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EUA arriscam corrida nuclear por normalização entre Arábia Saudita e Israel, diz analista

© AFP 2023 / Evelyn HocksteinPríncipe saudita Mohammed bin Salman durante reunião com o secretário de Estado Antony Blinken, Jidá, Arábia Saudita, 20 de março de 2024
Príncipe saudita Mohammed bin Salman durante reunião com o secretário de Estado Antony Blinken, Jidá, Arábia Saudita, 20 de março de 2024 - Sputnik Brasil, 1920, 07.06.2024
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Arábia Saudita extrai importante concessão dos EUA na área nuclear e poderá desenvolver programa atômico de forma acelerada. Saiba por que os EUA mudaram de posição e aceitam os riscos de corrida nuclear ao concederem tecnologia dual para o reino saudita.
Nesta semana, o embaixador dos EUA na Arábia Saudita declarou que Washington e Riad estão próximos de assinar um acordo histórico para renovar os laços bilaterais. A expectativa é de que o acordo inclua não só a venda de armas ofensivas, mas também o desenvolvimento de um programa nuclear civil na Arábia Saudita.

"Há uma tendência de abusar da palavra 'histórico', mas eu acho que, como um todo, esse pacote de acordos é realmente histórico", disse o embaixador dos EUA na Arábia Saudita, Michael Ratney, em entrevista ao jornal saudita Arab News.

Os acordos consistem em uma série de concessões por parte de Washington para manter sua influência sobre a Arábia Saudita. Os EUA buscam reconstruir o seu baixo nível de influência diplomática na região, explicitado pela sua incapacidade de costurar acordos para desescalada do conflito na Faixa de Gaza.
Além disso, Washington teme o fortalecimento da posição de rivais geopolíticos como a China, que recentemente mediou acordo para a reaproximação de Arábia Saudita e Irã.
© AFP 2023 / Evelyn HocksteinPríncipe saudita Mohammed bin Salman durante reunião com o secretário de Estado Antony Blinken, Riad, Arábia Saudita, 29 de abril de 2024
Príncipe saudita Mohammed bin Salman durante reunião com o secretário de Estado Antony Blinken, Riad, Arábia Saudita, 29 de abril de 2024 - Sputnik Brasil, 1920, 07.06.2024
Príncipe saudita Mohammed bin Salman durante reunião com o secretário de Estado Antony Blinken, Riad, Arábia Saudita, 29 de abril de 2024
A Casa Branca ainda tem o objetivo de selar a normalização das relações entre a Arábia Saudita e Israel, paralisadas em função da guerra em Gaza. Além da demanda saudita por um plano de ação claro para a formação do Estado da Palestina, Riad ainda solicita acesso à tecnologia nuclear em troca da normalização das relações com Israel.

"Os sauditas estão sendo bastante pressionados pelos EUA para normalizar suas relações com Israel. A normalização com um país que tem um capital simbólico gigantesco no mundo islâmico como a Arábia Saudita seria uma vitória importante para Israel", disse o doutor em história pela Universidade York no Canadá e mestre em História pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, Tufy Kairuz, à Sputnik Brasil.

E tudo indica que, para atingir esse objetivo, os EUA estão prontos para conceder tecnologia nuclear para a Arábia Saudita. Ao desenvolver um programa civil, países ganham acesso a algumas tecnologias de uso dual, como reatores avançados e, possivelmente, enriquecimento de urânio.
© Sputnik / Uliana SoloviovaReator nuclear (imagem referencial)
Reator nuclear (imagem referencial) - Sputnik Brasil, 1920, 07.06.2024
Reator nuclear (imagem referencial)
"Normalmente não passaria pela cabeça dos EUA e seu aliado Israel dar acesso à tecnologia nuclear a um país árabe, no qual eles não necessariamente confiam. Existem riscos referentes ao uso que os sauditas fariam dessa tecnologia e se eles poderiam transferir esses conhecimentos para outros países", disse Kairuz. "Mas o contexto atual modificou o cálculo dos norte-americanos."
Em seu modelo de cooperação nuclear com países que os EUA consideram potenciais proliferadores, Washington assina um modelo do chamado acordo 123, em referência a artigo de lei nuclear interna norte-americana. De acordo com esse modelo, o país receptor deve abrir mão da possibilidade de desenvolver armamentos nucleares, restringir a sua capacidade de enriquecimento de urânio e enviar os rejeitos do combustível nuclear para os EUA, a fim de evitar o reprocessamento, que pode levar a construção de artefatos nucleares.
© AFP 2023 / Caitlin OchsSecretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, durante reunião com seu homólog saudita Faisal bin Farhan Al Saud, em Nova York, EUA, 19 de setembro de 2023
Secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, durante reunião com seu homólog saudita Faisal bin Farhan Al Saud, em Nova York, EUA, 19 de setembro de 2023 - Sputnik Brasil, 1920, 07.06.2024
Secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, durante reunião com seu homólog saudita Faisal bin Farhan Al Saud, em Nova York, EUA, 19 de setembro de 2023
No entanto, a Arábia Saudita insiste em obter a capacidade de enriquecer urânio e de reprocessar combustível internamente. Além disso, o reino quer participar do desenvolvimento de tecnologia nuclear físsil. Nesse sentido, a Arábia Saudita dificilmente aceitará acordos nos quais dependerá da importação de combustível nuclear para as suas usinas.
"Mas a Arábia Saudita tem consciência de quão importante é a normalização das relações com Israel para os EUA, e por isso está conseguindo retirar concessões importantes de Washington", disse Kairuz. "Eles ainda terão que arcar com os riscos de sua reputação dentro do mundo islâmico por reconhecer Israel, ainda mais no contexto atual."

