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Autonomia financeira do Banco Central: mais interferência econômica do mercado no Brasil?

© Paulo Pinto/Agência BrasilCartaz segurado em frente ao Banco Central por manifestantes em ato das centrais sindicais pede redução da taxa de juros no Brasil. São Paulo, 18 de junho de 2024
Cartaz segurado em frente ao Banco Central por manifestantes em ato das centrais sindicais pede redução da taxa de juros no Brasil. São Paulo, 18 de junho de 2024 - Sputnik Brasil, 1920, 17.07.2024
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Defendida pelo atual presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, o Senado Federal discute a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que dá autonomia financeira à entidade. Especialistas ouvidos pela Sputnik Brasil divergem da iniciativa e também apontam riscos caso o tema seja aprovado.
Passadas as semanas de maiores tensões entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Campos Neto diante das discordâncias com relação à condução do Banco Central, o Congresso Nacional voltou a colocar em pauta a PEC que amplia a autonomia da entidade frente ao governo. Além de maior liberdade financeira, a proposta faz o órgão passar de autarquia especial para empresa pública, a exemplo do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Na prática, a mudança dá maior poder de decisão sobre o próprio orçamento, além de realizar contratações.
A expectativa era de que a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado votasse o texto nesta quarta-feira (17), o que definiria se o tema avançaria ou não no Parlamento. Porém, após um encontro do líder de governo na Casa, Jaques Wagner (PT-BA) com o relator e o autor da proposta, os senadores Plínio Valério (PSDB-AM) e Vanderlan Cardoso (PSD-GO), respectivamente, as discussões foram adiadas.
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O professor do Programa de Pós-Graduação em Economia da Universidade Federal Fluminense (UFF) André Nassif defendeu à Sputnik Brasil que a questão é controversa. Conforme o especialista, a independência dos bancos centrais ganhou força no mundo a partir da década de 1990, muito em função da pressão norte-americana para que os demais países do mundo também abrissem seus mercados financeiros e fluxos de capitais para a livre circulação. Tudo isso ainda reflete uma tendência econômica de que essas entidades devem atuar unicamente para promover e assegurar a estabilidade de preço, por meio da manutenção da inflação baixa e estável, acrescenta Nassif.
No capitalismo contemporâneo, de acordo com o especialista, há cerca de 40 países que ainda adotam o regime de metas de inflação explícitas, quando elas devem ser seguidas a todo custo — é o caso do Brasil.
"E usar o regime de meta de inflação explícita é uma forma de ancorar a estabilidade de preço, e acabou sendo fortalecida por conta da liberalização do fluxo de capitais, o que acaba deixando as taxas de câmbio voláteis, principalmente nos países em desenvolvimento. Junto com esse cardápio também veio a defesa da independência dos bancos centrais", declara.
Enquanto isso, outros objetivos governamentais que podem usar como ferramenta os bancos centrais, como o estímulo ao emprego e ao crescimento econômico, ficam em segundo plano.
"Estudos empíricos não são conclusivos para referendar que bancos centrais independentes conseguem manter a inflação baixa e estável mais do que bancos centrais que não são. Há entidades independentes que mantêm a inflação relativamente baixa, outros que não têm [independência] e fazem a mesma coisa. Após a crise de 2008, principalmente fora do Brasil, a teoria macroeconômica passou a ser uma autocrítica com relação principalmente ao conservadorismo das políticas monetárias. Em especial, o papel de só almejar a estabilidade de preço", enfatiza.

Diante desse novo cenário mundial, regimes de metas de inflação norteados por objetivos flexíveis passaram a ser defendidos no mundo, ao contrário da América Latina e, consequentemente, do Brasil, aponta Nassif. "O regime de metas de inflação, se ele é rígido demais, acaba tendo um custo social muito grande, porque toda vez que a inflação desancorar da meta, isso vai exigir uma política de juros às vezes muito alta, como tem acontecido no Brasil. O custo social disso é maior do que quando você vai comparar com o benefício de, às vezes, demorar muito para trazer a inflação para a meta."

Quem controla o Banco Central do Brasil?

Atualmente, uma autarquia federal vinculada ao Ministério da Fazenda, o Banco Central do Brasil, foi criado em dezembro de 1964. Após a autonomia do órgão aprovada no governo Jair Bolsonaro (PL), os presidentes passaram a ter mandatos fixos de quatro anos, que não são coincidentes ao período em que o chefe do Executivo fica no cargo. Com isso, Campos Neto segue até o fim do ano e, como foi indicado na gestão anterior, tem apresentado diversas rusgas com o Palácio do Planalto sob o comando de Lula.
Com a nova proposta, que pode transformar a entidade em empresa pública, o Banco Central também passa a acompanhar a dinâmica comercial vigente. Para o coordenador do MBA em gestão financeira da FGV, Ricardo Teixeira, não ficou tão claro qual foi o motivo dessa mudança. Esse também é um dos motivos do adiamento da votação na CCJ, já que a equipe econômica do governo, liderada pelo ministro Fernando Haddad, tem se colocado contra.

"Não há clareza sobre a vantagem da transformação do Banco Central em uma empresa pública do ponto de vista da independência da entidade. O que é necessário é fazer com que o Banco Central tenha um corpo técnico qualificado e que tenha tranquilidade para trabalhar. A gente não quer ter um corpo técnico que eventualmente possa sofrer pressão por conta, por exemplo, de eventuais substituições ou quando você tem uma orientação do Banco Central e uma eventual divergência do governo federal. É crucial um banco que possa efetivamente ser o guardião da moeda e proteger o país da melhor maneira possível", defende o especialista.

