O novo sonho de independência: um olhar sobre os limites da atuação internacional do Brasil
© AP Photo / Takashi AoyamaA partir da direita, o primeiro-ministro do Vietnã, Pham Minh Chinh, o primeiro-ministro do Japão, Fumio Kishida, o secretário-geral da OCDE, Mathias Cormann, o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, o presidente de Comores, Azali Assoumani, a diretora-geral da OMC, Ngozi Okonjo-Iweala, o secretário-geral das Nações Unidas, Antonio Guterres, o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, obscuro, e o primeiro-ministro da Austrália, Anthony Albanese, 21 de maio de 2023, à margem da cúpula do G7
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Como parte da América Latina, identificado com o Sul Global, membro parcial da comunidade ocidental e próximo dos Estados Unidos, o Brasil tem enfrentado alguns desafios limitantes à sua atuação Internacional ao longo dos últimos anos.
O primeiro desses desafios se caracteriza pelo status sistêmico do Brasil. De forma geral, o país não é globalmente reconhecido como uma "Grande Potência", muito embora possua algumas credenciais para tal, como o tamanho de seu território, população e abundância de recursos naturais.
Historicamente, no entanto, o país teve dificuldades em equiparar seus ativos de poder com maior importância política. Falta ao Brasil maior pujança no âmbito militar, por exemplo, o que lhe permitiria exercer mais destacada influência sobre a diplomacia regional e mundial, além de poder assumir maiores responsabilidades sistêmicas.
A ausência de armas nucleares, aliás, e o fato de o Exército brasileiro sofrer limitações – por parte dos Estados Unidos – quanto ao escopo "permitido" de suas parcerias técnico-militares tornam-se entraves ao pleno desenvolvimento do país e à própria defesa de sua soberania.
No mais, o Brasil se ressente com razão da atual ordem mundial dominada pelo Ocidente, na qual imagina ter pouca voz ou poder de decisão. Contudo, sozinho, o país pouco pode fazer para melhorar sua posição no sistema.
Sem um forte aparato militar/nuclear, o Brasil optou por concentrar-se em "soluções multilaterais" para problemas internacionais, apoiando o fortalecimento de regras e de instituições de Governança Global para alcançar os seus interesses nacionais.
É por isso que, em conjunto a outras potências médias, o Brasil postula a importância do multilateralismo nos assuntos internacionais, justamente para mitigar os efeitos das ações unilaterais das Grandes Potências. Não por acaso, a chancelaria brasileira enfatiza a crença no multilateralismo como a forma mais adequada de produzir consenso e de dirimir disputas entre os Estados.
Ao mesmo tempo, esse tipo de atuação é prejudicado pelo pouco poder de voto brasileiro em instituições importantes como o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional e no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Do ponto de vista econômico, o Brasil também enfrenta algumas limitações e desafios.
Vale lembrar que o país ocupa uma posição tradicional de importador de bens manufaturados e de fornecedor de commodities (a saber, produtos minerais representaram cerca de 20% de todas as exportações brasileiras, sobretudo petróleo e minério de ferro) para economias mais dinâmicas.
Por conta disso, parte do crescimento brasileiro torna-se dependente do crescimento econômico de seus principais parceiros comerciais, além de desincentivar processos de diversificação de exportações e investimentos em setores tecnologicamente mais avançados de sua economia.
Para além da questão econômica, o entusiasmo do Brasil no âmbito de sua participação em diferentes associações minilaterais, como o fórum IBAS (composto por Brasil, Índia e África do Sul) ou mesmo o BRICS, vez ou outra sofre flutuações, a depender do governo eleito. O ex-ministro das Relações Exteriores entre 2013 e 2014, Luiz Alberto Figueiredo, afirmou certa vez que, por princípio, o país favorece a "desconcentração de poder" nas relações internacionais, justamente um dos principais objetivos de iniciativas como o IBAS e o BRICS.
No entanto, há momentos em que o Brasil parece se acomodar com a atual relação de forças em favor do Ocidente no sistema. Um exemplo claro disso ocorreu quando o Brasil ensaiou não muito tempo atrás uma maior aproximação com a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) durante a administração presidencial anterior (2019-2022), ao mesmo tempo em que se ouviam discussões sobre um possível desengajamento do país no BRICS.
Outro desafio importante diz respeito ao objetivo da política externa brasileira de fortalecimento de suas relações com a América Latina, com os quais o país pretende forjar uma maior integração econômica, política e social. Todos esses objetivos têm se mostrado difíceis em função de o Brasil ser um líder hesitante na América do Sul, o que acaba refletindo-se nos modestos resultados de projetos como o Mercosul, a Unasul e a CELAC.
Vale lembrar que a compreensão brasileira sobre o conceito de multipolaridade nas relações internacionais leva em conta a união de todo o continente sul-americano. Ou seja, não se trata apenas da posição do Brasil de forma isolada, mas sim de sua atuação conjunta com outros atores regionais, de forma a desempenhar um papel mais relevante no mundo.
Mais uma vez, por não fazer parte do clube das Grandes Potências, o Brasil associa seu peso político ao de toda a América Latina, o que depende justamente do sucesso dos processos de integração regional nos quais participa, que tem sido – sendo bastante otimista - bem modesto.
Por fim, o pleito brasileiro por uma reforma do Conselho de Segurança, expandindo os seus membros permanentes e não permanentes, acaba esbarrando no fato de que, até hoje, discussões sobre qual deva ser sua nova configuração não resultaram em um consenso amplo dentro das Nações Unidas.
© Foto / Palácio do Planalto / Ricardo Stuckert / CC BY 2.0Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, e presidentes dos países amigos do BRICS, posam para foto oficial após a reunião do grupo, no Sandton Convention Centre. Joanesburgo - África do Sul
Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, e presidentes dos países amigos do BRICS, posam para foto oficial após a reunião do grupo, no Sandton Convention Centre. Joanesburgo - África do Sul
© Foto / Palácio do Planalto / Ricardo Stuckert / CC BY 2.0
Não obstante, em seu afã por maior reconhecimento no cenário mundial, o desejo do Brasil de fazer parte do Conselho de Segurança como membro permanente dependerá de como o país será percebido justamente pelas Grandes Potências centrais do sistema. Ao mesmo tempo, essa percepção também dependerá de como o Brasil lidará com seus principais problemas domésticos como a violência, a desigualdade social e os constantes escândalos de corrupção de suas elites políticas.
Em suma, se quiser ver os limites à sua atuação internacional diminuídos no futuro, o Brasil precisará cuidar de todos os fatores acima mencionados. Caso o faça de forma bem-sucedida, o país será capaz de realizar um novo sonho de independência, assumindo a posição de destaque que lhe compete nesse complexo mundo multipolar.
As opiniões expressas neste artigo podem não coincidir com as da redação.