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'Potência naval no Atlântico Sul': protagonismo da Marinha do Brasil pode crescer com apoio do BRICS

CC BY-SA 2.0 / Divulgação / Marinha do Brasil / Navio-Patrulha Fluvial Raposo Tavares (P21) em operação em conjunto com a Lancha de Combate Aruanã
Navio-Patrulha Fluvial Raposo Tavares (P21) em operação em conjunto com a Lancha de Combate Aruanã - Sputnik Brasil, 1920, 06.03.2024
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Em entrevista à Sputnik Brasil, especialistas destacam que o poderio naval da Marinha do Brasil supera o de alguns países da OTAN, e sinalizam que o país pode se fortalecer ainda mais no setor com o apoio de países parceiros do BRICS, como Rússia e China, que se destacam no setor em nível global.
Um ranking divulgado em janeiro pelo Diretório Mundial de Navios de Guerra Militares Modernos (WDMMW, na sigla em inglês) analisou o poderio naval de 39 países, com base não na quantidade de embarcações, mas na modernização, logística e capacidade de defesa das respectivas frotas navais.
Os Estados Unidos lideram a lista, seguidos de China, Rússia, Indonésia e Coreia do Norte. O Brasil, por sua vez, figura na 25ª posição, sendo o líder no recorte latino-americano, seguido pela Argentina (33ª), únicos representantes da América Latina no ranking.
Em entrevista à Sputnik Brasil, especialistas destacam como o Brasil pode aprimorar sua frota naval e como parceiros do BRICS presentes no ranking, como Rússia e China, podem contribuir para o fortalecimento da frota naval brasileira.
Doutora em história, política e bens culturais pela Fundação Getulio Vargas (FGV) e mestre em estudos marítimos pela Escola de Guerra Naval (EGN), Jéssica Gonzaga destaca que a posição brasileira no ranking coloca a Marinha do Brasil à frente de frotas de países que integram a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN).

"Inclusive, conforme essa agência [WDMMW], estamos acima da Marinha de Portugal, que ocupa o 26º lugar e é integrante da OTAN. Sob o prisma quantitativo, o Brasil não se encontra entre os primeiros colocados por optar por um desenvolvimento qualitativo, ou seja, navios de maior capacidade dissuasória, como o navio multipropósito Atlântico e submarinos convencionais e de propulsão nuclear."

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Ela acrescenta que a Marinha do Brasil tem como objetivo estratégico "a negação do uso do mar, o controle de áreas marítimas e a projeção de poder, buscando impor uma estratégia de segurança marítima através da dissuasão".
"Nessa empreitada, a Marinha busca um desenvolvimento desigual e conjunto, buscando executar diversos projetos de modernização do poder naval."
Jéssica lista como exemplos de projetos: o Programa de Desenvolvimento de Submarinos (Prosub), criado em 2008, que trouxe como resultado até o momento a incorporação dos submarinos convencionais Riachuelo e Humaitá, enquanto o submarino nuclear Álvaro Alberto encontra-se em processo de construção; e o Programa Fragatas Classe Tamandaré, cujo objetivo é a construção de navios de escolta.

"É considerado um projeto relevante [o Programa Fragatas], tendo em vista que é gerenciado pela Emgepron — Empresa Gerencial de Projetos Navais — e executado pelas empresas Thyssenkrupp Marine Systems (Alemanha), Embraer Defesa & Segurança e Atech. Atualmente espera-se o lançamento ao mar da primeira fragata ainda para o ano corrente", explica Jéssica.

Ela lista ainda a construção do navio polar Almirante Saldanha, para atuar na Antártica, através do convênio entre a Emgepron e a Polar 1 Construção Naval SPE Ltda. — Sociedade de Propósito Específico constituída pelos estaleiros Jurong Aracruz Ltda. e SembCorp Marine Specialised Shipbuilding (SMSS) PTE. LTDA; e o Projeto Sisgaaz (Sistema de Gerenciamento da Amazônia Azul), para realização do monitoramento e controle das águas jurisdicionais brasileiras.
"Portanto, verifica-se que existe um pensamento naval estratégico associado à modernização da força, a fim de deixar um legado para a Defesa do país. Não obstante, diversos são os desafios a serem superados para a execução desses projetos, entre os quais destacamos: a ausência de tecnologia nacional, implicando na dependência de tecnologia e mão de obra estrangeiras; a dificuldade em garantir continuidade de investimentos conforme a modificação dos governos; [e] a ausência de uma consciência nacional da importância dos investimentos na Defesa do país, principalmente a compreensão sobre como a Estratégia de Defesa está relacionada com a Estratégia de Desenvolvimento; além de crises econômicas e políticas enfrentadas no Brasil."
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A especialista também destaca o protagonismo da Marinha do Brasil no âmbito regional e cita parcerias e treinamentos realizados em conjunto com outros países.

