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Dólar em alta: Brasil e outras economias emergentes poderiam depender menos da moeda americana?

© Valter Campanato/Agência BrasilRecuo do PIB eleva temor de recessão nos EUA
Recuo do PIB eleva temor de recessão nos EUA  - Sputnik Brasil, 1920, 03.07.2024
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Apesar da queda da influência dos Estados Unidos, parte da economia mundial, sobretudo no Ocidente, ainda se guia em grande medida pela cotação do dólar. No Brasil não é diferente. Por que o país ainda é tão dependente das variações da moeda norte-americana e quais problemas isso traz para a sua economia?
Nos últimos dias, a alta do dólar, atribuída a atitudes do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, chamou a atenção sobre a importância da moeda estrangeira para a economia brasileira, sobretudo em um momento em que o país conta com outros indicadores positivos no setor.
Um levantamento da Austin Rating, considerando o Ptax — média diária do dólar calculada pelo Banco Central —, comparando 118 moedas do mundo, mostra que não é só o real que está perdendo valor em relação ao dólar. Outras 84 moedas/nações também estão se desvalorizando ante a moeda americana por diferentes fatores, como a inflação nos EUA em vários países e juros altos.
No Brasil, no entanto, o aumento foi visto por muitos como um grande problema resultante principalmente de medidas e declarações de Lula, cujas críticas ao presidente pró-mercado do Banco Central, Roberto Campos Neto, e defesas de mais investimentos sociais têm sido tratadas como indício de irresponsabilidade fiscal.
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Reduzir a dependência do dólar é uma preocupação já manifestada por diferentes membros do atual governo brasileiro. Atualmente, é uma das principais pautas debatidas pelo grupo BRICS, do qual o Brasil é um dos principais membros. Embora complicado e longo, esse processo é considerado cada vez mais plausível por diferentes atores do cenário internacional.

Alta do dólar e impactos no Brasil

Elton Gomes, doutor em ciência política e professor da Universidade Federal do Piauí (UFPI), abordou a questão da hegemonia do dólar e seu impacto na economia mundial e, especificamente, na brasileira. De acordo com ele, a posição dominante de uma moeda na economia global não é permanente, mas fruto de um processo histórico.

"Tem vários exemplos históricos, mas o que eu sempre digo é isto: hoje, o Brasil é um país que tem a sua economia grandemente carreada para a venda para o exterior, ou seja, para a exportação. Nós temos uma diplomacia de comércio, o que faz com que o Brasil não possa ter nem aliados incondicionais nem inimigos declarados, ou seja, o Brasil precisa manter sempre uma grande capacidade de exportação para manter as suas capacidades econômicas", exemplifica.

Nessa dinâmica, na qual a manutenção de uma forte capacidade de exportação é vital para a saúde econômica da nação brasileira, o dólar desempenha um papel crucial, sendo o principal referencial para a precificação internacional dos bens exportados e importados pelo Brasil.
A elevação do valor do dólar e, consequentemente, a desvalorização do real, tem um efeito cascata sobre todos os bens e serviços consumidos no país, alerta o analista. Isso inclui desde serviços básicos, como transporte, até operações complexas envolvendo multinacionais e grandes players econômicos.
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À reportagem, o economista e mestre em desenvolvimento regional e urbano Bruno Mota vai ao encontro do que diz Gomes:

"A alta do dólar afeta a vida dos brasileiros mais pobres, principalmente por meio do aumento dos preços dos produtos importados e daqueles que têm componentes importados. Além disso, produtos essenciais, como alimentos e medicamentos, podem se tornar mais caros, pois muitos são importados ou dependem de insumos estrangeiros. Isso reduz o poder de compra das famílias, aumentando o custo de vida e dificultando o acesso a bens e serviços básicos", detalha Mota à agência.

O economista continua: "É plausível que o cenário internacional tenha um impacto significativo na desvalorização do real. Fatores como a política monetária dos EUA, tensões geopolíticas e flutuações no preço das commodities podem afetar a moeda brasileira."
Ele pontua, ainda, que o Banco Central, que é independente do governo, pode e deve intervir vendendo reservas de dólares para aumentar a oferta e tentar reduzir o valor da moeda americana, diminuindo o impacto sobre a nossa economia e a população mais pobre.
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Para o economista especializado em planejamento e gestão pública pela Faculdade de Ciências Aplicadas da Universidade de Pernambuco (UPE) Brenno Almeida, a alta real do dólar é muito mais resultado de um movimento especulativo de mercado "que interfere naturalmente na oferta dessa moeda no mercado e do próprio comportamento do Banco Central que, de certa forma, apresenta relativa permissividade a esse comportamento especulativo".

