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O 'consenso de Nova Deli': a reunião do G20 na Índia e as marcas da inauguração de uma era

© AP Photo / Kenny HolstonPresidente do Brasil, Luis Inácio Lula da Silva, o presidente dos EUA, Joe Biden, o primeiro-ministro do Reino Unido, Rishi Sunak, e a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, durante cúpula do G20 em Nova Deli, 10 de setembro de 2023
Presidente do Brasil, Luis Inácio Lula da Silva, o presidente dos EUA, Joe Biden, o primeiro-ministro do Reino Unido, Rishi Sunak, e a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, durante cúpula do G20 em Nova Deli, 10 de setembro de 2023 - Sputnik Brasil, 1920, 11.09.2023
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Sob o slogan "Uma Terra – Uma Família – Um Futuro" encerrou-se no domingo (10) a aguardada cúpula dos países do G20 na Índia. Ao encerramento da reunião resta o reconhecimento de que o G20, como atestou sua declaração final, manteve sua posição de "principal fórum para a cooperação econômica internacional".
Sem dúvidas, colocar as preocupações do Sul Global no topo da agenda do G20 foi talvez a principal contribuição da Índia para essa nova fase do multilateralismo internacional, assim como da política externa mais assertiva de Nova Deli. O próprio ministro das Relações Exteriores indiano, Subrahmanyam Jaishankar, destacou o foco indiano no que ele chamou de "reglobalização", em que devam existir "múltiplos centros de produção [no mundo], não apenas de consumo".
Para além dessa nova reglobalização mais justa e democrática, todos os principais interesses dos países do Sul Global, envolvendo a cooperação econômica, a defesa do multilateralismo, o alívio da dívida perante instituições credoras internacionais, o financiamento climático, o desenvolvimento verde, entre outros, estiveram no centro das atenções do G20 neste ano.
O presidente dos EUA, Joe Biden, à esquerda, o primeiro-ministro indiano Narendra Modi, ao centro, e o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, de mãos dadas enquanto participam do lançamento da Aliança Global de Biocombustíveis na cúpula do G20 em Nova Delhi, Índia, sábado, 9 de setembro. , 2023 - Sputnik Brasil, 1920, 09.09.2023
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Ainda em se tratando do Sul Global, na Cúpula da Índia foi tomada a decisão histórica de admitir a União Africana como participante do bloco. Até hoje, vale lembrar, a África tinha apenas um membro (a África do Sul) representado nas reuniões.
Logo, como resultado da cúpula indiana o G20 contará com a presença de duas entidades-símbolo de suas regiões, a saber, a União Africana e a União Europeia. Com isto, a organização africana exercerá o papel de defender a voz de todos os 54 países do continente, tarefa essa que não será nada simples, mas que ainda assim se faz necessária para aumentar o prestígio da África nas relações internacionais.
Estando presente nas próximas reuniões do G20, a União Africana terá a oportunidade de discutir suas dificuldades financeiras com as principais economias do mundo e, ao mesmo tempo, estabelecer novas parcerias essenciais para o desenvolvimento da África.
Em contrapartida, a África do Sul, que sempre se orgulhou de sua participação no BRICS e no G20 no sentido de representar "a voz de todo o continente", deverá perder parte de sua influência política nas discussões. Afinal, o presidente da União Africana e o presidente da África do Sul agora estarão em pé de igualdade no âmbito das reuniões do G20. Seja como for, a Cúpula na Índia demonstrou um movimento importante no sentido de aumentar a inclusividade do bloco, fortalecendo a voz dos países em desenvolvimento face aos países desenvolvidos do G7.
Não obstante, outro ponto controverso que se esperava discutir na Índia tratava-se do conflito na Ucrânia. Em vista das ausências de Vladimir Putin e de Xi Jinping no evento, muito se cogitava sobre a aprovação de uma declaração "antirrussa" como resultado da Cúpula, a exemplo do que ocorreu na reunião do G7 em Hiroshima (no Japão). Entretanto, no documento final, com 37 páginas e cerca de 83 parágrafos, o tema do conflito na Ucrânia foi mencionado apenas em dois parágrafos e não exatamente nos termos defendidos pelo Ocidente.
