A presunção do Ocidente: opinião do economista Jeffrey Sachs sobre a razão do conflito na Ucrânia
© AFP 2023 / Tiziana FabiJeffrey Sachs, professor de economia, líder em desenvolvimento sustentável, conselheiro sênior da ONU, participa do segundo dia de uma cúpula internacional de prefeitos sobre "Escravidão moderna e mudança climática" (foto de arquivo)
© AFP 2023 / Tiziana Fabi
Nos siga no
Especiais
Numa recente entrevista para o Instituto de Pesquisa Sobre Política Externa Canadense, o conhecido economista Jeffrey Sachs, nomeado duas vezes como uma das 100 pessoas mais influentes do mundo pela revista Time, evidenciou a principal razão por trás do conflito na Ucrânia.
Para o economista o fator causador da crise militar e humanitária hoje em curso na Ucrânia trata-se da soberba do Ocidente em expandir a OTAN para o leste no contexto do pós-guerra fria.
Como profissional, Sachs atuou no papel de conselheiro econômico de Mikhail Gorbachev, último presidente da União Soviética, e do presidente russo Boris Yeltsin. Nos anos 1990, Sachs também trabalhou na Ucrânia como conselheiro de Leonid Kuchma (presidente do país entre os anos de 1994 e 2005) e de Viktor Yuschenko (que governou entre 2005 e 2010).
Como profissional, Sachs atuou no papel de conselheiro econômico de Mikhail Gorbachev, último presidente da União Soviética, e do presidente russo Boris Yeltsin. Nos anos 1990, Sachs também trabalhou na Ucrânia como conselheiro de Leonid Kuchma (presidente do país entre os anos de 1994 e 2005) e de Viktor Yuschenko (que governou entre 2005 e 2010).
Logo, é possível observar que Sachs possui algum conhecimento da realidade política de ambos os países. Fato é que: a corajosa posição de Sachs se dá num momento em que o governo canadense pediu por uma imediata "mudança de regime" em Moscou, opondo-se abertamente aos apelos de países como Brasil e China pelo estabelecimento de negociações de paz entre Rússia e Ucrânia.
Vale lembrar que o Canadá já enviou mais de US$ 2 bilhões (R$ 9,8 bilhões) em armas a Kiev para enfretamento das tropas russas na região do Donbass. Para além de armamentos, o Canadá também está compartilhando inteligência militar e treinando tropas ucranianas, ao mesmo tempo em que forças especiais canadenses têm atuado em determinadas operações dentro da própria Ucrânia.
É diante desse contexto que Sachs aponta para a retórica cada vez mais militarista do Ocidente no tocante ao conflito, dificultando as perspectivas de paz na Europa. Essa atitude de antagonismo para com Moscou por parte das potências ocidentais está justamente refletida no projeto expansionista da OTAN durante os anos 2000.
Fato revelador nesse sentido é o artigo do ex-conselheiro de Segurança Nacional dos Estados Unidos, Zbigniew Brzezinski, para a revista Foreign Affairs (de 1997) intitulado "Uma Geoestratégia para a Eurásia", que Jeffey Sachs menciona no decurso de sua entrevista. Nele, Brzezinski defendia que, entre os anos de 2005 e 2010, a Ucrânia, uma vez identificada com a Europa, deveria ser preparada para negociações iniciais de adesão à OTAN.
Ora, no mesmo ano em que Brzezinski revelou o plano americano para a Eurásia, os Estados Unidos já declaravam abertamente em documentos de Estado que a OTAN pretendia associar-se aos países do Leste Europeu, vizinhos da Rússia, deixando claro que a Aliança Atlântica representava o principal pilar do "envolvimento americano na Europa".
Com efeito, desde meados dos anos 2000 a Rússia já expressava seu descontentamento com relação aos planos de admissão da Ucrânia e da Geórgia à OTAN. Moscou sabia que, se esses países fossem aceitos como membros da Aliança, mísseis balísticos, infraestrutura militar e tropas da OTAN poderiam ser instalados em seus territórios por decisão dos americanos.
