'Queimados' no Oriente Médio, EUA são incapazes de mediar conflitos na região, dizem especialistas
16:15 19.10.2023 (atualizado: 19:24 19.10.2023)
© AP Photo / Vahid SalemiManifestantes iranianos queimam a bandeira dos EUA durante protesto contra caricaturas publicadas pela revista satírica francesa Charlie Hebdo, em frente à embaixada da França em Teerã. Irã, 11 de janeiro de 2023
© AP Photo / Vahid Salemi
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Pesquisadores entrevistados pelo podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, afirmam que os Estados Unidos são incapazes de mediar conflitos no Oriente Médio, diferentemente da China e de outros países do BRICS.
Arábia Saudita e Irã, rivais históricos no Oriente Médio, reaproximaram-se nos últimos meses em movimento visto como vitória para a China. A aproximação foi costurada pelo país asiático, com investimento maciço de aproximadamente US$ 1 trilhão (cerca de R$ 5 trilhões) nos dois países.
Vale ressaltar que ambos, além da Argentina, do Egito, da Etiópia e dos Emirados Árabes Unidos, foram anunciados como novos integrantes do bloco a partir de 2024.
A reaproximação do Irã e da Arábia Saudita mostra a crescente influência chinesa na região — além de uma unidade do BRICS — e só reforça o quão incapazes são os Estados Unidos de mediar conflitos em tais locais, conforme especialistas consultados pelos jornalistas Melina Saad e Marcelo Castilho.
Em entrevista ao podcast Mundioka, o professor de história contemporânea da Universidade Estadual do Paraná (Unespar), Marcelo Carreiro da Silva, avalia que a China tem protagonismo nas relações internacionais já comprovado na reaproximação da Arábia Saudita e do Irã.
Para ele, os Estados Unidos, sem capacidade de intermediar relações diplomáticas nos dois países, influenciam negativamente questões geopolíticas da região. "Especialmente por conta do Irã — há a participação dos EUA na deposição de [Mohammed] Mossadegh, que nacionalizou o petróleo do Irã."
"[Isso] acabou com qualquer tentativa do governo iraniano de passar o lucro do seu petróleo para a população. Então, reforçou o governo monarquista do xá Reza Pahlavi, que só vai cair em 1979, e o Irã nunca se esqueceu disso."
Ele observa que a revolução iraniana carrega consigo um "sentimento antiamericano" devido a tais questões.
"Se um dos partícipes não tem proximidade, é impossível […] mediar qualquer coisa. Nesse sentido, os EUA não têm moral alguma para mediar essa relação. Coisa que exatamente a China tem."
Guerra de Israel contra o Hamas
Tanto a Arábia Saudita quanto o Irã condenaram os ataques de Israel contra a Faixa de Gaza, que mataram milhares de civis palestinos.
Esse é só mais um dos fatores que limitariam a ação estadunidense em território oriental, segundo o professor do Instituto de Relações Internacionais e Defesa (IRID), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Fernando Brancoli.
"Tanto Riad quanto Teerã têm feito declarações bastante fortes, condenando Israel, aumentando a responsabilidade de Tel Aviv a respeito desse tipo de ação e condenando o ataque civil."
Brancoli afirma que os iranianos têm certa ligação com o Hamas, o que influenciaria diretamente o conflito. "Gosto de lembrar que o Irã também não é um ator monolítico. A gente não pode afirmar que uma liderança ou um aiatolá, de alguma maneira, assinou um documento para enviar armamentos nesse contexto."
"Tanto o Hamas quanto o Hezbollah são considerados grupos terroristas por parte dos EUA, mas eu gosto de lembrar que, para o Conselho de Segurança [das Nações Unidas], não são. Inclusive, do ponto de vista prático, o Hezbollah é um grupo político na medida em que coordena ministérios no Líbano."
Além disso, a Arábia Saudita poderia estabelecer relações diplomáticas com Israel — o que beneficiaria os israelenses —, mas tal movimento foi impedido devido ao escalonamento do conflito, diz o professor e pesquisador.
