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Análise: ausência de política de Estado de Milei prejudica comércio da Argentina com o Brasil

© AP Photo / Eraldo PeresJavier Milei participa da reunião de líderes da Cúpula do G20, no Rio de Janeiro. Brasil, 18 de novembro de 2024
Javier Milei participa da reunião de líderes da Cúpula do G20, no Rio de Janeiro. Brasil, 18 de novembro de 2024 - Sputnik Brasil, 1920, 10.12.2024
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Em entrevista à Sputnik Brasil, especialistas afirmam que decisão do presidente argentino de reduzir o papel do Estado na economia, somada a questões ideológicas, esfriaram o comércio entre os países, e frisam que os EUA e a China, embora sejam importantes parceiros comerciais da Argentina, não garantem uma alternativa ao Brasil.
O governo do presidente argentino, Javier Milei, completa um ano nesta terça-feira (10), marcado pelo esfriamento das relações políticas e comerciais com o Brasil e o afastamento do Mercosul.
Segundo dados divulgados na semana passada pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços do Brasil, entre janeiro e outubro deste ano foi registrada queda de 24,8% nas exportações brasileiras para a Argentina — maior parceiro comercial do Brasil na América do Sul e terceiro no cenário global, atrás apenas de China, em primeiro lugar, e EUA, em segundo.
Segunda a pasta, entre janeiro e outubro, as exportações do Brasil para a Argentina totalizaram US$ 11,2 bilhões (cerca de R$ 67,2 bilhões), uma queda em relação aos US$ 14,9 bilhões (cerca de R$ 89,4 bilhões) registrados no mesmo período do ano passado. Em contraponto, o Brasil aumentou em 9,7% a importação de produtos argentinos, totalizando US$ 11,14 bilhões (cerca de R$ 66,8 bilhões).
A balança comercial do Brasil com o país vizinho continuou superavitária, mas com o saldo caindo de US$ 4,75 bilhões (R$ 28,93 bilhões) para US$ 69 milhões (R$ 417,15).
Em entrevista à Sputnik Brasil, especialistas analisam se a queda no comércio entre os países pode ser uma tendência ao longo de toda a gestão de Milei na Casa Rosada.
Bruno Lima Rocha, cientista político, jornalista e professor de relações internacionais, avalia que as condições de importação da Argentina diminuíram em decorrência da crise econômica e da desvalorização do peso em relação ao dólar, o que afetou a complementaridade da indústria argentina com a brasileira.
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Ele afirma que a dimensão ideológica afetou a relação entre Brasil e Argentina, mas que o principal fator que levou ao cenário atual é a falta de uma política industrial e de integração no governo Milei.

"Não se faz política de importação com caixa próprio, pouquíssimas empresas no mundo fazem isso. Recorrem a linhas de apoio do Ministério de Comércio Exterior ou uma casa [pasta] semelhante que, no caso da Argentina, é a Secretaria de Comércio. Então isso aí também incide. Sem uma política de Estado para garantir a complementariedade e as importações, é muito difícil fazer qualquer coisa. Pode ver o colosso que é o agro brasileiro, que não existiria se não fosse o Plano Safra, por exemplo", afirma.

Rocha ressalta que a ausência de uma política de Estado afeta a implementação de um sistema de trocas necessário para a importação e a exportação.
"Porque cada produto que é vendido para um país precisa de uma série de adequações à legislação daquele país e vice-versa, e isso não se faz de uma hora para a outra; se perde de uma hora para a outra. Esse é que é o problema. Para fazer demorar muito e, para perder, é rapidinho. Então, sim, o não governo ou desgoverno é a dimensão material concreta da ideologia nefasta de Javier Milei, de não querer a integração latino-americana e subordinar diretamente aos EUA como a grande hegemonia do Norte [Global]."
Cairo Junqueira, professor do Departamento de Relações Internacionais da Universidade Federal de Sergipe (UFS) e pesquisador do Observatório de Regionalismo (ODR), considera que a tendência atual de esfriamento nas relações comerciais entre os países deve se manter porque tem muito a ver com as mudanças internas da Argentina que Milei vem fazendo.
Segundo ele, "questões comerciais são muito pragmáticas e, por vezes, ficam à margem de aspectos ideológicos".

