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Afinal, Argentina vai dar guarida para fugitivos da Justiça brasileira?

© Luis Robayo / AFPO presidente argentino, Javier Milei, discursa durante a apresentação de seu novo livro, "Capitalismo, socialismo e a armadilha neoclássica", no estádio Luna Park, em Buenos Aires, em 22 de maio de 2024
O presidente argentino, Javier Milei, discursa durante a apresentação de seu novo livro, Capitalismo, socialismo e a armadilha neoclássica, no estádio Luna Park, em Buenos Aires, em 22 de maio de 2024 - Sputnik Brasil, 1920, 25.06.2024
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O governo argentino enviou, na semana passada, ao Itamaraty uma lista com o nome de 62 brasileiros que entraram em seu território irregularmente, réus pelos atos de vandalismo em 8 de janeiro de 2023, em Brasília.
Segundo o Ministério das Relações Exteriores do Brasil, 13 das pessoas da lista não se encontram mais na Argentina e alguns pediram refúgio. O Itamaraty iniciou o pedido de extradição dos que ainda se encontram na Argentina.
Logo após a Polícia Federal (PF) identificar a fuga dos condenados para o país vizinho, em 25 de maio, o senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS) solicitou ao presidente da Argentina, Javier Milei, em sua conta na plataforma X, que concedesse asilo aos fugitivos.
Segundo ele, os condenados, que representaram um grupo descontente com a derrota do então presidente, Jair Bolsonaro, nas urnas e a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva, "não confiam mais na Justiça brasileira".
O porta-voz do governo argentino, Manuel Adorni, afirmou em 10 de junho que pedidos de asilo para foragidos no país pelos atos de 8 de Janeiro serão analisados "individualmente".
No dia 8 de janeiro de 2023, uma semana após a posse de Lula como presidente do Brasil, milhares de apoiadores de Bolsonaro invadiram violentamente os principais edifícios institucionais de Brasília: o Congresso Nacional, o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Palácio do Planalto, sede do governo.
Cientistas políticos ouvidos pelo podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, avaliaram que se Milei tem a ganhar com uma possível concessão de refúgio, a Argentina tem mais a perder do ponto de vista comercial, político e diplomático.
Manifestantes bolsonaristas diante de vidraças destruídas no Supremo Tribunal Federal (STF), em meio à invasão da Praça dos Três Poderes e de prédios públicos. Brasília (DF), 8 de janeiro de 2023 - Sputnik Brasil, 1920, 19.06.2024
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Cerca de 2 mil pessoas que estavam acampadas diante de quartéis em Brasília foram encaminhadas à prisão, das quais 775 foram liberadas, segundo o STF, que condenou dezenas de participantes, alguns por crimes como ataque ao Estado Democrático de Direito. Alguns condenados fugitivos cumpriam pena domiciliar, com uso de tornozeleira eletrônica.
Os fugitivos foram indiciados pelas investigações da operação Lesa Pátria, da PF. Ao longo das quase 30 fases, a Lesa Pátria realizou centenas de prisões contra vândalos, financiadores, autoridades omissas e incitadores dos crimes realizados na Praça dos Três Poderes.
Em outubro de 2023, a comissão parlamentar mista de inquérito (CPMI) dos atos aprovou o relatório final apresentado pela senadora Eliziane Gama (PSD-MA), que solicitou o indiciamento de 61 pessoas, entre elas Bolsonaro, pelos crimes de associação criminosa, violência política, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado.
O professor e cientista político da Universidade Presbiteriana Mackenzie Rodrigo Prando avaliou que se Milei acatar o pedido de Mourão, que foi o vice-presidente de Jair Bolsonaro, a Argentina estará referendando a tese de que se um grupo não for vitorioso, basta depredar e fugir do país:

"O senador Mourão defende aqueles que atacaram as sedes dos três Poderes, descontentes, raivosos com o resultado da eleição. É uma sinalização à sociedade de que quando meu adversário ganha nas urnas, é lícito, é legítimo que eu vá para o confronto, para a violência ou para a depredação, que foi o que aconteceu no dia 8 de janeiro", opinou ele. "Então qualquer ação no campo do populismo, do autoritarismo, que busque deslegitimar as eleições, o sistema eleitoral e, pior, o não reconhecimento de que seu adversário foi vitorioso, é muito ruim. Quem hoje está fazendo isso pode sofrer do mesmo jeito pelo grupo adversário no futuro", acrescentou.