"A Marinha do Brasil enviou à Colômbia uma Equipe Móvel de Treinamento pertencente aos Fuzileiros Navais para realizar o Curso de Unidades Militares Ribeirinhas da ONU; ao México, foram enviadas oficiais da Equipe Móvel de Treinamento do Centro de Operações de Paz de Caráter Naval da Marinha do Brasil para capacitar os militares mexicanos na atuação como conselheiras de gênero. Portanto, é evidente o papel internacional desempenhado pelas forças navais brasileiras e seu protagonismo regional no incentivo à integração e ao desenvolvimento conjunto das demais marinhas do continente."

O que a Marinha faz na Amazônia?

Jéssica ressalta que "a defesa da Amazônia é estratégica para a defesa da soberania, o patrimônio e a integração nacional".
"A presença da Marinha do Brasil através da Flotilha do Amazonas é um meio não só de projeção de poder a fim de neutralizar potenciais ameaças na região, como o narcotráfico, e garantir a defesa das fronteiras, mas também possui um caráter humanitário. A população ribeirinha depende da presença militar, sobretudo do Navio de Assistência Hospitalar Oswaldo Cruz, para obter acesso a serviços básicos como consulta médica e odontológica […]", explica Jéssica.
Ela acrescenta, no entanto, que a crise política vivenciada desde o impeachment de Dilma Rousseff, em 2016, contribuiu para atrasos nas entregas dos meios navais. Ademais, ela sublinha que os atos de 8 de janeiro de 2023, em Brasília, com "evidências de possível participação dos oficiais-generais, corroborou para uma crise nas relações civis-militares no Brasil, e infelizmente pode haver consequências na execução dos projetos estratégicos".

"No que se refere à Marinha do Brasil, é interessante analisar que o novo Comando da Marinha adotou políticas de marketing a fim de retomar o diálogo com a sociedade civil. Ficou evidente na campanha publicitária '#ahseeufossemarinheiro', trazendo diversos indivíduos da sociedade civil para declarar o que eles fariam se fossem marinheiros. Outro fator é seu slogan atual: 'Brasileiros, rumo ao mar'. É outra estratégia para garantir o desenvolvimento da consciência nacional sobre a importância dos assuntos de defesa e, consequentemente, garantir apoio político e social aos seus projetos."

Como parceiros do BRICS podem contribuir para a força naval do Brasil?

Parceiros do Brasil no BRICS, Rússia e China ocupam o top 5 do ranking e possuem não apenas uma frota naval grande, mas moderna e de alta tecnologia.
Em entrevista à Sputnik Brasil, Matheus Bruno Pereira, mestrando em economia política internacional pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pesquisador de Sudeste Asiático no Núcleo de Avaliação da Conjuntura e Boletim Geocorrente, da Escola de Guerra Naval, destaca que o setor naval é crítico para ambos os países, por conta da conjuntura geopolítica.
"É importante observarmos a situação que ambos os países vivem há décadas: um estado de alerta e sensação de ameaça iminente", explica o pesquisador, destacando a tentativa da OTAN de cercar a Rússia e a "presença estadunidense histórica na Ásia". Segundo ele, "o bloqueio ao acesso desses países ao mundo exterior via transporte marítimo teria consequências de grande proporção".

"Portanto, as situações desses países, em seus respectivos tabuleiros regionais, deram um peso extra para uma maior valorização e justificativa da estratégia para o fortalecimento de suas esquadras, focando principalmente ações regionais e preservar suas reivindicações territoriais, já que é algo decisivo para a capacidade de extração de recursos do mar e o recebimento de fluxos de produtos que chegam via comércio marítimo", complementa.