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Ao contrário do professor da UFF, Teixeira acredita que, com a independência da instituição, há liberdade para tomar as decisões necessárias para que o poder de compra da moeda, no caso o real, seja preservado.
"Então a gente quer trabalhar com o Banco Central de tal forma que, nos momentos em que houver necessidade, ele dê maior liquidez ao mercado e, nos momentos em que contrários, ele enxugue um pouco dessa liquidez. Com isso, atue de forma a sempre atender aos interesses maiores do país", pontua.
A taxa básica de juros, principal instrumento para controle inflacionário, é atualmente o maior motivo de embate entre governo e instituição. Uma pesquisa divulgada pela Quaest mostrou que 66% dos brasileiros concordam com as críticas de Lula à manutenção dos juros em 10,5% como entrave para o crescimento do país, índice que chega a 77% entre eleitores do petista e fica em 51% entre os bolsonaristas. Apesar do resultado, o coordenador da Fundação Getulio Vargas (FGV) defende que as decisões tomadas pelo Banco Central são técnicas e possuem embasamento.

"Claro que todos nós gostaríamos, por exemplo, de ter uma taxa de juros básica mais baixa. Agora, isso seria bom para o país? A princípio é bom para as famílias, para as pessoas físicas, num primeiro momento, porque você estaria pagando uma taxa de juros mais baixa, mas levaria a um problema com a inflação. Quando o Banco Central toma as decisões dele, por exemplo, de manter uma taxa mais elevada, o que ele está pensando é exatamente como controlar a inflação, como fazer com que a atividade do mercado seja regulada em parte por esse juros para não ter nem um aquecimento nem um desaquecimento […]. Então não necessariamente as pessoas físicas entendem qual é a dinâmica desse tipo de decisão", argumenta.

Além disso, Teixeira vê como acertadas as medidas tomadas pelo Banco Central nos últimos anos, quando a Selic chegou a 13,75% em 2022. Só no ano passado foi iniciada a redução na taxa, interrompida em 2024. Na época, o indicador colocou o Brasil com o segundo maior juro real do mundo e, ao mesmo tempo, a inflação no período ficou em 4,62%, a menor desde 2020.
"Então a grande pergunta que se faz é se você vai ser permissivo para que depois conserte a situação ou vai desde o primeiro momento manter sob controle? O que se tem feito nos últimos anos no Brasil é procurado manter a situação sob controle [a inflação]. Mesmo que algumas pessoas discordem das decisões tomadas, mas elas têm se mostrado acertadas", detalha.

Como a pandemia mexeu com a economia?

Ao longo de dois anos de pandemia, o índice inflacionário no Brasil superou 15%, o que foi reflexo do período. Porém, o professor André Nassif defende que o aumento "não teve a ver com o excesso de demanda" após a retomada das atividades, mas foi causado "basicamente por um choque de oferta e depois das cadeias produtivas no mundo inteiro, além da incerteza". Diante disso, o especialista discorda da decisão do Banco Central na época de aumento dos juros com tamanha intensidade. Situações como essa podem se tornar mais constantes com a autonomia maior da entidade, acredita Nassif.

"A tese é de que os bancos centrais devem ser independentes da pressão das políticas almejadas pelo governo, que é eleito democraticamente pela população. Em relação à autonomia financeira, isso me parece, no caso brasileiro, ainda mais estapafúrdio. Tem um trecho da lei que justifica a medida para que o Banco Central possa executar de forma mais eficiente as suas atividades, inclusive recrutar e manter pessoal de alta qualificação. Mas sempre foi assim", justifica.

Ainda em relação à taxa básica de juros, outro mecanismo que a entidade usa no Brasil para garantir que os demais bancos pratiquem um valor próximo ao definido é a venda dos títulos da dívida pública — quando há a constatação, por exemplo, de excesso de reservas e liquidez das instituições financeiras. Para fazer frente a isso, são vendidos os títulos do Tesouro, o que também garante recursos para a entidade brasileira. "O principal argumento que o Banco Central utiliza para a autonomia financeira é conseguir independência, inclusive para gerar lucros e receitas [no caso com os títulos]", diz.
Mas os dados da dívida pública consolidada no fim do ano passado, segundo Nassif, mostram que esses títulos usados para fazer política monetária chegam a consumir R$ 1,2 trilhão ou mais de 11% do produto interno bruto (PIB), "compostos no Banco Central para fazer operações".

"Esse problema é muito mais complexo do que simplesmente o fato de argumentar a necessidade da autonomia financeira para pagar melhor aos funcionários, porque essa mudança pode servir como estímulo para o próprio Banco Central aumentar as suas receitas, e, com isso, ser impelido a aumentar mais os juros do que seria o necessário para trazer a inflação para a meta", conclui.

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Nem pelo mercado financeiro nem pelo governo federal. Retomando o questionamento da reportagem e, apesar de defender a independência financeira do Banco Central, Ricardo Teixeira critica a interferência na entidade pelos dois lados.

"Quando vai para a votação [a PEC] no Congresso, ajustes podem ser feitos e deixar a porta mais aberta para que houvesse pressão maior sobre o órgão. E logicamente o que a gente quer é que a instituição esteja protegida dessa pressão para que as decisões possam ser decisões técnicas e, logicamente, com um olhar de médio e longo prazo de política pública, e não de política partidária. Nem pressionada pelo mercado nem pressionada pelo governo. Deve ser aquela decisão do melhor para o país", finaliza.

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