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De parceiro a rival: os motivos da mudança de percepção dos americanos sobre a Rússia

© AFP 2023 / Denis BalibouseO secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, o presidente dos EUA, Joe Biden, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, e o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, se encontram na 'Villa la Grange' em Genebra em 16 de junho de 2021
O secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, o presidente dos EUA, Joe Biden, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, e o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, se encontram na 'Villa la Grange' em Genebra em 16 de junho de 2021 - Sputnik Brasil, 1920, 18.05.2023
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Com o fim da União Soviética em 1991, as relações políticas entre os Estados Unidos e a Rússia adquiriram um tom de relativa "cooperação".
Em lugar das antigas discussões sobre a dissuasão nuclear entre superpotências, tópicos como o combate à proliferação de armas de destruição em massa e o enfrentamento ao terrorismo internacional acabaram adquirindo maior importância nas relações bilaterais Moscou-Washington.
No entanto, com o passar dos anos, os americanos voltaram a enxergar a Rússia como um rival, mostrando-se incapazes de lidar com um Estado que conduz sua política externa de forma independente.
A fim de compreender as nuances por trás dessa mudança, é necessário analisar com detida atenção um dos mais importantes documentos de Estado emitidos pela Casa Branca, a Estratégia de Segurança Nacional.
Durante a administração de Bill Clinton (1993-2001), esses documentos demonstravam que os Estados Unidos consideravam a Rússia um "Estado-chave" para a obtenção de seus objetivos nacionais, com Washington se comprometendo a apoiar e ajudar a consolidação das reformas democráticas em seu "ex-rival", transformando assim uma antiga ameaça em um valioso parceiro diplomático.
© AP Photo / Aleksandr ZemlianichenkoO então presidente dos EUA, Bill Clinton, levanta sua taça para brindar com o presidente russo, Boris Yeltsin, em um jantar de recepção no Kremlin em Moscou, 10 de maio de 1995
O então presidente dos EUA, Bill Clinton, levanta sua taça para brindar com o presidente russo, Boris Yeltsin, em um jantar de recepção no Kremlin em Moscou, 10 de maio de 1995 - Sputnik Brasil, 1920, 18.05.2023
O então presidente dos EUA, Bill Clinton, levanta sua taça para brindar com o presidente russo, Boris Yeltsin, em um jantar de recepção no Kremlin em Moscou, 10 de maio de 1995
Em 1997, por sua vez, os Estados Unidos declaravam ter interesses vitais de segurança na evolução da Rússia e em sua integração pacífica em uma comunidade internacional liderada pelos americanos.
Ainda em 1997, porém, Washington já declarava abertamente que pretendia ampliar a OTAN pela absorção dos países do Leste Europeu, próximos às fronteiras da Rússia. Ficava então a pergunta: como os Estados Unidos consideravam a Rússia um valioso parceiro diplomático e ao mesmo tempo buscavam expandir uma aliança militar fundada para conter a Rússia?
Simples, as reais intenções de Washington eram mitigar a influência de Moscou no espaço pós-soviético sob o disfarce de um discurso sobre cooperação e parceria estratégica que nunca esteve de fato nos planos. Foi assim que em 1999 a Polônia, República Tcheca e Hungria aderiram à OTAN durante a primeira onda de expansão da aliança para o Leste.
De todo modo, com a virada do século a administração de George W. Bush mencionava a Rússia como sendo um "ex-adversário" dos americanos, atuando como um parceiro importante na "guerra contra o terror". Isso porque, como um gesto de boa vontade, a Rússia consentiu com o estacionamento de tropas americanas no Afeganistão para o combate à Al-Qaeda de Osama bin Laden.
Ora, na verdade, as relações dos Estados Unidos com a Rússia somente melhoraram no momento em que Washington percebeu que ambos possuíam temporariamente um inimigo comum, e não porque a Casa Branca levava genuinamente em conta as apreensões e os interesses da Rússia no sistema internacional.
