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Lula na OIT volta à raiz do PT na defesa do trabalhador e pede nova 'globalização de face humana'

© Ricardo Stuckert / Presidência da RepúblicaPresidente Luiz Inácio Lula da Silva durante discurso na sessão de encerramento do Fórum Inaugural da Coalizão Global para a Justiça Social, da Conferência Internacional do Trabalho. Genebra, 13 de junho de 2024
Presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante discurso na sessão de encerramento do Fórum Inaugural da Coalizão Global para a Justiça Social, da Conferência Internacional do Trabalho. Genebra, 13 de junho de 2024 - Sputnik Brasil, 1920, 13.06.2024
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Com um discurso que criticou a concentração de renda no mundo e a precarização do mercado de trabalho, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva participou nesta quinta-feira (13) da 112ª Conferência Internacional do Trabalho em Genebra, na Suíça. Na ocasião, foi lançada a Coalizão Global para Justiça Social, da qual o petista será copresidente.
Tensões geopolíticas mundo afora, ataques à democracia, mudanças climáticas acentuadas e o papel de entidades, como a Organização Internacional do Trabalho (OIT), em meio à emergência de uma nova ordem mundial. Durante quase 30 minutos, o presidente Lula ressaltou a importância de combater as desigualdades em um discurso histórico que relembrou a sua participação na assembleia em maio de 2003, no início do seu primeiro mandato no Palácio do Planalto.
"Foi nesta assembleia que escolhi fazer meu primeiro discurso, em um organismo das Nações Unidas como chefe de Estado. E foi aqui que nos reunimos para discutir a crise do emprego causada pelo colapso financeiro de 2008. Desta vez, vivemos um contexto global muito mais complexo", ressaltou Lula.
Em meio à presidência brasileira no G20 ao longo de 2024 e aos esforços da proposta de taxação dos super-ricos encabeçada pelo país nos debates do grupo, Lula pontuou no discurso que "nunca antes o mundo teve tantos bilionários". Segundo o petista, cerca de 3 mil pessoas possuem um patrimônio de quase US$ 15 trilhões (R$ 80,5 trilhões), valor que representa a soma do produto interno bruto (PIB) de Japão, Alemanha, Índia e Reino Unido.
"É mais do que estima ser necessário para os países em desenvolvimento lidarem com a mudança climática. A concentração de renda é tão absurda que alguns indivíduos possuem seus próprios programas espaciais. Não precisamos buscar soluções em Marte. É a Terra que precisa do nosso cuidado", alfinetou.
Para Gabriel Casnati, coordenador de justiça fiscal e comércio da Internacional de Serviços Públicos (ISP) nas Américas, o presidente brasileiro traz para o debate uma discussão que vem ganhando força no mundo, que é o crescimento sem precedentes da concentração de renda desde a pandemia.
"Então essa tem sido a pauta principal do Brasil no âmbito do G20, que se relaciona com as próprias discussões internas aqui do Brasil que a gente quer passar este ano, de uma tributação aos super-ricos para ajudar no novo arcabouço fiscal", declarou à Sputnik Brasil.
Conforme o especialista, em 2016 foi dado o primeiro passo pela comunidade internacional no âmbito do G20 e da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) para reformar as regras de tributação das grandes corporações a nível global. Porém, não entrou nas discussões a questão dos indivíduos bilionários, e o especialista acrescentou que as propostas refletiam interesses e necessidades dos países desenvolvidos.

"É necessário aumentar a arrecadação desses setores muito privilegiados, que pagam muito menos impostos do que qualquer cidadão. A grande questão é como dividir essa fatia do bolo. E já que a principal proposta global foi gestada na OCDE e no G20, e nesses espaços existe uma preponderância dos países do Norte Global, os critérios de repartição desse bolo até agora estão muito desiguais, nos quais os países donos das empresas estão previstos para arrecadar muito mais dinheiro do que os países onde essas empresas operam e geram valor. Então, para a gente, no Sul Global é interessante que nessas empresas que vão ser mais tributadas venha uma fatia do bolo para o Sul Global, relativa a quanto essas empresas lucraram na região", argumenta Casnati.

Da esquerda para a direita, responsáveis de Relações Exteriores de vários países: Dammu Ravi, da Índia; Sameh Shoukry, do Egito; Naledi Pandor, da África do Sul; Wang Yi, da China; Sergei Lavrov, da Rússia; Mauro Vieira, do Brasil; Abdullah bin Zayed Al Nahyan, dos Emirados Árabes Unidos; Taye Atskeselassie, da Etiópia; e Ali Bagheri, do Irã, durante foto conjunta para a reunião de ministros das Relações Exteriores do BRICS, em Nizhny Novgorod. Rússia, 10 de junho de 2024 - Sputnik Brasil, 1920, 11.06.2024
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Relações de trabalho e pauta ambiental

Diante dos efeitos devastadores das mudanças climáticas que têm "deteriorado a qualidade de vida ao redor do mundo", o presidente brasileiro lembrou que 2,4 bilhões de trabalhadores já são afetados diretamente pelo calor excessivo. Lula também lembrou que, no próximo ano, Belém vai sediar a COP 30 e defendeu que as "florestas tropicais como a Amazônia não são santuário para o deleite da elite global […], tampouco podem ser tratadas como depósitos de riquezas a serem exploradas". Além disso, o petista reforçou que pela primeira vez o "mundo inteiro vai ver e ouvir" o que a própria população amazônica "pensa dela mesma e o que quer para ela".
O professor titular e diretor da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) Aléxis Toríbio Dantas pontuou à Sputnik Brasil que o presidente Lula conseguiu envolver a pauta ambientalista com as relações de trabalho na conferência.
"É uma pauta que tem a ver com a própria mudança climática, e isso causa um desgaste muito maior no processo produtivo em várias situações […]. Uma outra dimensão é a mudança que está sendo forçada no interior das empresas, a chamada empresa verde, ou empresa que tenha uma consciência ambiental e ecológica, criando tecnologias de produção que sejam adequadas a um maior racionamento de energia e de recurso. Só que isso demanda ou determina a necessidade de você ter uma mudança estrutural, de tecnologia, de utilização de recursos", resume o especialista.