"O controle de gastos está sendo feito. O governo não está se locupletando, gastando dinheiro para ampliar apoio político. Muito pelo contrário, as coisas estão sendo feitas por conta de necessidades de reconstrução do país. É importante a gente considerar que está em um contexto em que grande parte da máquina administrativa está sendo redimensionada para as demandas reais do país. Investimentos públicos estão sendo feitos de maneira a reconfigurar o perfil da nossa economia. A ampliação do crédito para o setor rural, por exemplo, é um fator significativo e, com relação a isso, o mercado fica calado", arremata Almeida.

Saúde fiscal

Gomes destaca que tanto a balança de pagamentos do Brasil como sua saúde fiscal são fatores interligados ao valor do dólar. Para ele, o Brasil já seguiu políticas macroeconômicas bem-sucedidas, iniciadas no governo de Fernando Henrique Cardoso, mantidas nos governos subsequentes.
No entanto, segundo ele, essas políticas começaram a ser subvertidas no governo Dilma Rousseff, resultando em uma grave recessão. Apesar de tentativas de correção nos governos de Michel Temer e Jair Bolsonaro, em sua avaliação, o professor observa uma mudança de direção com o atual governo de Lula, que tende a aumentar o gasto público sem cortes significativos, influenciado pela necessidade de atender a múltiplos interesses dentro do presidencialismo de coalizão brasileiro.
"As metas de superávit, as metas de inflação, as metas de juros para poder impedir a inflação e o superconsumo foram mantidas no Brasil durante o período de Fernando Henrique, foram mantidas e até tornadas mais ortodoxas nos governos iniciais de Lula", arguiu. "Mas elas [as metas] começaram a ser subvertidas no governo Dilma, gerando a maior recessão no período recente. Depois você teve a correção de rumos, a retomada disso lá no governo Temer. No governo Bolsonaro, se manteve um parâmetro semelhante, mas aí veio a pandemia. Ainda assim, foram adotados os elementos do receituário macroeconômico que, sim, têm sido bem-sucedido no Brasil. Mas ao retornar ao poder, o presidente Lula abriu mão de manter ou parece querer abrir mão de manter os instrumentos de política monetária que foram utilizados pelo Brasil com sucesso nos últimos 20 anos", argumentou.
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O analista também mencionou as recentes políticas do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que incluem aumentos de tributos, refletindo a tentativa de angariar recursos para políticas assistenciais e de intervenção estatal na economia.
"As medidas que foram defendidas pelo ministro da Fazenda atual, o ministro Fernando Haddad, resultaram em majoração de tributos. Então o dólar elevado tem efeito sistêmico, sobretudo na economia, [e isso] aumenta o preço de passagem, aumenta o preço da alimentação, aumenta o preço da informação e da tecnologia — produtos indispensáveis no mundo moderno. Então isso tem que ser levado em consideração", afirmou.

Desdolarização no horizonte do Sul Global

Elton Gomes sublinha a competição entre o dólar como moeda dominante e outros desafiantes emergentes, como o yuan chinês e o rublo russo — moedas de países que têm liderado os esforços para reverter o papel desempenhado pela moeda americana no sistema internacional.
Ele enfatiza que a hegemonia do dólar não se sustenta apenas pela força econômica dos Estados Unidos, mas também pela aceitação global da moeda. O grande desafio a essa hegemonia, em sua avaliação, é justamente fazer com que outras moedas tenham o mesmo grau de aceitação, algo que não acontece de um dia para o outro.
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O economista Brenno Almeida ressalta que as economias periféricas, em sua maioria, as economias do Sul Global, onde grande parte dos países do BRICS está, "são economias que têm o dólar como seu termo de troca importante, mas são economias hoje que concentram uma parcela significativa dos consumidores e da produção mundial. Então a gente vê um horizonte aí [para] que novas mediações possam ser feitas".

"No âmbito do Mercosul, isso também pode ser feito. Importante a gente lembrar que, na medida em que economias menos desenvolvidas operam com dólar como termo de troca principal, essa economia tem bastante dificuldade de se desenvolver, porque para ela o dólar é mais caro. […] Então a oferta de dólares é muito baixa nessas economias, e isso termina resultando em problemas."

De acordo com Almeida, diante dos problemas ligados à dependência do dólar, "novas configurações estão sendo feitas", de maneira a garantir "a outras economias menos desenvolvidas uma possibilidade de participar das trocas econômicas em âmbito global" de maneira mais efetiva.
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