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Resistência houthi escancara fragilidades e hipocrisia do imperialismo neoliberal, dizem estudiosos

© AFP 2023 / Mohammed HuwaisCombatentes houthis recém-recrutados em veículo militar durante reunião em Sanaa. Iêmen, 3 de janeiro de 2017
Combatentes houthis recém-recrutados em veículo militar durante reunião em Sanaa. Iêmen, 3 de janeiro de 2017 - Sputnik Brasil, 1920, 18.01.2024
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Ao ameaçar a estabilidade do comércio marítimo global, as dezenas de ataques do movimento político Ansar Allah — mais conhecido como os houthis do Iêmen — nas últimas semanas lançaram luz sobre a fragilidade do modelo imperialista neoliberal do mundo atual.
De acordo com especialistas ouvidos pelo programa Mundioka, da Sputnik Brasil, a soberba e a hipocrisia imperialista do Ocidente têm sido desveladas pelas ações resilientes e nacionalistas dos rebeldes iemenitas.
O grupo declarou guerra a navios e embarcações de países no mar Vermelho que apoiam Israel na guerra contra o Hamas em Gaza. Até o momento, o grupo rebelde atacou pelos menos 12 navios comerciais até o momento.
Para os historiadores Ramez Philippe Maalouf e Ailton Dutra Junior, apesar da narrativa hegemônica de criminalizar o movimento, a iniciativa houthi "é mais do que legítima" e oferece uma "resistência vitoriosa às estruturas de dominação mundial comandadas pelos EUA".

"O movimento houthi, em sua prática política, demonstra ser um movimento de caráter anti-imperialista, anticolonial e manifesta sua solidariedade aos palestinos justamente fazendo parar o comércio global, controlado até hoje pelo Ocidente, que é patrocinador de Israel nessa guerra colonial contra os palestinos", opina Maalouf, professor da rede estadual do Rio de Janeiro e doutor em geografia humana pela Universidade de São Paulo (USP).

Dutra Junior traz um complemento ao raciocínio exposto pelo colega.

"Acho que o mérito que eles têm é de continuar a tradição nacionalista e iemenita de luta contra a dominação anglo-americana, primeiro britânica, depois americana, e os seus aliados regionais, os seus representantes do poder americano na região, principalmente a Arábia Saudita", disse Dutra Junior, doutorando no programa de geopolítica da USP.

Ele acredita que os recentes ataques do grupo Hezbollah — de forças nacionalistas iraquianas contra as bases americanas no seu país e na Síria — e as ações dos houthis têm em comum uma tentativa de fazer com que o Ocidente recue no projeto de dominação de Gaza por interesses geopolíticos e até energéticos.

"A guerra em Gaza coincide com o processo de adesão de vários países da região ao BRICS", pondera Dutra Junior. "[Eles] estão procurando aos poucos novas formas de organização internacional da economia mundial, do sistema mundial, que não favorecem os EUA e seus aliados ocidentais de clientes. A guerra em Gaza poderia ter como objetivo parar esse processo."

Porta-aviões USS Gerald R. Ford dos EUA navegando perto da ilha de Jeloya, em Moss. Noruega, 24 de maio de 2023 - Sputnik Brasil, 1920, 17.01.2024
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Houthis anunciam outro ataque contra navio dos Estados Unidos
A ofensiva israelense na Faixa de Gaza completou 100 dias no último domingo (14), com pelo menos 24 mil mortos, sendo 70% de mulheres e crianças e mais de 60 mil feridos, segundo dados do Ministério da Saúde palestino. No lado israelense foram 1.139 mortes, quase o total do dia 7 de outubro, quando houve a incursão do grupo palestino Hamas ao território israelense.

Quem são os houthis do Iêmen

Apoiadores da Palestina, os houthis são egressos da comunidade zayd do Islã xiita, que governou o Iêmen tempos atrás. Os ataques feitos no mar Vermelho ocorrem em solidariedade aos bombardeios ocorridos na Faixa de Gaza.
O volume de navios comerciais que passava pelo estreito de Bab al-Mandab caiu em quase 60% desde o início dos ataques, comentaram os especialistas.
Os entrevistados destacaram que cerca de 12% do comércio mundial passa pelo mar Vermelho.
Os ataques houthis ocorrem principalmente no estreito de Bab al-Mandab, ligação entre o golfo de Áden, no oceano Índico, com o mar Vermelho. Este faz ligação entre o Índico e o Mediterrâneo através do canal de Suez.

"Por isso, é uma das razões não declaradas das constantes intervenções da Arábia Saudita no Iêmen nos últimos 30 anos. Por Arábia Saudita, leia-se: o Ocidente por procuração", argumenta Maalouf.

Dutra Junior acrescenta: "Essa importância geopolítica, geoestratégica e geoeconômica do estreito de Bab al-Mandab também está por trás dessa guerra no Iêmen, que nunca acaba."