Não à toa, a Rússia logo entendeu o que estava por trás das tentativas de atrair a Geórgia e a Ucrânia para o quadro de membros da Aliança Atlântica. Tratava-se de uma forma de usar aqueles países, com o consentimento das elites locais, como "plataformas" políticas no intuito de minar a segurança da Rússia e sua posição no espaço pós-soviético.
Além disso, Sachs também chamou atenção para o apoio do Ocidente no processo de derrubada do presidente Victor Yanukovich em 2014, que acabou lançando a Ucrânia numa intensa crise político-financeira durante os anos seguintes.
Na época dos protestos que resultaram no Euromaidan, a Rússia enxergou a mudança de governo forçada em Kiev como um claro "golpe de Estado" patrocinado pelas potências ocidentais, que tinham por intuito derrubar um líder democraticamente eleito, abrindo caminho para a instalação de políticos nacionalistas no poder.
No final das contas, a chamada "revolução pró-Ocidente" ocorrida na Ucrânia em 2014 fez o país renovar seus esforços de adesão à OTAN, algo que a Rússia já havia deixado bem claro ser inadmissível em razão de seus requisitos de segurança.
Na prática, Moscou estava simplesmente defendendo seus interesses nacionais, enquanto o Ocidente tentava a todo custo minar a influência da Rússia no exterior próximo, em função de seus objetivos geopolíticos egoístas.
Por fim, Sachs também fez menção à infame entrevista da ex-chanceler alemã Angela Merkel ao jornal Die Zeit em dezembro de 2022, na qual ela confessa que a real intenção do Ocidente por trás dos Acordos de Minsk – negociados em 2014 e 2015 – era fazer com que a Ucrânia "ganhasse tempo" para se fortalecer militarmente.
© AP Photo / Mykola LazarenkoA partir da esquerda, o presidente russo, Vladimir Putin, o então presidente francês, François Hollande, a então chanceler alemã, Angela Merkel, e o então presidente ucraniano, Pyotr Poroshenko, conversam em Minsk, Belarus, 11 de fevereiro de 2015
A partir da esquerda, o presidente russo, Vladimir Putin, o então presidente francês, François Hollande, a então chanceler alemã, Angela Merkel, e o então presidente ucraniano, Pyotr Poroshenko, conversam em Minsk, Belarus, 11 de fevereiro de 2015
© AP Photo / Mykola Lazarenko
Os Acordos de Minsk previam um processo de "federalização" estatal na Ucrânia, concedendo maior autonomia às regiões do Donbass e mantendo assim a integridade territorial do país. Contudo, mesmo tendo assinado o acordo, os políticos ucranianos, ao retornarem à capital Kiev, não se esforçaram em cumprir suas cláusulas, o que levou a sucessivas violações de cessar-fogo entre as forças militares ucranianas e as forças organizadas das repúblicas de Donetsk e de Lugansk.
Em resumo, o Ocidente nunca considerou genuinamente a Rússia como um parceiro de diálogo cujos interesses nacionais e de segurança devessem ser levados em conta. Isso porque o principal objetivo da OTAN sempre foi o de "estrangular" a Rússia, gerando instabilidade política na Europa e ocupando vácuos de poder no continente que pudessem alterar a balança de forças a seu favor.
Logo, o que vemos hoje, conforme apontou Jeffrey Sachs, é o resultado da presunção do Ocidente (liderado por Washington) em achar que suas políticas de provocação à Rússia acabariam sem resposta.
O Ocidente enganou a Rússia no começo dos anos 1990 ao mentir para Gorbachev sobre a não expansão da OTAN. O Ocidente enganou a Rússia em 2015 ao mentir sobre as reais intenções por trás dos Acordos de Minsk.
Não há estabilidade internacional que possa se sustentar em cima de mentiras. Infelizmente, foi essa catastrófica presunção das potências ocidentais que provocou o conflito na Ucrânia e que tem contribuído para dificultar uma resolução pacífica para a crise.
As opiniões expressas neste artigo podem não coincidir com as da redação.