Não por acaso, em 2004 foi a vez de Estônia, Letônia, Lituânia, Eslováquia, Romênia e Bulgária entrarem para o quadro da Aliança Atlântica, quando a OTAN passou a fazer fronteira com a Rússia por meio dos Estados Bálticos.
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Com isto, caças da OTAN podiam patrulhar o espaço aéreo em torno do mar Báltico, a uma distância de apenas poucos minutos de São Petersburgo, segunda maior cidade russa. Em 2006, por sua vez, os Estados Unidos relutantemente reconheciam que, por motivos geográficos e de poder, "a Rússia possui uma grande influência não apenas na Europa e em sua vizinhança imediata, mas também em muitas outras regiões de interesse vital [para os americanos]".
Naquele mesmo ano, vale lembrar, a Rússia saldou toda sua dívida externa herdada da União Soviética junto ao Clube de Paris (grupo composto por 17 nações desenvolvidas), o que contribuiu para aumentar a confiança do Estado.
Foi nesse contexto que se deu o histórico discurso de Putin na Conferência de Munique em 2007, na qual o presidente russo fez duras críticas ao avanço da OTAN para o Leste e à unipolaridade estadunidense nas relações internacionais.
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A lógica expressada por Putin na ocasião envolvia a percepção de que o poder nas mãos de uma potência hegemônica lhe concede a possibilidade de ditar as regras do sistema internacional e sob tais circunstâncias a Rússia não poderia ter uma voz independente.
Com efeito, a reação dos Estados Unidos diante do discurso de Putin foi hostil e histérica. Muito embora a administração subsequente de Barack Obama (2009-2017) tenha tentado "resetar" as relações com a Rússia, dando sinais de que estaria disposta a cooperar com Moscou em assuntos de interesse mútuo, fato é que essas tentativas acabaram sendo frustradas novamente por conta das ambições geopolíticas dos americanos no mundo.
Já em 2010, a Casa Branca voltou a reconhecer na Rússia uma "voz forte" na arena internacional, como um dos "centros de influência do novo século XXI".
© AP Photo / Evan VucciBarack Obama se encontra com o presidente russo, Vladimir Putin, em Enniskillen, Irlanda do Norte, 17 de junho de 2013
Barack Obama se encontra com o presidente russo, Vladimir Putin, em Enniskillen, Irlanda do Norte, 17 de junho de 2013 - Sputnik Brasil, 1920, 18.05.2023
Barack Obama se encontra com o presidente russo, Vladimir Putin, em Enniskillen, Irlanda do Norte, 17 de junho de 2013
Em 2014, com a crise política na Ucrânia e a prontidão de Moscou em defender os interesses das populações russófonas na região de Donbass e da Crimeia (que não reconheceram o golpe de Estado em Kiev patrocinado pelo Ocidente), a administração Obama cinicamente apontava a Rússia como um país beligerante, contribuindo para prejudicar de vez as relações entre Moscou e Washington.
Os Estados Unidos, como principal financiador da crise política na Ucrânia de 2014 e como fator agravante do conflito armado na Síria, não conseguiu aceitar a bem-sucedida atuação da Rússia em ambos os casos, em prol da defesa de seus interesses nacionais e de segurança.
Como resultado, em 2017, agora sob a administração de Donald Trump, a Estratégia de Segurança Nacional mencionava que a Rússia (ao lado da China) representava um desafio ao poder, à influência e aos interesses americanos no mundo. Em resumo, a Rússia voltava a ser um país "rival" dos Estados Unidos.
Isso porque a América demonstrou mais uma vez que não estava pronta para admitir que um Estado importante como a Rússia passasse a defender seus valores e interesses nacionais num mundo que, até então, parecia estar sob o total controle dos americanos.
Acontece que, diferentemente de alguns Estados europeus, a Rússia não é um país que se acomodaria ao papel de vassalo de Washington. Pelo contrário, a Rússia estava pronta para decidir, de forma independente, o seu próprio caminho e destino.
As opiniões expressas neste artigo podem não coincidir com as da redação.
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