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Análise: falta de celebração de Amílcar Cabral põe em xeque identidade e memória de Cabo Verde

© Acervo Amílcar Cabral / ReproduçãoAmílcar Cabral
Amílcar Cabral - Sputnik Brasil, 1920, 12.09.2024
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Neste ano é celebrado o centenário do líder da resistência contra o colonialismo português Amílcar Cabral. Nascido na Guiné-Bissau, Cabral, segundo especialistas ouvidos pela Sputnik Brasil, é uma figura crucial na formação de uma identidade nacional e na luta pela autodeterminação de países africanos.
Seu legado transcende fronteiras e continua a inspirar movimentos de justiça e igualdade em todo o mundo, de acordo com analistas entrevistados pelo podcast Mundioka, da Sputnik Brasil.
À medida que o centenário de Amílcar Cabral se aproxima, Cabo Verde enfrenta uma ausência notável de celebrações oficiais de um dos seus maiores heróis nacionais.
A esta agência, João Almeida, jornalista e professor de comunicação na Universidade de Cabo Verde (Uni-CV), expressou frustração com a falta de planos oficiais para homenagear Amílcar Cabral, uma figura central na luta pela independência da Guiné-Bissau e de Cabo Verde. Segundo Almeida, "os planos [do governo] são a ausência de plano". Ele explica que a falta de um programa governamental de celebração revela uma relação complicada entre o atual partido no poder, o Movimento para a Democracia (MpD), e a figura de Cabral.

"Temos uma relação similar e um pouco complexa com a memória coletiva e com a própria identidade cabo-verdiana", afirma Almeida. O MpD, atualmente no poder, tem suas raízes em uma divisão do Partido para a Independência de Cabo Verde (PICV), fundado por Cabral, que governou o país de 1975 a 1990.

O partido atual tem uma aproximação mais voltada para a Europa, o que, segundo Almeida, resulta em uma menor valorização das figuras históricas ligadas à luta anticolonial.
"E eles não são, digamos, os grandes admiradores de Amílcar Cabral", explica Almeida, destacando que essa postura do governo atual contribui para a falta de um reconhecimento oficial.
Apesar da falta de um reconhecimento oficial, Almeida destaca que "há uma fundação que se chama Fundação Amílcar Cabral", liderada por Pedro Pires, ex-presidente da República de Cabo Verde. Juntamente com intelectuais e organizações da sociedade civil, a fundação está organizando um programa de celebrações não oficiais, que inclui um simpósio internacional na Uni-CV e eventos programados que se estenderão até o final do mês.
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Com relação ao futuro, Almeida e outros acadêmicos estão engajados em projetos para promover a memória de Cabral entre os jovens e na sociedade em geral. "Estamos fazendo projetos, nós — quando digo nós, da universidade, mas também da sociedade civil, da Fundação Amílcar Cabral — estamos a fazer uma série de movimentações de projetos memoriais que permitam celebrar Amílcar Cabral nas suas várias dimensões", pontuou o especialista.

Relevância na decolonização

O podcast Mundioka também conversou com Rubilson Velho Delcano, professor de antropologia da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), sobre a relevância e o impacto do líder africano.
Para Delcano, Cabral foi mais do que um revolucionário; foi um pensador que entendia a descolonização como um processo abrangente.

"Ele acreditava que a descolonização envolvia não apenas a expulsão do poder colonial, mas também a recuperação da identidade cultural dos povos oprimidos", explicou Delcano.

A importância de Cabral transcendeu fronteiras e épocas, conforme destacado pelo professor. Segundo ele, apesar do reconhecimento tardio, Cabral teve um papel crucial em colocar a questão da emancipação africana em pauta nas Nações Unidas.
"Como disse há dias o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, Cabral colocou em pauta nas Nações Unidas a preocupação desses países sobre a questão da emancipação, a independência."
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Seu panafricanismo buscava unir os países africanos contra o domínio colonial, e sua diplomacia foi fundamental para a luta conjunta de nações como Angola, Moçambique e São Tomé e Príncipe.
A comparação entre o ativista decolonialista e outras figuras icônicas da luta anticolonial, como Nelson Mandela e Che Guevara, revela a magnitude de sua influência. Segundo Delcano, enquanto Mandela representava a luta pela liberdade na África do Sul e Guevara expandia a revolução para além de Cuba, Cabral se destacou por sua capacidade de unir países africanos em uma luta comum contra a opressão portuguesa.

"Amílcar Cabral se destaca como uma das maiores figuras africanas do século XX pela sua capacidade de conseguir conciliar para uma única luta Cabo Verde e Guiné-Bissau."

A notoriedade do ativista não é universalmente reconhecida, em parte devido à geopolítica e ao menor foco midiático sobre a África Ocidental. Contudo sua influência é indiscutível dentro do contexto africano e nos círculos anticoloniais.
"Cabral tem sido, ou tem se destacado, cada vez mais como uma figura gigantesca, reverenciada por sua notável inteligência, habilidade estratégica e profundo compromisso com a liberdade", afirma Delcano.
Se estivesse vivo hoje, o especialista acredita que Amílcar Cabral estaria na vanguarda das questões contemporâneas de desenvolvimento sustentável, justiça social e governança.
"Compreendia que a independência política era apenas o primeiro passo, e que a verdadeira luta seria por uma economia e sociedade justas", explicou o professor. Segundo ele, o ativista sempre teve uma forte ligação com a terra e a natureza, e certamente estaria engajado em questões globais, como a luta contra as mudanças climáticas, além do fortalecimento de instituições democráticas e a causa feminina.
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