"O distanciamento entre Milei e Lula é importante e deve ser considerado, mas a situação econômica explica mais esse dado recente. Veja, por exemplo, que Milei disse que sairia do Mercosul, mas semana passada esteve presente na reunião com von der Leyen da UE [União Europeia] para tratar do acordo [do Mercosul] com a UE em si. Ou seja, alguns interesses se sobressaem aos embates ideológicos em determinados momentos como esse."

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Questionado se a aproximação com os EUA ou com a China pode oferecer a Milei uma alternativa ao Brasil, Junqueira afirma que, embora ambos os países sejam parceiros importantes para a Argentina, não há alternativa ao Brasil.
"Digo isso porque os dois [Brasil e Argentina] estão no Mercosul, fazem fronteira, têm relações históricas já consolidadas. Obviamente, hoje, o mercado é globalmente mais integrado em virtude das cadeias globais de valor. Entretanto, por critérios nitidamente geográficos, de infraestrutura e, mesmo, diplomáticos, os dois países mantêm uma relação de interdependência. Vale lembrar o contrário: também interessa ao Brasil o comércio com a Argentina, são grandes parceiros", explica.
Para Beatriz Bandeira de Mello, cientista política e doutoranda em relações internacionais na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), por ora, a tendência de afastamento entre os países existe, "mas ela não é irreversível, dado o peso comercial do Brasil para a economia argentina".
"A opção em manter esse afastamento, no longo prazo, pode causar o congelamento das relações entre os dois países, o isolamento argentino na região e ruídos nos projetos de integração regional. Com isso, Milei ainda pode causar problemas internos, sobretudo com a indústria local, que é a maior beneficiária das exportações ao mercado brasileiro. Contudo, é possível dizer que o governo argentino tem adotado certa dose de pragmatismo nas relações com o Brasil, dada, por exemplo, a assinatura do Memorando de Entendimento para a exploração do gás natural na [reserva de] Vaca Muerta e a participação na Cúpula do G20", afirma.
Mello enfatiza que, em termos práticos, tanto a situação econômica da Argentina quanto o aspecto ideológico de Milei contribuíram para o distanciamento atual. Ela frisa que, no último ano, a alta inflação e a crise econômica que a Argentina enfrenta se tornaram entraves às tratativas comerciais, somadas às propostas do governo em diminuir o gasto público e o papel do Estado na economia.
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"Em termos ideológicos, Milei tem priorizado acordos bilaterais, o fortalecimento do setor agrário e a busca pela diversificação de parcerias, com foco na Europa, em Israel e nos EUA. A opção por se afastar de governos considerados 'comunistas', incluindo o Brasil, pesou nessa diminuição, tornando a agenda entre os dois países restrita a negociações correntes, sem grandes anúncios ou acordos."

Ela acrescenta que, por outro lado, as exportações do país vizinho para os EUA cresceram 12% e Milei vem tentando se aproximar da Índia e do Japão, que são mercados importantes para o escoamento de produtos como o azeite e a farinha de soja e, também, da União Europeia, com a qual a Argentina registrou um comércio superavitário.
"A chancelaria [argentina] também atuou na abertura de novos mercados na África do Sul e na Namíbia, por exemplo, mostrando mais uma vez essa inclinação ao comércio bilateral."
Sobre a possibilidade de encontrar parceiros alternativos ao Brasil, a especialista afirma que a estrutura da economia argentina é baseada em uma alta concentração de produtos primários, o que torna o país pouco competitivo em mercados globais de alto valor agregado.
Ela destaca que o governo argentino tem incrementado a exportação de lítio aos EUA, fundamental para as grandes empresas de tecnologia, o que fortalece a relação entre ambos, e membros do governo já falam sobre iniciar tratativas para um acordo de livre comércio com o país do Norte.
Segundo Mello, essa possibilidade já era almejada desde o governo de Mauricio Macri (2015–2019), mas o retorno de Donald Trump à presidência dos EUA, com uma política comercial mais protecionista e contrária ao estilo de livre comércio desejado por Milei, ameaça gerar entraves nas tratativas comerciais.
"Nesse cenário, tanto o Brasil quanto o Mercosul ainda funcionam como os principais caminhos para a escoação da produção argentina, junto a outros parceiros como a China. Milei e sua equipe econômica têm percebido isso e atuam no sentido de manter as relações com o bloco e com o gigante asiático em um patamar estável. Prova disso foi a participação do presidente argentino na última Cúpula do Mercosul e o apoio, com ressalvas, ao acordo firmado com a União Europeia", conclui a especialista.
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