"O prejuízo é imenso, e o movimento houthi está ciente. Seu objetivo é justamente prejudicar esse comércio global, porque, segundo a visão dos houthis, o mundo está calado diante do genocídio que está ocorrendo lá na Palestina", comenta.

Irã e houthis: um apoio velado inconveniente para os EUA

Não há um reconhecimento oficial de aliança entre o Irã e os houthis, mas ambos os entrevistados concordam que o governo iraniano vem apoiando as ações dos houthis nos últimos anos. Esse apoio velado representa, segundo eles, uma espécie de freio a ataques mais contundentes ao Iêmen por parte dos EUA, por exemplo.
Dutra Junior defende que os EUA se esforçam há mais de 40 anos para reconquistar o Irã, devido ao seu tamanho, poderio bélico, riquezas naturais e posição geográfica.
"A questão é se os EUA têm condições de fazer essa guerra, porque o desempenho militar americano nos últimos 30 anos tem sido muito ruim", afirma, ao argumentar que o Exército dos EUA foi expulso do Afeganistão, perdeu a guerra no Iraque e vários outros conflitos ao redor do mundo.
Ele lembra que o Irã há muito adquiriu a capacidade de produzir tecnologias para usar satélites no espaço, dominar energia nuclear e microeletrônica.

"Produz seus próprios armamentos, seus armamentos são usados, são eficientes. Em princípio, eu acho que o Irã vai evitar uma guerra direta. É um país cujas lideranças políticas e militares têm experiência de combate, um país que tem montanhas de 4 mil metros de altitude, especialmente na região controlada pelo governo dos houthis."

Oriente Médio e história do Iêmen

O Iêmen do Norte, que oficialmente era a República Popular Árabe do Iêmen, e o Iêmen do Sul, antiga República Popular Democrática do Iêmen, de influência marxista, unificaram-se em 1990.
"Isso abalou a geopolítica da região com impacto mundial, pois o Iêmen do Norte era pan-arabista, socialista, e o Iêmen do Sul era socialista marxista-leninista", explica Maalouf.
Dutra Junior também lembra que, há 60 anos, o Iêmen do Sul fez uma revolução comunista contra a Inglaterra e venceu.
Em 1994, uma guerra civil eclodiu no país, com apoio da Arábia Saudita à oposição ao governo. Desde a curta e sangrenta Guerra Civil de 1994, o Iêmen vive uma grande instabilidade política e humanitária severa, opina Maalouf, que acredita que o país "pagou um preço muito alto por ter sido uma vanguarda progressista no mundo árabe".
Criado em 1992, o movimento político Ansar Allah significa os que acreditam em Deus, os seguidores de Deus, então os ajudantes de Deus. Atualmente é mais conhecido como houthis, nome que homenageia um dos líderes do movimento, Badreddin al-Houthi, assassinado em 2004, durante um levante contra o governo do Ali al-Saleh, no Iêmen.
Maalouf explica que o movimento começou moderado, com conotação principalmente religiosa.

"Tinha influência muito expressiva do xiismo, especialmente do xiismo libanês, especialmente do Hezbollah. Mas não é um movimento apenas xiita. Lembrando que o xiismo no Iêmen é diferente do xiismo praticado no Irã e também no Líbano", esclarece o professor.

Dutra Junior também concorda que os houthis não se propõem a ser um movimento xiita, mas um movimento político de resistência às ingerências do Ocidente no Iêmen, que ocorrem desde a década de 1990.
A radicalização do grupo começou a partir de 2003, com a invasão do Iraque pelos EUA e pelo Reino Unido, "que levou à devastação do país, a derrubada do governo do Baás, e à morte de mais de 4 milhões de iraquianos".
A morte de al-Houthi desencadeou uma guerra civil no Iêmen, com participação da Arábia Saudita, que apoiou as forças governamentais contra os houthis, que por sua vez se tornaram um movimento armado.
A partir de 2015, os houthis tomaram o poder na antiga República do Iêmen do Norte, onde vivem 27,5 milhões de habitantes. A tomada de poder originou a criação de uma coalizão liderada pela Arábia Saudita e pelos Emirados Árabes, apoiada pelos EUA, pelo Reino Unido, pelo Ocidente em geral, inclusive por Israel.

"Israel, o grande ausente onipresente nas guerras do sudoeste da Ásia e norte da África", frisa o doutor em geografia humana.

Moradores fogem de ataques aéreos no Iêmen - Sputnik Brasil, 1920, 11.08.2015
Cruz Vermelha: Situação humanitária no Iêmen é catastrófica

Arábia Saudita, Ocidente e a crise humanitária

Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), a guerra entre os houthis e a coalizão da Arábia Saudita, dos EUA e de Israel custou centenas de milhares de vidas.
Atualmente, está entre as nações mais pobres da Ásia e do mundo árabe, ao lado da Somália e do Sudão.
A ONU considera que o Iêmen vive a mais grave crise humanitária do planeta, com mais de 80% da população com necessidade de proteção. Segundo uma publicação da organização, mais de 16 milhões de iemenitas passam fome.
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