilateral, a dificuldade para se chegar a um denominador mínimo comum é obviamente muito alta. Hoje, tentar desqualificar a Rússia e Vladimir Putin em particular não tornará esse processo mais fácil. Pelo contrário, fará essa dificuldade aumentar.
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