Ele ressalta que o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, teve de se aliar a grupos ultraortodoxos e conservadores para se manter no poder, além de ter posições contrárias aos palestinos, o que acirra ainda mais as disputas.
Para Brancoli, o líder israelense tem muita responsabilidade pelos conflitos, que mataram mais de 1,4 mil pessoas em Israel, e boa parte da população é contrária a tais disputas. "As chances de Netanyahu responder juridicamente por isso não são pequenas. [Mas] enquanto ele estiver no cargo, […] não vai ser julgado."
O professor Marcelo Carreiro da Silva aponta que, nas últimas décadas, a Palestina tentou diversas abordagens, incluindo negociações políticas com Israel através da Fatah, mas todas sem sucesso.
© AP Photo / Bilal HusseinProtesto em apoio ao povo palestino no Líbano próximo à Embaixada dos Estados Unidos. Beirute, 18 de outubro de 2023
Protesto em apoio ao povo palestino no Líbano próximo à Embaixada dos Estados Unidos. Beirute, 18 de outubro de 2023
© AP Photo / Bilal Hussein
Carreiro da Silva também destaca a polarização em relação ao conflito. No Brasil, há uma tendência a seguir um modelo americano que une questões religiosas e políticas, já que muitos brasileiros veem o Estado de Israel como um local sagrado.
Ele adverte, no entanto, que a política internacional não deve ser tratada como um jogo de torcida ou uma questão religiosa.
O território israelense seria uma "potência imperialista colonizadora" que continua a expandir seus assentamentos na Cisjordânia, diz Carreiro da Silva.
Além disso, as condições adversas enfrentadas por Gaza se configurariam como um "campo de concentração" devido aos bloqueios terrestre, aéreo e marítimo.
Por fim, o especialista comentou sobre a percepção do Irã na imprensa ocidental, destacando a diferença de abordagem em mídias do Oriente Médio e da China.
Ele enfatizou a posição do Brasil como mediador estratégico entre as partes envolvidas e a importância de manter uma política externa equilibrada, sem inimigos declarados.
Irã e Arábia Saudita: parceiros, não amigos
O professor Fernando Brancoli explica que o Irã e a Arábia Saudita tinham conflitos econômicos e políticos numa espécie de "guerra fria" no Oriente Médio, sobretudo por conta do petróleo, mas os dois assinaram um acordo de cooperação econômica em Pequim, em setembro de 2023.
O acordo prevê investimentos chineses em infraestrutura, energia e outros setores na Arábia Saudita e no Irã.
A China é o maior importador de petróleo do mundo, e a reaproximação entre os dois países também foi costurada para que houvesse escoamento do petróleo iraniano para o mercado chinês.
O dinheiro asiático é aplicado em infraestrutura, energia e outros setores. Na Arábia Saudita, investimentos são para estradas, ferrovias e portos. No Irã, o financiamento desenvolve o setor de petróleo e gás.
"A reaproximação entre a Arábia Saudita e o Irã vem em boa hora, agora que ambos são colegas de BRICS. A inclusão da Arábia Saudita e do Irã no BRICS foi um pedido da China, que buscava aumentar sua influência na região."
Carreiro da Silva acredita que o Irã, que possui divergências em relação a vários países, agora encontra novos parceiros.
"Não amigos, mas parceiros; é evidente que [a reaproximação] está se criando", completa, dizendo que a combinação de interesses pode estabilizar a região.
© Marcelo Camargo/Agência BrasilBanco do BRICS tem como principais membros Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul
Banco do BRICS tem como principais membros Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul
© Marcelo Camargo/Agência Brasil
Ele compara com a China e a Índia, que têm suas disputas, mas que dentro do BRICS conseguem "sentar e discutir projetos em comum e propostas que ambos possam investir".
O analista opina que, para a própria configuração do bloco, é interessante que haja países com potencial de produção de petróleo e gás, já que os países seriam os "tijolos" para construir uma nova economia do século XXI, em alusão direta à palavra inglesa "bricks".