Proliferação de armas nucleares

O temor é de que a Arábia Saudita vire um Estado nuclear latente, isto é, um Estado que poderia desenvolver armas nucleares no médio prazo, caso tome a decisão política de fazê-lo. Outros Estados que se encontram nessa categoria são Brasil, Alemanha e Japão.

"O programa brasileiro está anos-luz à frente do saudita. O Brasil está desenvolvendo seu programa desde a década de 50, então foi muito chão para chegar aonde chegamos. Mas, com esses acordos internacionais, a Arábia Saudita pode conseguir atingir o nosso nível de maneira mais rápida", disse a especialista em política nuclear e doutora em Estudos Estratégicos Internacionais pela Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Michelly Geraldo, à Sputnik Brasil.

O Brasil se distingue por possuir a tecnologia do ciclo do combustível nuclear completo, desde a mineração do urânio, passando pelo seu enriquecimento e processamento. Com pouca ajuda estrangeira, o programa brasileiro desenvolveu tecnologia própria para atingir esse objetivo.
Vice-presidente do Brasil, Geraldo Alckmin, se encontra com autoridades sauditas em Riad. Arábia Saudita, 3 de junho de 2024 - Sputnik Brasil, 1920, 03.06.2024
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Dentre os principais projetos da nascente indústria nuclear saudita está a construção de um reator de pesquisa no subúrbio de Riad. No tocante aos meios de entrega, a Arábia Saudita conduz pesquisa para a construção de mísseis balísticos em cooperação com a China.
"O programa brasileiro tem mais experiência em infraestrutura nuclear e grau muito maior de autossuficiência tecnológica – afinal a Arábia Saudita dependeria de atores internacionais para desenvolver sua indústria nuclear", disse Geraldo.
Por outro lado, ambos os países são signatários dos principais acordos de controle de tecnologia nuclear, como o Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP). O Brasil ainda possui acordos em parceria com a Argentina que garantem amplas inspeções dos objetos nucleares em território nacional.
© Flickr / Marinha do BrasilProjeto do submarino nuclear desenvolvido no Centro Tecnológico da Marinha em São Paulo, Brasil, 17 de novembro de 2022
Projeto do submarino nuclear desenvolvido no Centro Tecnológico da Marinha em São Paulo, Brasil, 17 de novembro de 2022 - Sputnik Brasil, 1920, 07.06.2024
Projeto do submarino nuclear desenvolvido no Centro Tecnológico da Marinha em São Paulo, Brasil, 17 de novembro de 2022
"A Arábia Saudita também tem acordos de salvaguardas com a Agência Internacional de Energia Atômica, mas, por ser um país que até recentemente tinha quantidades limitadas de material nuclear, ela opera sob um regime limitado de inspeções", explicou Geraldo. "Essa expansão do programa nuclear saudita leva a uma pressão para que eles adotem medidas mais rigorosas de salvaguardas."
Entre as medidas possíveis estão a assinatura do Protocolo Adicional ao Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP), que prevê inspeções surpresa em instalações nucleares dos países signatários. Para Geraldo, será necessário ampliar os instrumentos "para garantir a transparência desse programa saudita".
© AFP 2023 / Caitlin OchsMinistro das Relações Exteriores da Arábia Saudita, Faisal bin Farhan Al Saud, durante reuniçao com seu homólogo norte-americano, Antony Blinken, em Nova York, EUA, 19 de setembro de 2023
Ministro das Relações Exteriores da Arábia Saudita, Faisal bin Farhan Al Saud, durante reuniçao com seu homólogo norte-americano, Antony Blinken, em Nova York, EUA, 19 de setembro de 2023 - Sputnik Brasil, 1920, 07.06.2024
Ministro das Relações Exteriores da Arábia Saudita, Faisal bin Farhan Al Saud, durante reuniçao com seu homólogo norte-americano, Antony Blinken, em Nova York, EUA, 19 de setembro de 2023
A decisão norte-americana de ampliar a cooperação tecnológica nuclear com a Arábia Saudita pode aumentar as tensões no Oriente Médio. Além do risco de aceleração do programa nuclear iraniano, países como Turquia e Emirados Árabes Unidos também podem se sentir impelidos a buscar capacidades similares.
"O risco de proliferação existe já que essas são tecnologias de uso dual. Existe uma rivalidade regional que pode ser exacerbada, entre Arábia Saudita e Irã, afinal o programa iraniano é mais avançado do que o saudita. Isso pode levar a uma corrida nuclear regional, ainda que para fins pacíficos. Mas para essas capacidades virarem militares é um pulo", concluiu a especialista.
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