'A mão invisível do mercado só agrava desigualdades'

Apesar de as projeções apontarem para uma modesta redução da taxa de desemprego mundial de 5% para 4,9% neste ano, Lula ressaltou que o planeta vive um processo de aumento da informalidade e precarização do mercado de trabalho. Conforme o presidente, a renda segue em queda principalmente para os menos escolarizados, além das novas gerações não encontrarem oportunidades.
"Quase 215 milhões de pessoas vivem em extrema pobreza, mesmo estando empregadas. As desigualdades de gênero, raça, orientação sexual e origem geográfica são agravantes desse cenário. Em todo o mundo, as mulheres são um dos elos mais vulneráveis da cadeia de trabalho e a máxima 'salário igual para trabalho igual' ainda é uma utopia", reforçou o petista.
Em retorno às raízes da criação do Partido dos Trabalhadores (PT) e das propostas que levaram o partido à Presidência da República por 13 anos consecutivos, o professor Aléxis Toríbio Dantas acredita que Lula corrobora no discurso o que prometeu na última campanha presidencial: acabar com a fome no país e melhorar a renda da população.

"E foi uma meta de sucesso nos três primeiros governos do Partido dos Trabalhadores. Esse sucesso, na verdade, teve uma repercussão mundial, no sentido que o sucesso das políticas sociais aplicadas no Brasil, no governo do Partido dos Trabalhadores, passou a ser quase paradigmático para vários países, em não só eliminar a fome, mas também reduzir a desigualdade […]. A partir daí, o rendimento médio real do brasileiro aumenta na mesma direção do salário mínimo real no período. Inclusive esse foi um dos pontos fundamentais que solidificaram as ideias do golpe parlamentar de 2016, com aceitação dos empresários brasileiros, criando naquele momento uma situação inexistente de ruptura para, na verdade, ocorrer uma redução de salários. E foi o que aconteceu", declarou o analista.

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Uma nova globalização

A necessidade de consolidação de um mundo multipolar, voltado para uma nova globalização da face humana. Assim o presidente Lula definiu o momento atual em meio às tensões que se espalham ao redor do globo e uma das lutas que o Brasil tenta colocar na agenda, tônica da Coalizão Global para Justiça Social lançada pela OIT, que o petista vai copresidir. Para Dantas, o Brasil encontra no BRICS o único parceiro na defesa dessa pauta. Grupo que originalmente reunia, além do país, Rússia, China, Índia e África do Sul, este ano ganhou novos membros: Egito, Irã, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Etiópia.

"Então, por exemplo, a gente tem, com o acordo do BRICS, uma possibilidade de reduzir o poder, em termos de ordem econômica internacional, daquela que foi consolidada depois de Bretton Woods e que é dominada hegemonicamente, de uma maneira muito clara e definitiva pelos Estados Unidos e pela Europa em segundo plano. Essa possibilidade de você, por exemplo, criar um Novo Banco de Desenvolvimento [NBD], substituindo agências multilaterais importantes, como o FMI [Fundo Monetário Internacional] e o Banco Mundial, para objetivos que são mais ligados a esses países", defendeu.

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Defesa da democracia

Por fim, o presidente brasileiro fez uma intensa defesa do sistema democrático, sem o qual "um torneiro mecânico jamais teria chegado à Presidência da República de um país como o Brasil". Além disso, Lula argumentou que os ataques à democracia implicam, historicamente, na perda de direitos.

"A contestação da ordem vigente não pode ser privilégio da extrema-direita. A bandeira anti-hegemônica precisa ser recuperada pelos setores populares progressistas e democratas. Recuperar o papel do Estado como planejador do desenvolvimento é uma tarefa urgente. A mão invisível do mercado só agrava desigualdade", afirmou.

Especialista em história contemporânea, a professora emérita da UERJ Lená Medeiros de Menezes alegou à Sputnik Brasil que a abordagem da questão em uma conferência internacional como a da OIT é fundamental neste momento.
"O que se observa é que a democracia, que ainda é a melhor forma de governo, está sendo contestada por essa extrema-direita e entra numa crise que nos faz lembrar de outro momento trágico na história da humanidade, que foi o entre-guerras, que também combatia a democracia, combatia a questão da justiça social, e apostava realmente em muitas das coisas que nós vemos renascer por toda parte. Nós sabemos bem que a extrema-direita avança no mundo todo. Isso é preocupante porque […], quando se pensa nesse extremismo, nós estamos pensando na falência total de qualquer dimensão humana que se possa ter", enfatiza.
A especialista argumenta que, nesse sentido, são muitos os desafios de se defender pautas que Lula está defendendo em um "mundo que aposta no contrário".
"[…] valores como justiça social, igualdade de oportunidades no mundo do trabalho, remuneração condizente, trabalho socialmente adequado, tudo isso num mundo que aposta no contrário, conduzido por essas extremas-direitas que cultivam ódio, a discriminação ao outro, que veem o outro como inimigo a ser combatido, e pior, às vezes, no sentido de defesa, de aniquilamento".
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