Superioridade russa é obstáculo para OTAN impor zona de exclusão aérea na Ucrânia, diz analista
12:01 16.05.2024 (atualizado: 12:31 16.05.2024)
© Sputnik / Valentin KapustinCaça Su-34 da Força Aeroespacial russa em ação durante a operação na Ucrânia
© Sputnik / Valentin Kapustin
Nos siga no
Especiais
Conforme as Forças Armadas russas avançam no campo de batalha, representantes de países da OTAN debatem a possibilidade de impor uma zona de exclusão aérea no território ucraniano. A Sputnik Brasil conversou com analistas para entender a viabilidade de implementar essa zona e se isso seria o estopim de uma guerra direta entre Rússia e OTAN.
Nesta quinta-feira (16), o Ministério da Defesa da Rússia anunciou avanços das Forças Armadas na região de Carcóvia, com destaque para os povoados de Dergachi, Lipsty e Volchansk. O progresso russo gera preocupação entre países da OTAN, cujos representantes voltaram a defender a imposição de uma zona de exclusão aérea em território ucraniano.
Em sessão no parlamento alemão, o representante da União Democrata-Cristã, Nico Lange, sugeriu que a aliança abatesse mísseis russos a partir de bases no território de Polônia, Hungria, Romênia e Eslováquia. Para ele, isso seria suficiente para criar uma zona de exclusão aérea de 70 km ao longo das fronteiras entre Ucrânia e OTAN, o que facilitaria o fornecimento de novas armas para Kiev e o prolongamento do conflito.
© AP Photo / Markus SchreiberOlaf Scholz, chanceler da Alemanha, no pódio à esquerda, dá discurso sobre a crise orçamentária da Alemanha no parlamento em Berlim, Alemanha, 28 de novembro de 2023
Olaf Scholz, chanceler da Alemanha, no pódio à esquerda, dá discurso sobre a crise orçamentária da Alemanha no parlamento em Berlim, Alemanha, 28 de novembro de 2023
© AP Photo / Markus Schreiber
Apesar de contar com o apoio de outros parlamentares, a proposta teve que ser rejeitada publicamente pelo governo alemão, conforme reportou a Reuters. Nesta segunda-feira (16), o diretor do Departamento de Imprensa e Informação da Alemanha e porta-voz do governo, Steffen Hebestreit, reiterou que Berlim não apoia a imposição de zona de exclusão aérea em território ucraniano por forças da OTAN.
"Acreditamos que isso iria cruzar a linha de participação direta [da OTAN]", disse Hebestreit, lembrando que Berlim mantém essa posição desde novembro de 2022. "A Alemanha já investiu massivamente na defesa antiaérea ucraniana."
© AP Photo / Michael ProbstSoldados do 2º Regimento de Cavalaria da OTAN alinham veículos no campo de aviação militar em Vilseck, Alemanha, 9 de fevereiro de 2022
Soldados do 2º Regimento de Cavalaria da OTAN alinham veículos no campo de aviação militar em Vilseck, Alemanha, 9 de fevereiro de 2022
© AP Photo / Michael Probst
No entanto, a crescente pressão do parlamento alemão em favor de uma zona de exclusão aérea preocupa, já que ela levaria a uma escalada sem precedentes entre potências nucleares. Para o especialista do Núcleo Avançado de Avaliação de Conjuntura (NAC) da Escola de Guerra Naval (ESG) Pérsio Glória de Paula, a Rússia não deixaria de utilizar a sua Força Aérea em uma zona de exclusão da OTAN, o que levaria a um embate direto.
"A imposição de uma zona [de exclusão aérea] colocaria a OTAN face a face contra a Rússia", disse Glória de Paula à Sputnik Brasil. "É essencialmente uma proposta de entrar em guerra com a Rússia, porque a OTAN precisaria impedir que a Rússia utilizasse a sua Força Aérea nessa zona de exclusão. E, para fazer isso, a OTAN precisaria abater aeronaves russas. E isso seria uma declaração de guerra."
Segundo o especialista, a proposta dos parlamentares alemães ecoa declarações similares feitas pelo presidente da França, Emmanuel Macron. Frente ao avanço das tropas russas no início de 2024, o líder francês afirmou em entrevista à revista britânica The Economist "não descartar" o envio de tropas "caso a Rússia rompa as linhas de defesa" na Ucrânia.
© AP Photo / Sarah MeyssonnierO presidente francês Emmanuel Macron, ao centro, o presidente ucraniano Vladimir Zelensky, e o chanceler alemão Olaf Scholz, participam de uma coletiva de imprensa conjunta no Palácio do Eliseu, 8 de fevereiro de 2023 em Paris
O presidente francês Emmanuel Macron, ao centro, o presidente ucraniano Vladimir Zelensky, e o chanceler alemão Olaf Scholz, participam de uma coletiva de imprensa conjunta no Palácio do Eliseu, 8 de fevereiro de 2023 em Paris
© AP Photo / Sarah Meyssonnier
"Nesses casos, é difícil distinguir o que é discurso e o que é realmente uma proposta séria", considerou Glória de Paula. "Afinal, seria um precedente perigoso que inauguraria uma disputa aérea, que facilmente poderia degenerar em uma guerra aberta."
