Expansão da China na Antártica coloca bases de Chile e Argentina em risco? Analistas respondem
07:16 16.02.2024 (atualizado: 10:52 16.02.2024)
© AP Photo / Zhang Zongtang/Xinhua News Agency
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Inauguração de base da China na Antártica gera reações de Austrália e Nova Zelândia, que acusam Pequim de conduzir atividades militares na região. Especialistas ouvidos pela Sputnik Brasil avaliam qual o risco de conflito armado na região e revelam quais são as cidades-chave para garantir o acesso ao continente gelado.
No dia 7 de fevereiro, a China inaugurou mais uma estação de pesquisa na Antártica, na região do mar de Ross, próximo ao oceano Pacífico Sul.
De acordo com o Instituto Polar da China, a Estação de Qinling é a quinta construída por Pequim na Antártica, operará durante todo o ano e acomodará até 80 cientistas.
A inauguração da base consolida a China como o país que mais se expande no continente gelado, disse a pesquisadora do Núcleo de Avaliação de Conjuntura da Escola de Guerra Naval, Gabriele Hernandez.
"Desde o início do mandato de Xi Jinping, em 2013, vemos um aumento significativo da presença chinesa na Antártica", disse Hernandez à Sputnik Brasil. "Mas esse avanço também ocorre em outras áreas do globo, e está de acordo com o porte e influência da China."
A título de comparação, os EUA possuem somente três bases no continente, enquanto o Brasil – que está há mais tempo na Antártica do que a China – possui somente uma.
Por outro lado, a China não está entre os países que reivindicam territórios na Antártica de maneira oficial. Durante o início do século XX, reivindicações foram feitas por Chile, Argentina, Reino Unido, Austrália, Nova Zelândia, Noruega e França.
Em 1959, foi celebrado o Tratado da Antártica, que teve como objetivo apaziguar a rivalidade entre esses Estados no continente gelado e evitar um confronto militar.
"O tratado congela o status quo no continente e bane atividades militares. Armamentos, guerra, conflito, testes nucleares, qualquer tipo de disputa física que envolva o uso ou ameaça do uso da força, estão permanentemente banidos do continente", explicou Hernandez. "A região é voltada exclusivamente para pesquisas científicas."
Navio de pesquisas Admiral Vladimirsky em sua passagem de Montevidéu, Uruguai, para a Antártica
© Sputnik / Aleksei Kudenko
/ Apesar do caráter pacífico, Austrália e Nova Zelândia reagiram mal à construção da quinta base chinesa na Antártica. Os países acusaram a China de querer monitorar suas atividades espaciais e manifestaram temor de que Pequim use suas instalações para fins militares.
"De acordo com o Tratado da Antártica, qualquer país pode, a qualquer momento, inspecionar a base dos demais, para garantir que não haja pesquisa ou atividade militar em curso", asseverou Hernandez.
Para abrir uma base no continente, um país deve obter uma autorização do conselho científico do Tratado, que avalia a relevância da pesquisa a ser conduzida, explicou a pesquisadora da Escola de Guerra Naval.
"Mas há um grande interesse em manter a presença nas chamadas 'cidades-chave' da Antártica, que são aquelas que garantem o acesso ao continente. Muitos países não podem acessar a Antártica diretamente e precisam parar em uma das cidades-chave em meio à sua jornada", disse Hernandez. "Sem elas, não há como garantir mantimentos às suas bases e manutenção das embarcações."
Região do arquipleo de Crozet, região próxima da Antártica controlada pela França (foto de arquivo)
© AFP 2023 / Sophie Lautier
As cidades-chaves são: Cidade do Cabo, na África do Sul; Christchurch, na Nova Zelândia; Hobart, na Austrália; Punta Arenas, no Chile; e Ushuaia, na Argentina. O Reino Unido está empenhado de adicionar a essa lista um hub nas ilhas Malvinas, contestadas pela Argentina.
"A disputa geopolítica começa aí: os países que possuem essas cidades controlam o acesso à Antártica. Quem não tem cidades-chave, depende de outros países para acessar o continente", declarou a especialista.
Com relações diplomáticas estremecidas, a Austrália dificulta o acesso chinês à cidade-chave de Hobart, que era usada por Pequim para acessar a Antártica.
Cidade do Cabo, África do Sul
© AP Photo / Schalk van Zuydam
"Nesse contexto, a China está investindo em novo porto nas Ilhas Salomão, que poderá garantir um novo acesso chinês à Antártica, independente de países do AUKUS", disse Hernandez.
A questão das cidades-chave também está por trás do acordo assinado pela China com o estado argentino da Terra do Fogo, para construir um porto na cidade de Rio Grande, que inauguraria uma cidade-chave. O acordo foi polêmico, por não ter contado com a mediação de Buenos Aires, e encontra-se suspenso.
América do Sul
Apesar das disputas na Oceania, a América do Sul é que possui acesso privilegiado à Antártica, pela proximidade a áreas de clima relativamente ameno. Chile e Argentina são os países com maior presença na Antártica, com 13 e 14 bases respectivamente.
Apesar dos territórios reivindicados por Argentina e Chile na Antártica coincidirem, o risco de conflito militar entre os países na Antártica é baixo, acredita o professor do Departamento de História da UnB, Carlos Eduardo Vidigal.
"Chile e Argentina têm reivindicações semelhantes e não concorrentes, o que explica a preponderância da cooperação entre Buenos Aires e Santiago", disse Vidigal à Sputnik Brasil. "Riscos de conflito armado ou mesmo de atritos diplomáticos não estão na agenda, pois dois países têm promovido uma política de cooperação desde a década de 1990."
Para o especialista, "ambos os países têm se beneficiado com pesquisas científicas na região e não há discussões sobre soberania em relação a esses territórios".
"Cabe lembrar que o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, e o presidente chileno, Gabriel Boric, estiveram na Antártica chilena em novembro de 2023 para divulgar os efeitos da mudança climática na região", notou Vidigal. "A visita valoriza a presença chilena e suas pesquisas na região."
Vista da base brasileira Comandante Ferraz, na Antártica (foto de arquivo)
© AFP 2023 / Vanderlei Almeida
O Brasil também deve manter o foco na pesquisa científica e ter como preocupação principal as mudanças climáticas, acredita Hernandez.
A Antártica é um regulador climático que define o clima brasileiro, em especial o regime de chuvas. Como um país que já enfrenta crises hídricas, que colocam em risco o seu potencial agrário, o Brasil deve defender a conservação do território antártico.
"Qualquer exploração no continente pode resultar em uma catástrofe ambiental no Brasil, que afetará o nosso clima e prejudicará a nossa agricultura, que é o motor da economia brasileira", concluiu a especialista.