Por outro lado, o cientista político lembrou que essas pessoas, à luz do direito internacional, têm direito de pedir asilo político.
Ele também chamou a atenção para o fato de Milei ter ofendido Lula em várias ocasiões durante sua campanha eleitoral e ter convidado Bolsonaro para sua posse, gerando mal-estar com o atual presidente brasileiro, que mandou um representante para a cerimônia.

"O Bolsonaro tem confrontado as instituições, de certa maneira, o Milei, que se apresenta como outsider, também confronta as instituições, e isso permite uma similaridade entre os dois e […] essa militância de alguns valores que são compartilhados e são comuns nessas visões de mundo."

Logo, apesar da parceria comercial entre Brasil e Argentina ser muito robusta, a situação diplomática poderia se deteriorar com a eventual concessão de asilo político.
Na opinião dele, ao conceder refúgio aos foragidos, Milei ganharia força com a militância, exposição nas redes sociais e na mídia internacional, mas perderia chances de relações com o Brasil, perdendo inclusive acordos de comércio.

"O ganho é no campo ideológico e retórico, e se perder, perde no campo concreto, real, da economia ou de relações artísticas, científicas, comerciais e diplomáticas com o Brasil", ponderou.

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Para o professor Jefferson Nascimento, doutorando em ciência política na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), o caso é "muito caro não apenas ao governo Lula, que foi a vítima dessa tentativa de golpe de Estado, mas ao Estado brasileiro como um todo, já que havia uma tentativa de golpe". Ele acredita que dificilmente a Argentina se indisporá com seu segundo maior parceiro comercial por tão pouco:

"A Argentina esteve à beira de entrar em uma crise energética, e o Brasil forneceu, vendeu gás natural à Argentina por meio da Petrobras, evitando que a Argentina entrasse em um colapso energético. Então me parece que não seria interessante para o Brasil, e muito menos para a Argentina, ter um choque diplomático neste momento, tendo em vista essa relação entre os dois países", disse o especialista também em declarações ao Mundioka.

Nascimento explicou que quando um cidadão entra com pedido de asilo na Argentina, esse pedido é analisado pela Comissão Nacional para Refugiados (Conare), formada por funcionários de diferentes ministérios.

"Há também a participação de ONGs e da Agência da ONU para Refugiados [ACNUR], que apesar de não ter poder de voto, tem poder de voz. É uma comissão heterogênea e tem o histórico de tomar decisões técnicas", explicou ele.

Nascimento frisou que há provas muito robustas de atos criminosos cometidos pela maioria dos fugitivos.

"Inclusive por grande parte dessas pessoas compartilharem vídeos nas redes sociais, […] não me parece que nenhum ou quase nenhum desses foragidos teria direito a esse asilo do ponto de vista técnico."

Entretanto ele salientou que, como representante de uma ideologia radical, Milei manteria suas bases mobilizadas e fortaleceria os laços com outras lideranças ideológicas internacionais se concedesse refúgio aos condenados pelos atos de 8 de janeiro.

"No caso do Milei, por exemplo, até agora não apresentou grandes resultados do ponto de vista econômico, a pobreza vem aumentando, a inflação, apesar de ter desacelerado, continua ainda em um nível muito alto e a vida do cidadão mais pobre na Argentina ainda é muito complicada", analisou ele.

Para Nascimento, um dos cenários mais prováveis para a situação é o governo argentino postergar o processo de análise do pedido de asilo dessas pessoas e ganhar tempo, com o argumento de que é preciso seguir o processo legal "para empurrar com a barriga esse processo o máximo possível".
"Isso também poderia, em algum momento, gerar alguns atritos entre Argentina e Brasil, mas me parece que teria alguma argumentação para dizer que está sendo respeitado o processo legal", concluiu o cientista político.
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