'Entre o martelo russo e a bigorna chinesa': especialista aponta perspectivas dos EUA na África
© AP Photo / Patrick SemanskyDurante a Cúpula de Líderes EUA–África, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden (ao centro), fala sobre parceria na Agenda 2063, da União Africana. Washington, EUA, 15 de dezembro de 2022
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A África foi recentemente agraciada com uma série de visitas de altos funcionários dos EUA, que viajaram para o continente em uma tentativa de dar um novo impulso à cooperação EUA-África. Durante as visitas, eles apontaram em particular as preocupações de Washington sobre o crescente envolvimento da China e da Rússia no continente.
Está ficando cada vez mais difícil para Washington encontrar seu lugar na África enquanto os países do continente firmam parcerias com Moscou e Pequim, disse o cientista político e diretor da revista Le Panafricain, Abdou Karim Diakhate, em entrevista à Sputnik.
Segundo o especialista, enquanto as visitas de autoridades norte-americanas à África se sucedem, o país está sob "fogo cruzado". Washington acreditava que poderia aproveitar a perda de influência da França em certas regiões do continente, mas na verdade enfrenta outros concorrentes, mais precisamente China e Rússia, explicou Diakhate.
"Os Estados Unidos estão entre o martelo russo e a bigorna chinesa na África. A China é o principal parceiro comercial de muitos países do continente, mas a cooperação entre as nações africanas e a Rússia vive uma nova dinâmica, gerando grandes esperanças. Essa tendência é a que mais incomoda os Estados Unidos", afirmou.
Diakhate observou que a maior preocupação dos EUA em termos de manter e aprimorar suas relações com os países africanos é uma crescente parceria Rússia-África. De fato, muitos analistas políticos reiteram que a cooperação entre a Rússia e alguns países africanos está "mais forte do que nunca". E a próxima cúpula Rússia-África deve levá-la a novos níveis.
EUA e tentativas fracassadas de pressionar a África
A perda significativa da influência norte-americana até levou Washington a dar palestras a certos países africanos sobre sua colaboração com Moscou ou Pequim, lembrou o especialista. Em particular, no início de janeiro, o ministro da Defesa sul-africano, Thandi Modise, denunciou a "pressão injustificada" de Washington para forçar o país a cortar relações com a Rússia.
Além disso, em maio do ano passado, a Câmara dos Representantes dos EUA aprovou uma "Lei de Combate às Atividades Malignas Russas na África", abrindo caminho para Washington punir os governos africanos por manterem a cooperação com Moscou, pois isso pode "minar os objetivos e interesses do país". O ato foi amplamente criticado por muitas autoridades africanas, que afirmaram que desrespeita a soberania das nações do continente.
Falando sobre este tipo de pressão, Diakhate sublinhou que as tentativas norte-americanas de pressionar o continente, obrigando-o a escolher um lado, provavelmente vão terminar em fracasso. Explicando o seu ponto de vista, elogiou a "consciência" das nações africanas sobre esta questão e a sua posição independente na política global. Ele observou que a resiliência da África durante a pandemia de COVID-19 mostrou em particular que o continente pode cuidar de si mesmo.
"Não creio que a pressão exercida pelo Ocidente sobre certos países africanos possa ter sucesso. Há uma consciência [entre os países africanos] que vai além da simples observação, um verdadeiro avanço na visão, cujas consequências vemos em todos os lugares. Isso é demonstrado por meio de posições ousadas, declarações e ações decisivas apresentadas pelas elites políticas e por uma sociedade civil muito dinâmica na África", explicou.
Isolamento da Rússia?
O atual nível de cooperação entre os países africanos e Moscou e seus laços crescentes em vários campos de interesses mútuos, destacou Diakhate, provam que a Rússia não está isolada no cenário internacional. Junto com muitas nações africanas, os países árabes também se abstêm de apoiar e impor sanções contra a Rússia. Além disso, a posição do país dentro do grupo BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) garante que ele não está sozinho.
"Em um mundo multipolar, o isolamento da Rússia não me parece possível dadas as apostas geoestratégicas e os interesses divergentes dos países [...]. Apenas 28 países dos 54 que compõem a União Africana votaram a favor da resolução que condena a operação militar especial russa", salientou.
Os comentários de Diakhate sobre o suposto isolamento da Rússia ecoam as declarações do recente entrevistado da Sputnik, Aymeric Chauprade, um cientista geopolítico francês. Segundo ele, apesar dos esforços, os países ocidentais não conseguem isolar a Rússia. No plano internacional, Moscou, tal como Pequim ou Nova Deli, é um importante parceiro dos países africanos, com os quais o continente está disposto a aprofundar e diversificar as suas relações. Portanto, o Ocidente deve aceitar essa virada para a multipolaridade.