Afinal, apesar das duras críticas dos países do G7 a Moscou, nenhuma menção explícita à "agressão russa" (como se veiculou na reunião em Hiroshima) foi incluída no documento final, que preferiu enfatizar a resolução pacífica dos conflitos ao invés de provocar um aumento de tensões desnecessário.
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Assim sendo, a declaração de Nova Deli pode ser vista como uma vitória diplomática para a Rússia. Isso porque tornou-se ainda mais claro que o Ocidente já não consegue mais exercer sua hegemonia de forma inconteste no sistema. Além do mais, a tentativa por parte dos países desenvolvidos de monopolizar a agenda no G20 deparou-se com a resistência do Sul Global, que buscou concentrar-se – ao invés disso – numa abordagem mais construtiva quanto aos principais problemas enfrentados pelo mundo hoje.
Dito de outro modo, conforme declarou o ministro indiano Jaishankar em entrevistas passadas, "a Europa precisa superar a mentalidade de achar que os problemas da Europa são os problemas do mundo, mas que os problemas do mundo não são os problemas da Europa".
No âmbito da Cúpula, aliás, chamou também a atenção o fato de que o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, ao responder a uma jornalista indiana, afirmou que convidará sim Vladimir Putin para a próxima Cúpula do G20 (em 2024) no Brasil e que o presidente russo em nenhuma hipótese terá sua segurança pessoal ameaçada (porém, depois o mandatário brasileiro recuou e disse que cabe à Justiça tomar tais decisões).
Mas, em todo o caso, a declaração inicial mostrou mais uma vez que o Poder Executivo do Brasil não se intimida por eventuais pressões do Ocidente acerca do mandatário russo e de que o país entende a natureza das maquinações por trás do fraudulento mandato de prisão a Putin emitido pelo Tribunal Penal Internacional no começo desse ano.
Para além dessas questões, a declaração de Nova Deli parece renovar as perspectivas em torno da Iniciativa de Grãos do Mar Negro. Inicialmente, esta iniciativa fora mediada pelas Nações Unidas e pela Turquia em julho de 2022, no intuito de garantir o transporte de cereais, fertilizantes e de produtos alimentares russos e ucranianos pelo mar Negro. No entanto, devido ao uso incorreto dos corredores marítimos por parte da Ucrânia (que passou a utilizá-los para atacar embarcações russas) e pelo não cumprimento das cláusulas em benefício de Moscou, o acordo teve sua renovação cancelada em julho.
Conforme suscitado pelo G20, o renascimento desta iniciativa poderá eventualmente aliviar parte da escassez de alimentos, reduzindo a volatilidade de preços nos mercados internacionais e facilitando o comércio global. Desde que cumpridas – e de forma justa – as condições defendidas por Moscou para a renovação do acordo, seu retorno é sim possível, ainda mais levando-se em conta o peso da declaração do G20 nesse sentido.
O presidente do Banco Mundial, Ajay Banga, o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, o presidente sul-africano, Cyril Ramaphosa, e o presidente dos EUA, Joe Biden, posam para a foto durante a cúpula do G20, em Nova Deli, na Índia - Sputnik Brasil, 1920, 09.09.2023
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Por fim, o esforço de Narendra Modi em dar maior voz ao Sul Global durante a Cúpula foi bem-sucedido. Com isto, a Índia firma seu papel como um dos líderes de uma nova reestruturação global que promete democratizar de vez as relações internacionais de nosso século. No futuro, o "consenso de Nova Deli" será certamente estudado como um dos documentos mais importantes dessa era multipolar que o G20 representa.
As opiniões expressas neste artigo podem não coincidir com as da redação.
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