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Limbo jurídico: o que pesa contra o pedido de extensão da plataforma continental dos Estados Unidos?

© Foto / Marinha dos EUASubmarinos norte-americanos USS Connecticut e USS Hartford emergem do gelo no Ártico
Submarinos norte-americanos USS Connecticut e USS Hartford emergem do gelo no Ártico - Sputnik Brasil, 1920, 03.04.2024
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Uma disputa territorial entre Estados Unidos, Rússia e China por uma área duas vezes maior que o estado norte-americano da Califórnia revela as consequências da política externa monopolista dos EUA, apontam analistas ouvidos pela Sputnik Brasil.
Em dezembro de 2023, os Estados Unidos decidiram estender a sua plataforma continental. Essa ação foi contestada tanto pela Rússia, que divide uma fronteira com os EUA no estreito de Bering, quanto pela China, concorrente dos norte-americanos na obtenção dos minerais que estariam disponíveis nessas regiões, como manganês, níquel, cobre, cobalto e terras-raras.
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O que é a plataforma continental?

A plataforma continental pode ser definida de duas formas, uma a partir da geologia e outra a partir da legislação internacional. Pela maneira geológica, ela se refere a um prolongamento da massa terrestre do continente debaixo d'água. Esse prolongamento se estende até o início do talude marinho, região oceânica de maior declive do solo (superior a 1°), onde se iniciam as planícies abissais.
Devido a essa característica geológica, ela poder variar ao redor do mundo. A maior plataforma continental do mundo, por exemplo, se encontra na região ártica russa, com 1.500 km de extensão, ou 810 milhas náuticas.
Por conta disso, foi definido pela Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM, ou UNCLOS, em inglês) em 1982 que a plataforma continental de um país é limitada a 200 milhas náuticas a partir da costa do Estado.
Conforme descrito também pela convenção, a plataforma continental de um país "compreende o fundo marinho e o subsolo das áreas submarinas". Isto é, diferentemente de outras áreas marinhas, como a zona econômica exclusiva (ZEE), um país só pode explorar recursos localizados no solo e subsolo, como vida marinha rastejante e mineração de terras e petróleos.
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Como funciona a extensão da plataforma continental?

Desde a ratificação do acordo, diversos países entraram com pedidos de extensão de suas plataformas continentais, diz Godofredo Vianna, professor convidado da Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getulio Vargas (FGV Direito Rio), como Canadá, Rússia, Noruega, Dinamarca e também o Brasil.
A avaliação dos pedidos é feita pela Comissão de Limites da Plataforma Continental (CLPC), criada para facilitar a implementação da CNUDM de 1982. "É um grupo técnico eleito pelos próprios Estados-membros da convenção", descreve Vianna.
O pleito do Brasil, enviado em 2004 e posteriormente modificado em alguns aspectos, busca avançar 150 milhas náuticas além das 200 milhas. "O que geraria um aumento de 1 milhão de quilômetros quadrados dentro do projeto brasileiro da Amazônia Azul."
O cálculo da extensão da plataforma continental, segundo o artigo 76, pode ser feito de duas maneiras. A primeira é uma adição de 60 milhas náuticas a partir do início do declive acentuado do talude marinho.
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A segunda é por uma fórmula em que a grossura dos sedimentos deve ser de pelo menos 1% do valor da distância do início do talude.
Da mesma forma, o artigo 76 também impõe dois limites à extensão da plataforma continental. O primeiro é um máximo de 350 milhas náuticas a partir da costa, e o segundo é de 100 milhas náuticas a partir do início da isóbata, contorno cartográfico que representa a mesma profundidade em corpos de água de grandes dimensões.
Em pedidos de extensão, os países são livres para escolher quais cálculos lhes darão maior área de plataforma continental.

