Com apoio de Rússia e China, teria chegado a hora e a vez do Brasil no Conselho de Segurança da ONU?
11:14 28.09.2023 (atualizado: 14:46 29.09.2023)
© Folhapress / Fotoarena / Rodrigo CocaO então ministro das Relações Exteriores do Brasil, Celso Amorim, ao lado do então presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em evento na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), em 29 de junho de 2010
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Itamaraty acredita estar mais perto do que nunca da cadeira permanente do Conselho de Segurança da ONU. Saiba por que o Brasil está investindo pesado na sua candidatura e se a meta de ascender ao principal órgão da ONU ao final do mandato de Lula é realista.
Neste domingo (1º), o Brasil assume a presidência do Conselho de Segurança das Nações Unidas, em meio à intensa campanha para reformá-lo. Segundo fontes do Itamaraty, a conjuntura atual é a mais propícia para a concretização do objetivo brasileiro de se tornar membro permanente do principal órgão decisório da ONU.
Durante sua recente estadia em Nova York (EUA), para abrir os trabalhos da Assembleia Geral das Nações Unidas, o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, e seu chanceler, Mauro Vieira, priorizaram a reforma do Conselho de Segurança durante as reuniões em que o Brasil tomou parte.
"O Conselho de Segurança da ONU vem perdendo progressivamente sua credibilidade", declarou o presidente Lula durante o discurso de abertura da Assembleia Geral da ONU. "Sua paralisia é a prova mais eloquente da necessidade e urgência de reformá-lo, conferindo-lhe maior representatividade e eficácia."
A delegação brasileira em Nova York priorizou encontros com grupos e países envolvidos nas articulações pela reforma, como o G4, formado pelos principais candidatos à cadeira permanente – Brasil, Índia, Japão e Alemanha, e o L69, países em desenvolvimento que concordam com a necessidade de mudanças na principal estrutura da ONU. Os diplomatas brasileiros também priorizaram reuniões bilaterais com países-membros do conselho, como Rússia e EUA, para enfatizar seu interesse na reforma.
CC BY 2.0 / Foto: Ricardo Stuckert / PR / Luiz Inácio Lula da Silva discursa na abertura da 78ª Assembleia Geral da ONU, em Nova York. EUA, 19 de setembro de 2023
Luiz Inácio Lula da Silva discursa na abertura da 78ª Assembleia Geral da ONU, em Nova York. EUA, 19 de setembro de 2023
Em todas as reuniões, o Brasil extraiu de seus parceiros o compromisso de trabalho conjunto em prol da reforma, reportou a CNN Brasil.
O Brasil também conseguiu formalizar o apoio dos países do BRICS à reforma do órgão, ao incluir parágrafo sobre o tema no qual é citado nominalmente na mais recente declaração do grupo, emitida durante a Cúpula de Chefes de Estado de Joanesburgo, na África do Sul, no fim de agosto.
O objetivo do governo brasileiro é selar a entrada do Brasil no Conselho de Segurança até o fim do mandato do presidente Lula, em 2026.
A hora e a vez do Brasil?
O otimismo do Itamaraty em relação a uma reforma que muitos consideram irrealista se dá principalmente pela recente mudança da posição dos EUA em relação ao tema, acredita o doutorando em Ciência Política pelo IESP-UERJ e pesquisador do Núcleo de Estudos de Atores e Agendas de Política Externa (NEAAPE), Eduardo Morrot.
"Os EUA têm se mostrado mais favoráveis a uma mudança no sistema, tanto por reconhecer que a ordem internacional está defasada, quanto por precisar mostrar certa flexibilidade em relação ao tema", disse Morrot à Sputnik Brasil. "Eles querem evitar ser vistos como um país que não cede ao Sul Global, preso ao seu poder adquirido em 1945."
Já o doutor em Relações Internacionais pela Universidade Russa da Amizade dos Povos (RUDN, na sigla em russo), Johnatan Santos, não acredita que Washington esteja disposto a reformar o sistema.
"Os EUA estão satisfeitos com a ONU da maneira que ela é. Eles gozam de enorme poder como mantenedores da organização, controlam boa parte de sua pauta, e garantem um grande número de norte-americanos nos quadros administrativos e técnicos", disse Santos à Sputnik Brasil.
© AP Photo / Evan VucciO presidente Joe Biden se reúne com o secretário-geral das Nações Unidas, Antonio Guterres, durante a 77ª sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 21 de setembro de 2022, na sede da ONU.
O presidente Joe Biden se reúne com o secretário-geral das Nações Unidas, Antonio Guterres, durante a 77ª sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 21 de setembro de 2022, na sede da ONU.
© AP Photo / Evan Vucci
Desde os anos 2000, os Estados Unidos têm feito oposição à reforma do conselho, em contraste com a posição de China e Rússia, que se colocam favoráveis às mudanças.
O apoio russo ao Brasil, por exemplo, foi reafirmado recentemente pelo chanceler Sergei Lavrov em reunião bilateral com Mauro Vieira, no dia 21 de setembro, e em entrevista cedida pelo embaixador da Rússia no Brasil, Alexey Labetskiy, nesta segunda-feira (25).
"Rússia e China sempre se posicionaram de forma relativamente favorável à reforma do conselho, apesar de Pequim ter oposição a alguns candidatos em particular, como Índia e Japão", esclareceu Morrot.
