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Chifre da África: o que muda na região após Etiópia se tornar 1º país a reconhecer a Somalilândia?

© AP Photo / Brian IngangaMulheres em meio a letreiro "I love Somaliland" (no inglês, Eu amo a Somalilândia), instalado na principal cidade da região autônoma. Hargeisa, 8 de fevereiro de 2022
Mulheres em meio a letreiro I love Somaliland (no inglês, Eu amo a Somalilândia), instalado na principal cidade da região autônoma. Hargeisa, 8 de fevereiro de 2022 - Sputnik Brasil, 1920, 05.01.2024
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Região marcada por guerras há décadas, além de uma seca histórica que já deixou 13 milhões de pessoas em grave perigo de fome, as tensões ficaram ainda maiores neste início de ano no Chifre da África. Isso após a Etiópia, membro do BRICS que se consolida cada vez mais como potência regional, ser o primeiro país do mundo a reconhecer a Somalilândia.
País em que quase 99% da população é muçulmana e sem tantos recursos naturais que despertem o interesse das grandes potências, a Somália convive com uma guerra civil desde 1988 e só conseguiu começar a formar um governo central em 2008. Apesar de ter eleições, uma pequena parcela da população de mais de 17 milhões de pessoas participa do pleito e grande parte do país é controlada pelo movimento radical islâmico Al-Shabaab (organização terrorista proibida na Rússia e em vários outros países), responsável por vários atentados terroristas em toda a África. Além disso, até o ano passado havia um embargo à compra de armamento pelo país, que foi retirado só em 2023 justamente para ajudar na proteção contra as ameaças do grupo.
Reflexo do tempo imperialista em que a região era dividida entre ingleses, italianos e franceses, a turbulência no território somali levou a pelo menos duas fracassadas missões de paz lideradas pelas Nações Unidas: em uma delas, em 1994, soldados norte-americanos precisaram fugir às pressas após um helicóptero ser derrubado por rebeldes. Apesar da gravidade da situação na área, que tem um dos índices de desenvolvimento humano (IDH) mais baixos do mundo (0,361), o conflito ficou esquecido em grande parte do mundo, pelo menos até o fim do ano passado.
Uma porção no extremo norte do país, na faixa litorânea coberta pelo mar Vermelho, é responsável por elevar as tensões no Chifre da África: a Somalilândia, que se declara independente desde 1991. Com moeda, eleições, governo e diplomacia próprios, a região é considerada por alguns a Somália que deu certo, diante da estabilidade e desenvolvimento social superiores — possui IDH médio, de 0,558. Pela primeira vez foi reconhecida como país, justamente pela vizinha Etiópia, segundo acordo anunciado no último dia 2 pelo presidente da Somalilândia, Muse Bihi Abdi.
A professora, doutoranda em ciência política na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e pesquisadora assistente do Centro Brasileiro de Estudos Africanos (Cebrafrica) Rafaela Serpa disse ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, apresentado pelos jornalistas Melina Saad e Marcelo Castilho, que o reconhecimento ocorreu em troca de acesso ao mar pela Etiópia, que não possui litoral. Rapidamente o acordo foi condenado pela Somália, que acusou o país vizinho de violar sua soberania.

"A Etiópia vem tentando há alguns anos ter um porto, uma saída para o mar Vermelho, e também do lado da Somalilândia, busca seu reconhecimento. É uma região autodeclarada independente da Somália desde 1991, mas que nunca foi reconhecida por nenhum país, inclusive africano. Esse acordo acabou trazendo à tona esses dois pontos, que acabam dando uma grande balançada na região", resume.

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Somalilândia não existe?

Com quase 4 milhões de habitantes, a Somalilândia levou 32 anos para ser considerada pela primeira vez um país independente, o que, segundo a especialista, pode levar outros a fazerem o mesmo. Mas, conforme a professora da UFRGS, uma das principais causas da falta de reconhecimento é a própria União Africana (UA), principal grupo do continente, que reúne 55 países e tem como objetivo consolidar a paz e a integração.
"Existe um acordo dentro da entidade que sempre foi de não apoiar esses movimentos de independência internos nos países, já que há várias frentes de libertação em todo o continente", explica a especialista.
Para a organização, a fragmentação das nações africanas reduz a força do continente e atrapalha o desenvolvimento econômico e social por trazer instabilidade. Após décadas, o panorama pode começar a mudar.

"A Etiópia é um símbolo dessa organização e é o único país que não foi colonizado, por isso essa importância para a UA. O peso [desse reconhecimento] é muito grande, e acredito que a Somália não tem força para se colocar contra, apesar de ter condenado", enfatiza Serpa.

Mesmo não "existindo" como nação independente, a Somalilândia tem amplo comércio com outros países, a exemplo dos Emirados Árabes Unidos, que possui um porto na região.
Já o apoio etíope surgiu por conta da necessidade de ter uma saída para o mar, crucial para o desenvolvimento da nação, que verá a população quase dobrar dos atuais 120 milhões para pelo menos 200 milhões de pessoas até 2050. Com o acordo, que ainda será assinado, a Etiópia vai construir e operar um porto no mar Vermelho. Atualmente, quase 13% do orçamento do país vai para um porto da região, como uma espécie de aluguel, explica a professora.
"A Etiópia é agora parte do BRICS, e a própria entrada no grupo levou também a buscar esse acordo, porque tem uma perspectiva de muitos investimentos na região. A China, por exemplo, construiu uma ferrovia entre Adis Abeba [capital do país] e um porto no Djibuti [outra nação do Chifre da África]", pontua.
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Qual é a situação da Etiópia hoje?

Até 2022 a Etiópia também convivia com uma situação de conflito, além do agravamento da questão econômica por conta da pandemia. "De certa forma, o primeiro-ministro [Abiy Ahmed] buscou uma pauta popular para se apoiar politicamente no país, que é a questão do acesso ao mar", avalia a especialista.
A questão também levou ao arrefecimento das relações com outra vizinha, a Eritreia, com quem assinou um acordo de paz em 2018, após décadas de tensões — o feito inclusive rendeu à Etiópia um Prêmio Nobel da Paz.
A Eritreia já fez parte da nação etíope, a partir de 1942, quando foi conquistado o tão sonhado território marítimo. "Em 1952 passou a ser uma região autônoma, mas foi tirada essa possibilidade em 1962, e até a década de 1990 houve uma guerra entre os dois territórios. Em 1991 conquista a independência, no mesmo ano que a Somalilândia se separa da Somália. Mas no caso da Eritreia, esse processo foi reconhecido por todos os países", explica. E com a retomada da pauta marítima, houve um aumento das tensões diante de uma possível tentativa de conquista por via militar.
Mas a escalada das tensões na região ainda é uma incógnita, aponta a professora, tanto por conta da falta de um Exército estruturado no lado da Somália, ao contrário da porção autoproclamada independente do território, quanto da falta de apoio internacional de grandes potências ao país. Durante sessão no Parlamento, o presidente somali, Hassan Sheikh Mohamud, declarou que "as águas e o território da Somália não serão postos em perigo".
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