EUA tentam estender sua plataforma continental

Os Estados Unidos são outro país que busca estender sua plataforma continental em seis pontos da sua costa: oceanos Ártico, Atlântico e Pacífico, mar de Bering, ilhas Marianas e golfo do México. Ao todo, a área equivale a 1 milhão de quilômetros quadrados, mais ou menos dois estados da Califórnia.
Diferentemente dos demais países, os EUA não assinaram a CNUDM, participando da Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos (ISA, na sigla em inglês), entidade criada pelo acordo para debater assuntos relacionados ao fundo do mar, apenas como observadores.
Isso faz com que o projeto de extensão de Washington seja unilateral e facilmente contestado por seus rivais geopolíticos, como foi o caso na última reunião da ISA, realizada em março na sede da autoridade, em Kingston, Jamaica.
Segundo Vianna, os Estados Unidos não veem com bons olhos participar de uma comissão formada por outros países para obter direitos sobre o que reivindicam ser seu próprio território.

"Tudo isso foi recusado com um argumento de que isso ofenderia a soberania norte-americana e seria uma questão de segurança nacional."

"Os Estados Unidos", afirma Vianna, "têm essa posição em várias áreas internacionais, como na navegação, em que não ratificaram convenções antigas que tratam do regime de responsabilidade dos armadores dos navios em relação à poluição do mar."
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Para Diego Pautasso, doutor em ciência política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), o caso é emblemático da "ordem mundial baseada em regras" gerida pelos Estados Unidos. "Nesse caso, como em muitos outros, ela estende arbitrariamente um determinado ordenamento jurídico que lhe convém."

As riquezas do fundo dos oceanos

A postura da Casa Branca, contudo, não é bem vista por todas as autoridades norte-americanas. Proeminentes figuras pedem pela assinatura e ratificação da CNUDM por parte do país, como o ex-diretor de Inteligência Nacional do governo George W. Bush (2001–2009) e persona non grata no México John Negroponte e a ex-senadora e ex-secretária de Estado Hillary Clinton.
"Já perdemos duas de quatro áreas que nos foram designadas originalmente, cada uma contendo US$ 1 bilhão (R$ 5 bilhões) em valor de minerais estratégicos de cobre, níquel, cobalto, manganês e terras-raras", alertaram ambos os políticos em uma carta aos senadores Ben Cardin, democrata, e Jim Risch, republicano.

"Se não entrarmos logo na ISA, corremos o risco de perder os outros dois locais destinados a nós. Além disso, a China avançou para obter cinco locais e a Federação da Rússia, três", acrescenta a carta.

"Há muitos políticos [norte-americanos] que defendem que os EUA ratifiquem [a convenção], dizendo que estão ficando para trás, já que a China, a Rússia e outros países, outras potências, estão hoje com pleitos validados e em curso para extensão do mar", sublinha Vianna.
Esses minérios são essenciais no desenvolvimento de tecnologias promissoras da revolução energética, em especial na produção de baterias, área em que a China "exerce uma grande liderança", afirma Pautasso.

"No caso, o objetivo norte-americano, obviamente, é garantir exclusividade e ter acesso a recursos minerais estratégicos que, por coincidência, não possui."

EUA criam limbo jurídico

A contestação das reinvindicações das áreas de plataforma continental dos EUA, feita por China e Rússia, jogam fogo no limbo jurídico que os Estados Unidos criaram com a unilateralidade das suas ações.
Para que uma empresa explore um recurso em plataforma continental estendida, explica Vianna, é necessário um registro na ISA, obtido com a permissão de um Estado-membro. Ou seja, sem isso empresas norte-americanas não podem atuar nessas áreas.
"Há um problema sério de jurisdição, de regime legal, tributação e royalties", disse. "Como é que o Estado vai cobrar impostos, por exemplo, de uma lavra de petróleo ou de minerais de uma área que não é da sua jurisdição?"

"As empresas operadoras ficaram receosas de ingressar nesse regime não regulado."

Vianna dá o exemplo do Brasil, que em uma das rodadas do leilão do pré-sal da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), disponibilizou uma área além das 200 milhas náuticas. "Não houve uma sequer oferta para esses blocos."
"Previa-se um regime de royalties, mas ainda não estavam definidos os termos, […] se seria sob o valor de comercialização, sob o valor extraído […]… Era muito indeterminado."
Nesse ponto, diz Vianna, os Estados Unidos "podem estabelecer um regime próprio fora da convenção".

"Só que isso daria, certamente, um problema no âmbito da ONU."

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