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Pereira aponta que o Brasil, felizmente, possui uma situação regional bem mais tranquila no Atlântico Sul, mas destaca que "esse marasmo pode dificultar as pretensões de aumentar a sua esquadra".
"A opinião pública infelizmente não vê a compra ou o desenvolvimento autônomo de embarcações militares como uma prioridade. Isso não deve ser visto como um sinal de incompreensão ou desinformação da maioria da população, que de fato pode ter o mar como um meio distante de suas vidas cotidianas, onde a saúde, a educação e outras pautas mais 'palpáveis' são levantadas — não colocando em comparação essas reivindicações, que são tão importantes quanto. Mas esse fato demonstra um problema do próprio Estado brasileiro: não há uma busca em justificar a importância do mar aos brasileiros. O que é irônico em um país com mais de 7.600 km de costa e uma zona econômica exclusiva de 3,6 milhões de km²."
Em contraponto, ele destaca que a China atua para orientar a população, por meio da mídia, sobre a importância da sua Marinha, o que contribui não apenas para justificar o tamanho da frota naval, mas também suas ações no mar do Sul da China, "tão polêmicas frente à oposição de países regionais e grandes atores internacionais".

"Há mesmo filmes [na China] com a temática da proteção territorial e marítima veiculados no país para que se crie uma identificação nacional com essa temática, que é esquecida por muitos."

Pereira acrescenta que a Marinha do Brasil realizou um ótimo trabalho visando aprimorar essa percepção da vocação marítima do país. Segundo ele, atualmente a Amazônia Azul é um conceito bastante completo, que abarca desde aspectos econômicos a ambientais.
"Porém deveria ser veiculado de maneira mais apropriada, para que pudesse sair do escopo militar e acadêmico. Eu mesmo não me recordo de ter visto uma propaganda ou notícia pela televisão com essa temática. Porém não cabe somente à Marinha a realização disso, mas também a órgãos federais competentes, como Ministério das Comunicações e Ministério da Educação, para a constituição de um programa que amplie esse potencial conceitual que é a Amazônia Azul. Portanto, vejo como falta de percepção e vontade política."
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O especialista destaca que o Brasil "já possui um know-how e capacidade de construção naval" e cita a produção de submarinos, fragatas, corvetas e navios-patrulha, tudo em território brasileiro. Ele afirma que o país poderia aprender com Rússia e China a lição de levar para a população a compreensão sobre a importância de desenvolver a frota naval.
"Para poder proteger os recursos, para estar apto a resgates, para proteger nossos territórios insulares. Ter apoio da opinião pública para empreitadas assim não costuma ser tarefa simples. Eu mesmo já ouvi acadêmico brasileiro reclamar do próprio país ter submarino nuclear, vê se pode?"
Já André Carvalho, pesquisador do Instituto Sul-Americano de Política e Estratégia (ISAPE) e doutorando em ciências militares, ressalta que o "Brasil possui um histórico de cooperação técnico-militar com a Rússia que data da década de 1990, que teve impulso com a instalação da adidância de defesa em Moscou, em 1995". Ele aponta que na primeira década dos anos 2000 o foco dessa cooperação era o setor espacial, com o apoio russo no lançamento do Veículo Lançador de Satélites (VLS) brasileiro.
Em relação à China, ele ressalta que as possibilidades são muitas e cita como exemplo recente "a participação da empresa chinesa Norinco entre as quatro finalistas na disputa para fornecer as novas plataformas de artilharia autopropulsada de 155 mm ao Exército Brasileiro".

"Na mesma linha, no fim de fevereiro, durante a International Military Helicopter, [evento] do Defence iQ [organização], o Brasil demonstrou interesse em comprar um novo tipo de helicóptero de ataque, e nesse setor o helicóptero de ataque chinês Changhe Z-10 seria uma opção barata e capaz de suprir as necessidades do Exército. Porém em ambos os casos [na cooperação com Rússia e China], o maior benefício para o Brasil, para além das capacidades, seria pesquisa, desenvolvimento e, eventualmente, transferência de tecnologia."

