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Duas guerras e uma chance perdida: o fracasso da comunidade internacional como culpa do Ocidente

© AFP 2023 / Jack GuezPessoas se reúnem na cidade israelense de Tel Aviv para marcar o Dia da Independência da Ucrânia (da União Soviética em 1991), em 24 de agosto de 2022
Pessoas se reúnem na cidade israelense de Tel Aviv para marcar o Dia da Independência da Ucrânia (da União Soviética em 1991), em 24 de agosto de 2022 - Sputnik Brasil, 1920, 20.10.2023
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O termo "comunidade internacional" implica a manutenção de boas relações entre os Estados, baseadas em uma convergência de visões, valores e condutas que visem promover uma convivência harmoniosa entre diferentes atores políticos.
Entretanto, as políticas erráticas do Ocidente ao longo dos últimos anos culminaram no fracasso da comunidade internacional e na instalação da desordem generalizada.
Com efeito, apesar da ausência de uma autoridade central que obrigue os Estados a agirem dessa ou daquela maneira, o período pós-Segunda Guerra Mundial foi marcado por tentativas das grandes potências de, ao menos, estabelecerem determinados padrões de conduta por meio de organizações internacionais como as Nações Unidas.
A ideia era fazer com que as relações internacionais não fossem mais reduzidas à pura e simples política de poder, que, em última análise, levou a eclosão de duas guerras catastróficas para a humanidade. Buscava então alcançar a paz e a justiça globais por meio da concertação diplomática e negociada entre os Estados, grandes e pequenos, ricos e pobres.
Essa nova sociedade de Estados, ou "comunidade internacional", seria livre de guerras, adotando como práxis fundamental o respeito ao direito internacional, à diplomacia e ao equilíbrio de poder, elementos considerados cruciais para a manutenção da ordem.
Não obstante, essa nova comunidade internacional teria como um de seus principais objetivos a preservação da soberania dos Estados, a não interferência externa em assuntos domésticos de outros países e a solução pacífica de conflitos como condição sine qua non para o seu bom funcionamento.
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Contudo, tanto durante quanto depois da Guerra Fria, o Ocidente (com especial destaque para os Estados Unidos, Reino Unido e França) desafiaram inúmeras vezes a própria ordem internacional que ajudaram a criar, adotando com o passar do tempo uma versão particularista do direito internacional e confundindo a comunidade internacional com a comunidade dos países ocidentais.
Aventou-se, por exemplo, em meados dos anos 2000 a possibilidade de relativizar o conceito de soberania dos Estados, um dos principais pilares do pós-Guerra, em favor de um suposto humanitarismo intervencionista, que se justificava pela defesa de cidadãos e de populações cujos direitos (interpretava-se) estavam sendo gravemente negados por seus países anfitriões.
A hipocrisia de tal discurso do Ocidente era capitaneada pelos Estados Unidos e contava com o aparato militar da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), que, usando da desculpa humanitária, interveio em meados dos anos 2000 no Norte da África e no Oriente Médio para a derrubada de governos locais, desestabilizando toda uma região e causando um enorme êxodo de refugiados pelo mundo.
Tais eventos, assim como as guerras anteriores no Iraque e no Afeganistão, além de não contarem com o apoio do Conselho de Segurança, serviram para mostrar que os países ocidentais agiam e perseguiam puramente os seus interesses próprios, sem qualquer consideração pelo estrago causado nos Estados afetados por suas políticas militaristas e agressivas.
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Desconfiados dos perigos constantes dessa situação, países como Rússia, China, Irã, Turquia, Brasil e outros começaram a denunciar o unilateralismo presente nas ações intervencionistas do Ocidente no exterior, que falhou em exercer uma liderança benigna no sistema. Em suma, as potências ocidentais estavam defendendo somente seus interesses e não os da comunidade internacional pela qual diziam responder.
Fracassou, portanto, a tentativa de se criar um ambiente harmonioso entre os Estados, devido à sede de europeus e – sobretudo – de americanos por controlar recursos naturais em regiões estratégicas do globo, e por conta dos interesses do complexo militar industrial estadunidense, cujos lucros advêm justamente da proliferação de guerras pelo mundo afora (o caso hoje de Ucrânia e Israel não é exceção).
Além do mais, o significado das políticas do Ocidente passou a estar impregnado por uma percepção de superioridade diante de outras civilizações, superioridade essa que jamais desapareceu de cena, ainda que mascarada por discursos enfeitados e bonitos.
Enquanto determinadas lideranças europeias tentam manter um ar de bonzinhos, são eles os primeiros a aplicar medidas coercitivas na forma de sanções econômicas e comerciais contra países que se opõem aos seus ditames, revelando um princípio de conduta que pode ser reduzido em "quem não é conosco, é contra nós".
Nesse ínterim, noções de justiça bastante particularistas e demandas por mudanças sociais em demais países baseadas em alegações esdruxulas e descabidas demonstram claramente o impulso por exercer uma patronagem política e cultural sobre outros povos.
Não à toa, países do Sul Global (ou antigo Terceiro Mundo) vêm abstendo-se de endossar qualquer uma dessas loucuras, assim como as loucuras de caráter militar patrocinadas pelo Ocidente, como é o caso da guerra "até o último ucraniano" contra a Rússia e, mais recentemente, a guerra sem freios de Israel na Faixa de Gaza.
Em suma, os Estados Unidos e seus parceiros ocidentais provaram-se gestores irresponsáveis da comunidade internacional que pretendiam criar. O fracasso desse conceito, no entanto, ainda assim é lamentável porque pretendia promover um ambiente mais justo de convívio entre os Estados após os horrores das guerras vivenciadas no século XX.
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Infelizmente, a chamada comunidade internacional acabou sendo sequestrada por interesses políticos escusos de um pequeno punhado de países, que, por conta de um obtuso senso de superioridade, buscaram simplesmente adotar políticas egoístas de intervenção externa nos assuntos domésticos de outros Estados, destruindo nações e regiões inteiras.
Será difícil ver como instituições como a ONU e as organizações de Bretton Woods poderão funcionar e sobreviver por mais tempo dado esse atual estado de coisas. Enfim, depois das guerras hoje em curso na Ucrânia e em Israel, talvez nos seja dada outra oportunidade de repensar melhor as relações entre os Estados e entre as grandes potências.
Até lá, no entanto, o que se pode dizer é que: por culpa do Ocidente a tentativa de se criar uma comunidade internacional justa terminou se mostrando uma chance perdida.
As opiniões expressas neste artigo podem não coincidir com as da redação.
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