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Líder em apostas, Brasil perde bilhões por resistência 'transversal' à regulamentação, diz advogado

© Foto / Joédson Alves / Agência BrasilUma pessoa manipula um celular em um site de apostas esportivas. Brasília, 14 de março de 2023
Uma pessoa manipula um celular em um site de apostas esportivas. Brasília, 14 de março de 2023 - Sputnik Brasil, 1920, 27.11.2023
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Em entrevista à Sputnik Brasil, especialistas do segmento explicam os benefícios que a regulamentação de apostas esportivas podem trazer para a economia do país.
As apostas esportivas se tornaram uma febre entre os brasileiros. Somente em 2022, sites do segmento alcançaram 3,19 bilhões de acessos, o equivalente a um quarto de todo o acesso global registrado no ano.
Os números colocam o Brasil como líder mundial em apostas on-line e jogam luz no potencial do setor como meio de arrecadação de impostos em um momento em que o governo federal busca equilibrar as contas públicas, que neste ano têm uma previsão de déficit de R$ 177,4 bilhões (1,7% do PIB [produto interno bruto]).
Em trâmite no Congresso, o Projeto de Lei (PL) nº 3.626/2023, apresentado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, estabelece a regulamentação das apostas esportivas de cota fixa, as apostas on-line, também conhecidas como "bets" no Brasil. O PL absorveu os dispositivos da Medida Provisória (MP) nº 1.882/2023, apresentada por Haddad em julho, mas que perdeu validade na semana passada. A expectativa do governo federal é de arrecadar R$ 2 bilhões ainda em 2024.
O texto do PL foi aprovado na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado na semana passada, em votação simbólica, com algumas alterações. O percentual cobrado das casas de apostas esportivas sobre o valor obtido com os jogos caiu de 18%, estabelecido pelo projeto original, para 12%. A comissão também reduziu de 30% para 15% o percentual cobrado sobre os prêmios pagos de até R$ 2.112 como forma de não desestimular apostadores.
Em entrevista à Sputnik Brasil, especialistas analisam por que o Brasil se tornou um território fértil para as apostas esportivas e quais impactos o PL proposto pelo governo pode trazer para a economia.
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Para Fabiano Jantalia, sócio-fundador do escritório Jantalia Advogados e especialista em direito de jogos, o avanço das apostas esportivas no Brasil é um reflexo da publicação da Lei nº 13.756, de 12 de dezembro de 2018, oriunda de uma MP editada ainda no governo Michel Temer. Ele afirma que a publicação da lei abriu margem jurídica para a exploração das apostas de cota fixa.

"Embora essa lei condicionasse a exploração da atividade à regulamentação futura, o que só veio a acontecer agora, no final de 2023, a mera previsão dessa possibilidade em uma lei trouxe nova perspectiva e acabou popularizando de vez as apostas esportivas no Brasil."

Ele acrescenta que, a partir da publicação da Lei nº 13.756/2023, "antevendo essa possibilidade de exploração da atividade no Brasil, [casas de aposta] começaram a fazer patrocínios de eventos, de clubes de futebol".
A publicidade em eventos também foi abordada por Haddad que, em outubro, assinou a Portaria Normativa nº 1.330. Entre outros pontos, estabelece condições gerais para a publicidade de casas de apostas esportivas. Em seguida, o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) editou uma circular direcionada às agências de publicidade que eventualmente sejam contratadas por essas casas de apostas.
Jantalia afirma que a portaria sempre demonstra ter grande preocupação com a publicidade voltada para apostas esportivas.

"Lá [no texto da portaria] há uma série de cuidados. A publicidade não pode induzir ao vício, não pode apresentar as apostas esportivas como algo benéfico, como algo que possa constituir uma fonte de renda. A publicidade também não pode difamar aqueles que se opõem aos jogos. Então, pessoas que por seus valores sociais, religiosos ou morais se opõem a isso não podem ser objeto de uma propaganda negativa."

Sobre a expectativa do governo de arrecadar cerca de R$ 2 bilhões ainda este ano com a taxação das apostas esportivas, Jantalia afirma que não é possível traçar uma estimativa precisa relativa ao valor. Isso porque, por ser uma atividade ainda não regulamentada, não há dados oficiais sobre a arrecadação do segmento.

"Quem explora essa atividade de apostas o faz por meio de sites relativos a empresas que estão sediadas em países onde essa exploração é permitida, e nós não temos acesso a essas estatísticas oficiais. Tem gente que fala de arrecadação tributária entre R$ 2 bilhões e R$ 10 bilhões. Eu seria um pouco mais conservador, acho que a gente está falando de alguma coisa na faixa de uns R$ 2 bilhões em um primeiro ano ou, em média, nos três primeiros anos."

Porém, ele afirma que, mesmo sem uma cifra específica, não há dúvidas em relação aos benefícios a serem gerados pela arrecadação com as apostas esportivas.