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Jéssica, por sua vez, afirma que na Escola de Guerra Naval "muitos pesquisadores se debruçam sobre a estratégia marítima da Rússia e da China, demonstrando o interesse brasileiro em compreender a sua composição e seu emprego estratégico".
"Por isso, do meu ponto de vista, Rússia e China já contribuem para nós, brasileiros, aprimorarmos o nosso próprio pensamento naval estratégico. Inclusive compreender como as disputas marítimas no mar do Sul da China ou no Ártico ou a presença russa no mar Negro podem fornecer subsídios para pensarmos a negação do uso do mar ao inimigo na América do Sul", explica a especialista.

"Além da contribuição acadêmica e estratégica, uma parceria no âmbito tecnológico pode ser interessante para o Brasil. Historicamente nossa Marinha de Guerra é influenciada por tecnologia britânica, francesa, alemã, holandesa e norte-americana. A diversificação tecnológica pode ser interessante para o Brasil, tendo em vista que Rússia e China podem tornar-se parceiros estratégicos que nos auxiliem a fortalecer os setores espacial, cibernético e nuclear, aspectos tão importantes para a capacitação e modernização dos meios navais", acrescenta.

Brasil pode se tornar uma potência naval?

Questionados sobre a possibilidade de o Brasil se tornar uma potência naval, os três especialistas convergem na opinião de que o país já ocupa uma posição de grande importância no setor.

"O Brasil hoje é uma potência regional na América do Sul, e em um recorte especificamente regional, possui a segunda maior força armada das Américas em termos numéricos, ficando atrás apenas dos Estados Unidos. As Forças Armadas brasileiras têm distinção em diversos âmbitos, especialmente em seu nível de adestramento e execução operacional, na condução de operações de paz, além de possuir um dos melhores centros de instrução combatente do mundo, o Centro de Instrução de Guerra na Selva (CIGS)", afirma André Carvalho.

Porém ele acrescenta que "a realidade das restrições orçamentárias gera um atraso significativo dos projetos estratégicos de defesa, aumentando ainda mais o gap tecnológico que impacta nossas capacidades".
"Deve-se considerar também que a intensidade com a qual uma força armada se moderniza é diretamente proporcional ao nível de percepção de ameaça do país. Como o Brasil tem adotado uma postura pacifista, que se reflete na sua política de defesa, o protagonismo militar acaba não sendo prioridade dos planos de inserção internacional do país para além das missões executadas sob os auspícios da ONU."
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Matheus Bruno Pereira afirma que o Brasil é uma referência no setor naval, mas precisa dissipar antigos temores gerados em países vizinhos.

"Pelo aspecto histórico, dados os poucos conflitos regionais no último século, ainda se tem a imagem do Brasil que venceu a batalha naval do Riachuelo [no século XIX, em 1865, como parte da Guerra do Paraguai], por exemplo. Talvez o brasileiro não perceba, mas há uma percepção de grandeza do Brasil pelos demais países que não é necessariamente positiva. Alguns conterrâneos de países latino-americanos veem o Brasil como imperialista, por exemplo. Talvez o Brasil deva se mostrar hoje não como aquele vizinho que você não pode deixar bravo, mas como o que você vai pedir ajuda caso tenha algum problema", explica Pereira.

"Um exemplo para isso foi em 2022, quando o submarino argentino ARA San Juan desapareceu. O Brasil imediatamente mandou navios para auxiliar na busca, incluindo um navio de socorro submarino. Para o Brasil se tornar uma referência na América Latina de uma forma positiva e que fortaleça sua imagem atual, é necessário fortalecer os laços com as marinhas locais, explicitar a atmosfera de amizade entre nações", complementa.
Jéssica Gonzaga, por sua vez, destaca considerar "imperativo ao Brasil consolidar-se como potência naval no Atlântico Sul, simplesmente porque o país é dependente do mar para a sua sobrevivência".
"O comércio exterior para um país cuja economia repousa na agroexportação deve ser defendido por uma Marinha de Guerra capaz de promover mobilidade estratégica, monitoramento, controle e presença. Ademais, a exploração das jazidas de petróleo e gás natural offshore, a indústria pesqueira, o turismo, a integração do território, a defesa da soberania só será preservada mediante negação do uso do mar ao inimigo. Portanto, investimento na modernização do poder naval, capacitação dos nossos marinheiros, incentivo à pesquisa nacional, ampliação de nossa Esquadra são imprescindíveis para a manutenção dos interesses brasileiros no âmbito das relações internacionais", conclui a especialista.
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