Rússia resiste às sanções porque 'dólar não é tão sólido quanto diziam seus ideólogos', diz analista
© AFP 2023 / YURI KADOBNOVRegistro da cidade de Moscou em janeiro de 2023
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Se o Fundo Monetário Internacional (FMI) reconhece que as sanções econômicas impostas a Moscou por causa do conflito na Ucrânia não funcionaram, isso implica que o processo de transformação da economia global em uma ordem multipolar é ainda mais rápido do que o Ocidente reconhece, afirmou um analista econômico à Sputnik.
O FMI publicou um relatório no dia 28 de abril afirmando que a Europa sofreu com as sanções econômicas contra a Rússia porque seu suprimento de recursos energéticos era limitado, enquanto a Rússia "provou ser mais resistente às sanções do que muitos analistas inicialmente esperavam".
O órgão global destaca que, apesar da queda de sua economia durante o segundo trimestre de 2022, o país eurasiático conseguiu melhorar seus indicadores no terceiro e quarto trimestres, reduzindo seu produto interno bruto (PIB) em apenas 2,1%, segundo estimativas do Banco Central da Rússia.
"A grande melhora nos termos de comércio e os volumes resilientes de exportação de petróleo e gás impulsionaram as receitas nesta área para máximos históricos e apoiaram a economia da Rússia em 2022", enfatiza o FMI.
Além disso, o órgão aponta que "a capacidade da Rússia de redirecionar as exportações de petróleo dos países sancionadores para os países não sancionadores foi confirmada por informações independentes e não oficiais, enquanto as receitas de exportação de gás também foram altas, apesar de sua queda acentuada nos volumes".
A esse respeito, o Ph.D. em economia política pela Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM), Óscar Rojas, assegura que se "instituições conservadoras ortodoxas" como o FMI reconhecem um rearranjo da economia, isso significa que grande parte do mundo ocidental nega a inutilidade da política de sanções, pois na realidade está acontecendo o contrário, que é a transformação econômica diante da emergência de uma ordem multipolar que "está mais acelerada do que realmente se aceita".
"O dólar foi na história imediata a última moeda que teve a possibilidade de assumir o controle de quase 90% das transações [internacionais]. Então, a partir de agora, veremos uma recomposição de uma nova estrutura de cesta de moedas", explica o especialista.
Após a Segunda Guerra Mundial, "estabeleceu-se o controle unilateral da economia norte-americana" em toda a ordem econômica mundial, portanto, "nesse contexto de unilateralismo, foi quando as sanções funcionaram", aponta Rojas.
"Esse mundo unilateral não funciona mais, não existe mais. Isso também tem a ver com a aceleração da integração que ocorreu com o projeto de globalização após a queda do muro [de Berlim]", diz o economista mexicano.
A mídia especializada, como The Economist, explicou recentemente que as políticas de sanções contra Moscou falharam devido a dois elementos principais. O primeiro, porque "sempre houve grandes lacunas no regime de sanções". E o segundo, porque a economia e o comércio russos são versáteis, tendo encontrado uma forma de sobreviver e até se fortalecer em canais alternativos que não subscreveram as sanções de Washington e seus parceiros da União Europeia (UE).
Além disso, a busca por alternativas econômicas promoveu outras moedas como o yuan chinês, moeda com a qual foram pagos 16% das exportações russas durante 2022, e permitiu a consolidação de sistemas de pagamentos interbancários alternativos ao SWIFT, como é o caso do CIPS, um modelo similar administrado por Pequim.
Nesse sentido, Óscar Rojas considera que o conflito na Ucrânia e as subsequentes sanções econômicas aceleraram o processo de desdolarização que já havia começado após a crise econômica de 2008 e que ganhou força após a chamada Primavera Árabe.
"Todo mundo percebeu que, depois da crise de 2008, e agora com esses processos inflacionários mundiais, fica claro que uma moeda como o dólar não é tão sólida quanto diziam seus ideólogos", diz o especialista.
A tendência de desdolarização da economia mundial foi observada por vários especialistas e até aceita pela própria secretária do Tesouro dos Estados Unidos, Janet Yellen, que reconheceu que as sanções econômicas aceleram essa tendência.
Apesar disso, ainda não há um reconhecimento tácito desse fenômeno, pois um sistema imperial funciona de duas formas, a administrativa, onde entram instituições como o próprio FMI, e a ideológica, onde entram em jogo os meios de comunicação com os quais "se sustenta a conceituação do modelo anterior", explica Rojas.
"Ainda há resistência e é natural. Os fenômenos históricos sempre têm um período em que, digamos assim, podem morrer em uma década e ideologicamente acabar desaparecendo até a próxima. Ainda há uma fase de adaptação e compreensão dos novos fenômenos", explica o acadêmico.
Neste contexto, e perante o apelo de alguns países a não dependerem da moeda dos Estados Unidos, o especialista considera que "já se prenuncia uma crise de reorganização [econômica]", que vai poder claramente materializar-se até 2050, ou antes, caso se verifiquem fenômenos que aceleram a integração multipolar e até levem a UE a reconsiderar as condições de uso de uma moeda única.
"Me atreveria a dizer que, embora não seja o regresso às moedas nacionais, poderia ser uma refundação de um regime de moeda única, mas teria de ser em outros termos", conclui o especialista.