Para garantir que zonas de exclusão aéreas sejam instrumentos para alcançar a paz ou garantir ajuda humanitária, e não um instrumento de escalada de guerra, elas devem ser impostas com anuência de organizações multilaterais, disse analista de Relações Internacionais e editor do portal Arsenal Geopolítica e Defesa, Pedro Paulo Rezende.
"Uma zona de exclusão aérea deve ser decretada por organizações internacionais, como o Conselho de Segurança da ONU, e não por uma aliança militar, como a OTAN", disse Rezende. "A Rússia possui uma Força Aérea bastante efetiva, por isso estamos aqui falando de uma proposta que me parece uma missão impossível."
Para o analista, um caso clássico de imposição de zona de exclusão aérea foi a imposta com a anuência da ONU no Iraque de Saddam Hussein, após a invasão iraquiana do Kuwait, na década de 90. No entanto, já no século XXI, a OTAN extrapolou a autorização recebida da ONU para impor uma zona de exclusão aérea e realizou bombardeios ilegais na Líbia.
Além das capacidades da OTAN
Apesar do risco, a imposição de uma zona de exclusão aérea seria uma tarefa bastante desafiadora para a OTAN. Além do uso de novos equipamentos difíceis de serem interceptados no espaço aéreo ucraniano, como drones, a situação no campo de batalha é de superioridade aérea russa.
"Para impor uma zona de exclusão aérea é necessário não só a superioridade aérea, mas a supremacia, já que é necessário negar o uso do ar ao adversário", considerou Glória de Paula. "No caso da Ucrânia, é difícil que a OTAN atinja essa condição [...], já que a Força Aérea russa é considerada um par em termos de competição estratégica com suas adversárias da OTAN."
Segundo ele, a OTAN teria dificuldade em realizar a interceptação de mísseis hipersônicos russos, além de combater aeronaves como o caça multipropósito Su-35 e o caça interceptador Su-27, que, junto com modelos voltados para alvos em solo como o Su-25 e Su-34, garantem a superioridade aérea inconteste da Rússia na Ucrânia.
© Sputnik / Valentin KapustinCaças Su-30SM da Força Aeroespacial russa durante a operação especial
Caças Su-30SM da Força Aeroespacial russa durante a operação especial
© Sputnik / Valentin Kapustin
O risco de escalada não se reduziria ao território ucraniano, já que a proposta alemã inclui o uso de armamentos baseados em países da OTAN. Uma vez implementada, a zona demandaria o uso de equipamentos militares de diversas naturezas, incluindo caças interceptadores, operando a partir de bases aéreas da aliança.
"Para impor uma zona de exclusão aérea serão necessários sistemas complexos: infraestrutura terrestre como bases aéreas e radares, equipamentos como lançadores de mísseis antiaéreos, além de caças interceptadores e multipropósito, como os F-22 e F-35", disse Glória de Paula. "Esses caças provavelmente estariam baseados em bases aéreas da OTAN. Essas bases se tornariam alvos legítimos para a Rússia."
De fato, Moscou declarou reiteradas vezes que tropas da OTAN em território ucraniano, assim como equipamentos militares da Aliança Atlântica, são considerados não só alvo legítimos, mas também prioritários para as Forças Armadas da Rússia.
© Sputnik / Evgeny BiyatovUm membro da equipe técnica do Exército Russo carrega mísseis não guiados em um bloco de combate de um helicóptero de ataque Mi-28 durante a operação militar da Rússia na Ucrânia
Um membro da equipe técnica do Exército Russo carrega mísseis não guiados em um bloco de combate de um helicóptero de ataque Mi-28 durante a operação militar da Rússia na Ucrânia
© Sputnik / Evgeny Biyatov
“Afirmamos em diversas ocasiões que a intervenção militar direta no terreno neste conflito por parte dos países da OTAN representa potencialmente um grande perigo", reiterou o porta-voz do governo russo, Dmitry Peskov, no início de maio.
Nesta terça-feira (15), o Ministério da Defesa da Rússia anunciou a libertação das localidades de Glubokoe e Lukiantsy, na região de Cracóvia, além de Rabotino, celebrada por Kiev como um de seus principais trunfos durante a contraofensiva de meados de 2023. Em 24 de fevereiro de 2022, a Rússia deu início à operação militar especial para garantir a defesa das repúblicas populares de Donetsk (RPD) e Lugansk (RPL), fazendo frente ao avanço da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) no Leste Europeu.