"Os benefícios são de diversas naturezas, porque nós temos não só a arrecadação tributária, mas a geração de emprego e renda, também um maior fluxo de recursos de patrocínios. Também temos outro lado que é a possibilidade de a gente contar com benefícios da proteção jurídica de apostadores, da prevenção à lavagem de dinheiro e da prevenção à ludopatia [vício em jogos]. Então, se aprovada uma medida legislativa sobre isso, nós teríamos benefícios em diversos campos, tanto no âmbito jurídico quanto no âmbito financeiro e econômico."

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A proposta, no entanto, gera resistência no Congresso, especialmente por parlamentares da ala mais conservadora. Questionado se a bancada evangélica, uma das mais conservadoras do Congresso, poderia ser um empecilho à regulamentação das apostas esportivas, Jantalia diz "ser injusto, e até intelectualmente desonesto, atribuir a um grupo específico a oposição às apostas esportivas".
"Essa resistência às apostas e ao jogo no Brasil é transversal. Ela está presente em vários setores da sociedade e, em geral, está baseada na perspectiva de uma reprovação moral à figura dos jogos. E a reprovação — que normalmente se faz de cunho moral, e alguns até de cunho médico — é a de que a aprovação dos jogos poderia levar a algum tipo de aumento do vício, da dependência, da destruição de valores familiares. O juízo de valor sobre isso cabe a cada um de nós, e eu acho que não seria correto fazer qualquer tipo de consideração contra pessoas que se opõem. Esse é um debate democrático, todos têm direito a colocar a sua opinião, e o que é importante é que esse debate democrático seja bem amadurecido para que o Congresso possa firmar sua convicção a respeito do assunto."
André Gelfi, diretor-presidente do Instituto Brasileiro de Jogo Responsável (IBJR), destaca que os jogos de azar são proibidos no Brasil desde 1946, quando o então presidente Eurico Gaspar Dutra assinou o Decreto-Lei nº 9.215 proibindo a atividade.
"Hoje, somente as apostas esportivas e as loterias são, de certa forma, legalizadas, com o setor de apostas ainda carecendo de regulamentação. Porém, é interessante lembrar que, por algum tempo, todas as apostas, incluindo jogos de cartas e cassinos, entre outras modalidades, foram autorizadas em todo o território nacional. Isso aconteceu entre 1934 e 1946, com a autorização do presidente Getúlio Vargas."
Ele concorda que a proibição tem como raiz a defesa de valores tradicionais por parte de alguns parlamentares, mas ressalta que esse posicionamento impede a atividade de gerar receita para o país e gera insegurança a apostadores.

"Ao privilegiarem pautas voltadas aos bons costumes e à moral, muitos consideram os jogos de azar como atividades que levam ao vício e outros males. Entretanto, apesar de proibidos, as apostas e outros jogos continuaram existindo, com inúmeros aspectos negativos; entre eles: deixam de recolher impostos para o desenvolvimento do Brasil e também não possuem regras para o funcionamento das empresas e a segurança dos jogadores."

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Na avaliação de Gelfi, o avanço das apostas esportivas no Brasil foi impulsionado pela paixão dos brasileiros pelo futebol, somado ao período de isolamento da pandemia.
"Para começar a justificar essa grande busca por apostas esportivas no Brasil, é importante lembrar que o futebol é a grande paixão do brasileiro. As opções de aplicativos e sites de apostas esportivas já existiam no exterior há décadas. Porém, o brasileiro se interessou por esse mercado gradativamente nos últimos cinco anos, em especial durante a pandemia, quando a busca por entretenimento on-line alcançou níveis inéditos."
Ele acrescenta que "os investimentos em marketing e no patrocínio de clubes e atletas ajudou muito a popularizar esse segmento, a ponto de, atualmente, o Brasil ser um dos maiores mercados do mundo para as apostas".
Para Gelfi, o avanço das apostas esportivas é positivo, mas a demora para a regulamentação criou o que ele classifica como "área cinzenta", na qual apostadores ficam desprotegidos, sem ter a quem recorrer.

"Com a ausência de regras, vimos muitos apostadores não conseguindo resgatar seus ganhos, sites sumindo com os valores de jogadores, entre outros acontecimentos. Com a regulamentação do setor, a expectativa é de que operadores sérios, idôneos e dispostos a investir no Brasil e seguir as regras do governo federal ocupem esse espaço."

Ele finaliza afirmando que, em sua opinião, a regulamentação do setor beneficia a sociedade como um todo, gerando renda e emprego e mais segurança a apostadores.

"A regulamentação é essencial não apenas para a economia brasileira, que aumentará a arrecadação de tributos anuais, mas também para a geração de empregos, para a segurança dos jogadores, para os operadores que terão regras claras a seguir, e para a sociedade de forma geral, que terá ferramentas para acompanhar o funcionamento do setor e cobrar melhorias", conclui Gelfi.

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