© AFP 2023 / Kenta BetancurSergei Lavrov, ministro das Relações Exteriores da Rússia, discursa na 78ª Assembleia Geral das Nações Unidas em Nova York, EUA, 23 de setembro de 2023
Sergei Lavrov, ministro das Relações Exteriores da Rússia, discursa na 78ª Assembleia Geral das Nações Unidas em Nova York, EUA, 23 de setembro de 2023
© AFP 2023 / Kenta Betancur
Nesse sentido, o Brasil está em uma posição mais confortável do que seus colegas de G4, já que não teria sua candidatura bloqueada por nenhum membro permanente do Conselho de Segurança da ONU.
"A verdade é que o Brasil tem todas as credenciais diplomáticas e é um dos países mais cotados para assumir uma cadeira no conselho", disse Morrot. "Só não entramos no conselho ainda porque a reforma não saiu do papel."
Por outro lado, países aliados do Brasil na América Latina, como Argentina e México, participam de grupos de oposição à reforma do conselho e negam que estariam representados por uma eventual cadeira permanente brasileira. Além disso, nem todos os países da ONU acreditam que o Brasil tenha o peso geopolítico necessário para ser alçado ao principal órgão da organização.
"Muitas vezes nos esquecemos de que o Brasil é um país isolado geopoliticamente. Por isso é necessário convencer os membros da comunidade internacional da sua relevância e capacidade de influenciar a agenda de forma positiva", considerou Santos.
Membro de 2ª classe
Para driblar a oposição à reforma do Conselho de Segurança, o Brasil já declarou estar disposto a aderir sem o poder de veto. Os cinco membros originários do Conselho – Rússia, EUA, China, França e Reino Unido – podem vetar qualquer decisão do grupo de forma unilateral.
"Acho que, mesmo sem o poder de veto, vale a pena para o Brasil entrar no conselho", acredita Morrot. "O Brasil tem uma postura internacional avessa ao bloqueio de debates e dificilmente usaria o poder de veto em alguma questão consensual."
O acordo em debate incluiria a entrada de novos membros sem poder de veto, com uma garantia de que o tema fosse discutido em um futuro próximo.
© AFP 2023 / Hector RetamalMilitares brasileiros da Missão das Nações Unidas para Estabilização no Haiti (MINUSTAH) ficam em posição de sentido durante cerimônia de transferência do comando do contingente militar na capital haitiana Porto Príncipe (foto de arquivo)
Militares brasileiros da Missão das Nações Unidas para Estabilização no Haiti (MINUSTAH) ficam em posição de sentido durante cerimônia de transferência do comando do contingente militar na capital haitiana Porto Príncipe (foto de arquivo)
© AFP 2023 / Hector Retamal
"O objetivo seria, futuramente, debater a própria existência do veto, propondo a migração para um sistema mais eficiente, como o da aprovação de decisões por maioria qualificada", considerou Morrot.
Para Santos, o Brasil não deveria aceitar a entrada sem poder de veto com a promessa de receber concessões futuras, sob pena de cair em uma armadilha.
"Na formação da ONU, em 1945, também nos prometeram uma entrada no Conselho de Segurança no futuro. Agora nos oferecem uma cadeira sem poder de veto, prometendo uma discussão sobre o veto em um futuro próximo. Mas sabemos que esse futuro pode nunca chegar", acredita Santos.
Conselho esvaziado
Outra preocupação é de que o Brasil invista grande capital diplomático para entrar no conselho de uma organização que já não tem relevância geopolítica, avalia Santos.
"A ONU já perdeu relevância, está com o processo decisório emperrado e conduziu missões de paz com grau de sucesso duvidosos, como a do Haiti", considerou o especialista. "A sua capacidade de ser um fórum para estabelecimento de metas conjuntas também está sendo questionada pelo insucesso da Agenda 2023, que já sabemos que não será cumprida. Durante a COVID-19 tampouco vimos a ONU criando mecanismos eficientes de combate à pandemia."
Segundo ele, a diplomacia brasileira teria mais a ganhar investindo na consolidação do BRICS estendido como uma alternativa à ONU.
"Claro que seria bom para o Brasil entrar no conselho, mas do jeito que a ONU tem trabalhado ultimamente, vemos que a participação no BRICS é mais efetiva", declarou Santos. "O BRICS poderá se estabelecer como uma estrutura paralela e substituir a ONU no trato de vários temas da agenda internacional."
© AFP 2023 / Marco LongariO presidente da China, Xi Jinping, o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, o presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa, e o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, fazem gesto durante a Cúpula do BRICS de 2023 no Centro de Convenções Sandton, em Joanesburgo, em 24 de agosto de 2023
O presidente da China, Xi Jinping, o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, o presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa, e o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, fazem gesto durante a Cúpula do BRICS de 2023 no Centro de Convenções Sandton, em Joanesburgo, em 24 de agosto de 2023
© AFP 2023 / Marco Longari
Enquanto as Nações Unidas seguirem operando como órgão com maior número de adesões internacionais, o Brasil tem o dever de pressionar por um lugar no topo, acredita Morrot.
"Se formos realistas demais, nada sai do papel. Claro que é ousado, claro que é difícil, mas sem pressão a reforma da ONU nunca vai sair. Não podemos nos contentar. Temos todo o direito e dever de pressionar por uma reforma, nos articulando com países que concordam com a nossa posição", concluiu o especialista.