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Lula e Biden: a história de uma parceria 'com limites'

© Folhapress / Caio GuatelliO presidente dos EUA, Joe Biden, recebe o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na Casa Branca, sede do governo americano
O presidente dos EUA, Joe Biden, recebe o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na Casa Branca, sede do governo americano - Sputnik Brasil, 1920, 17.08.2023
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No dia 16, Lula conversou por telefone com o presidente americano Joe Biden sobre pautas envolvendo trabalho, mudanças climáticas e sobre as perspectivas em torno de seus próximos encontros a ocorrer em setembro por ocasião da cúpula do G20 e no âmbito das Nações Unidas.
A ligação foi mais um episódio do que pode ser chamado de parceria "com limites" entre o mandatário brasileiro e seu homólogo americano. Isso porque, apesar de uma certa amistosidade e afinidade de interesses em determinadas áreas da agenda internacional, Brasil e Estados Unidos ainda assim possuem diferenças importantes do ponto de vista político.
O Brasil de Lula, vale lembrar, encontra-se num período de reinicialização de suas parcerias diplomáticas com atores que haviam ficado de lado durante a administração Bolsonaro. Ao mesmo tempo, o país também procurou aumentar sua presença e sua autoridade no cenário internacional por meio das diversas viagens realizadas por Lula ao exterior no primeiro semestre de 2023, afastando a marca mais isolacionista do governo anterior.
Presidente dos Estados Unidos da América, Joe Biden e o presidente da República do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva - Sputnik Brasil, 1920, 16.08.2023
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Lula e Biden conversam por telefone sobre meio ambiente e iniciativa de 'trabalho conjunto decente'
De todo modo, o problema é que o mundo de hoje é muito diferente daquele com o qual o presidente Lula teve de lidar em suas duas primeiras passagens por Brasília, colocando-o numa posição bastante desafiadora do ponto de vista da defesa dos interesses nacionais do Brasil em meio a uma ordem internacional cambiante.

Quanto às suas relações com o vizinho do Norte, o Brasil é verdadeiramente um Estado-chave para a manutenção ou contestação do poder estadunidense no continente americano. Não sem razão, a administração democrata de Joe Biden entende a importância de seus contatos com o mandatário brasileiro, que chefia a terceira maior economia e terceiro maior território das Américas.

Não obstante, enquanto segunda maior população e segundo maior Exército da região, o Brasil possui inegável peso para a configuração de forças regional, fato esse que não escapa aos olhos de grandes potências como Estados Unidos, Rússia e China.
Para certo desprazer dos americanos, no entanto, o Brasil de Lula no âmbito de sua política externa tem resistido a alinhar-se ao Ocidente em algumas das principais pautas da agenda global, como é o caso com relação ao conflito na Ucrânia. O Brasil, aliás, continua a manter e a ampliar inclusive relações comerciais com a Rússia (seu principal fornecedor de fertilizantes), além de ter recebido em solo nacional ainda esse ano a presença do chanceler russo Sergei Lavrov.
Vale lembrar que Lula também resistiu à pressão do presidente americano Joe Biden para que o Brasil colaborasse com o esforço de guerra ocidental contra a Rússia, negando-se a enviar armamentos e munições a Kiev. Por várias oportunidades os Estados Unidos intentaram – com bastante desfaçatez – empurrar o Brasil para o seu lado, mas sem sucesso. Ao final das contas, Lula demonstrou que a posição do Brasil está firmada na busca de uma "resolução pacífica do conflito" no Leste Europeu, ao mesmo tempo em que não pretende alienar suas relações com Moscou e com os russos.
Voltando à ligação telefônica entre os dois líderes, quando o assunto se trata da questão climática, Biden fez questão de recordar a contribuição de cerca de 500 milhões de dólares dos Estados Unidos para o Fundo Amazônia, destinados a projetos e iniciativas de preservação da região. As preocupações do governo Lula certamente envolvem um engajamento maior quanto ao clima e a defesa do meio ambiente. No entanto, o presidente brasileiro não se exime de criticar os países industrializados quando necessário.
O presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva fala durante um café da manhã com correspondentes estrangeiros no Palácio do Planalto em Brasília em 2 de agosto de 2023 - Sputnik Brasil, 1920, 05.08.2023
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Cúpula da Amazônia: estratégia de Lula é empoderar países emergentes e afastar EUA e UE, diz mídia
Em seu discurso diante da Torre Eiffel após a cúpula por um novo pacto financeiro global de Paris, Lula mencionou que os países que mais poluíram o mundo nos últimos séculos – prejudicando, portanto, o clima e o meio ambiente – foram justamente os que fizeram a Revolução Industrial, incluindo os próprios Estados Unidos, sobretudo a partir do século XX.
Lula, aliás, mostrou-se alerta ao fato de que muitas das vezes as críticas veladas à gestão brasileira da Amazônia acabam escondendo objetivos escusos por parte de governos estrangeiros. O presidente brasileiro também tem indicado que o Brasil possui plenas condições de cumprir com as proposições do Acordo de Paris referentes ao tratamento da questão ambiental, prometendo inclusive adotar uma política de "desmatamento zero" na Amazônia.
Novamente no âmbito de sua ligação com Biden, Lula estendeu um convite para que o presidente americano visitasse o Brasil. Com efeito, Lula chegou a visitar os Estados Unidos por um dia em fevereiro desse ano, reafirmando princípios como a defesa da democracia no continente americano. No entanto, essa visita de Estado não gerou maiores consequências do ponto de vista político. Em contrapartida, a estadia de quatro dias de Lula na China pareceu indicar que, ainda que não pretenda se alinhar automaticamente a nenhuma das grandes potências hoje em disputa, o Brasil mantém uma maior proximidade relativa para com os chineses do que com os americanos.
Em suma, na atual conjuntura internacional, Lula está ciente de que o apoio brasileiro será bastante disputado, sobretudo pelo fato de o Brasil apresentar-se como um dos líderes do Sul Global. Os Estados Unidos têm plena consciência dessa situação, assim como têm consciência de que os discursos do Brasil em torno da necessidade da desdolarização do comércio internacional afetam diretamente os interesses e a predominância de Washington no sistema.
Seja como for, como membro fundador do BRICS, o Brasil hoje reconhece o imperativo de abandonar paulatinamente o uso do dólar como moeda de troca, vide as sanções aplicadas pelos países ocidentais contra a Rússia, por exemplo, que evidenciaram a natureza enviesada das instituições globais sob a égide dos Estados Unidos.
Lula, que continuará seguindo um caminho de cuidadosa contestação do papel dos Estados Unidos nas relações internacionais, é um dos principais atores nesse processo de transformação sistêmica em curso. É por isso que, por mais amistosos que sejam os eventuais contatos entre Lula e Biden, é de se esperar que suas diferenças acabem falando mais alto no final das contas. Ora, basta entender que, na atual conjuntura em que se encontra o mundo, uma parceria entre Brasil e Estados Unidos claramente tem os seus limites.
As opiniões expressas neste artigo podem não coincidir com as da redação.
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