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Plano de Milei de construir cerca entre Argentina e Bolívia é 'medida midiática'

© AP Photo / Eraldo PeresJavier Milei, presidente argentino, participa da reunião de líderes da Cúpula do G20, no Rio de Janeiro. Brasil, 18 de novembro de 2024
Javier Milei, presidente argentino, participa da reunião de líderes da Cúpula do G20, no Rio de Janeiro. Brasil, 18 de novembro de 2024 - Sputnik Brasil, 1920, 29.01.2025
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O presidente da Argentina, Javier Milei, anunciou recentemente que vai instalar uma cerca de 200 metros de comprimento em um dos pontos fronteiriços com a Bolívia. O motivo seria proteger uma zona "repetidamente vulnerabilizada pelo narcotráfico para o ingresso de cocaína", de acordo com o Ministério da Segurança, comandado por Patricia Bullrich.
A Sputnik consultou especialistas sobre as implicações e o contexto por trás dessa política que gerou debate midiático em ambos os países afetados.
Bolívia e Argentina compartilham 742 quilômetros de fronteira. A cerca de 200 metros no município argentino de Aguas Blancas deixaria ainda uma ampla margem para o desenvolvimento de atividades ilícitas.
O presidente boliviano Luis Arce propôs que ambas as nações coordenem estratégias para que a proteção fronteiriça seja realmente eficaz.

"Os temas fronteiriços devem ser tratados por meio de mecanismos de diálogo bilaterais estabelecidos entre os Estados para encontrar soluções coordenadas para questões em comum. Qualquer medida unilateral pode afetar a boa vizinhança e a convivência pacífica entre povos irmãos", expressou a Chancelaria boliviana em um comunicado.

Do lado argentino, no entanto, argumenta-se que não há motivo para consultar a Bolívia, já que a cerca estaria situada em Aguas Blancas, a 500 metros do limite binacional.
O passo fronteiriço está separado pelo rio Bermejo, que nasce no departamento de Tarija, na Bolívia, e se junta a outros rios da Bacia do Prata, cujas águas desembocam no rio da Prata, entre a província argentina de Buenos Aires e a República do Uruguai.
O Bermejo, que tem um fluxo reduzido na maior parte do ano, é atravessado por "chalanas", como são chamados os barcos que transportam bolivianos e argentinos de um lado para o outro, com um custo de 50 centavos de dólar (cerca de R$ 3) por viagem.

'Vai ser um galinheiro'

Embaixador da Argentina na Bolívia de 2012 a 2015 e de 2021 a 2023, Ariel Basteiro, afirmou em entrevista à Sputnik, que uma cerca de 200 metros dificilmente servirá para combater seriamente o narcotráfico.

"Trata-se de um primeiro balão de ensaio, para ver se isso passa despercebido. Para mim, colocar a cerca até faz sentido, porque é necessário organizar a passagem pela Migrações. [...] Instalar uma cerca de 200 metros em uma fronteira de 742 quilômetros obviamente não servirá aos fins que Bullrich, o governador de Salta [Gustavo Sáenz] e o interventor de Aguas Blancas dizem. Essa cerca não é para frear nem atacar o narcotráfico e a delinquência. É simplesmente para organizar o trânsito que precisa passar pela Migrações de ambos os países", argumentou Basteiro.

O governo de Milei publicou no Boletim Oficial a licitação para a construção da mencionada cerca, que teria três metros de altura e arame farpado no topo. Para Basteiro, na Argentina, "querem fazer parecer que estão construindo a Grande Muralha da China, mas, na realidade, vai ser um galinheiro".

Contexto regional

Nos últimos dias, o governo dos Estados Unidos iniciou sua política de deportações de imigrantes ilegais. México, Colômbia e Brasil foram alguns dos países da América Latina que receberam aviões com os deportados na sequência da ordem de Donald Trump. Os direitos humanos ficaram de lado nessas transferências.
Vários deportados viajaram algemados de pés e mãos, inclusive no Brasil, que chegou a pedir explicações ao embaixador dos Estados Unidos no país.
Na visão de Basteiro, o governo argentino quer aplicar a mesma política de Trump, embora em uma versão mais humilde.

"Milei tenta se sintonizar com os discursos de Trump e sua política migratória. Também é uma medida midiática, que inclui critérios xenófobos e discriminatórios cada vez mais fortes", afirmou.

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A cerca se insere em outras políticas que afetam a população boliviana, uma das maiores comunidades estrangeiras na Argentina, escolhida como lar para cerca de 2 milhões de bolivianos.
Durante 2024, Jujuy e Salta, onde fica Aguas Blancas, estabeleceram cobranças por atendimento médico em hospitais públicos para cidadãos estrangeiros, principalmente bolivianos, já que essas províncias fazem fronteira com o Estado Plurinacional.
Atualmente, o governo nacional trabalha em uma reforma migratória com o objetivo de fazer com que universidades públicas cobrem de estudantes estrangeiros não residentes.
A presidente das Juventudes do Movimento ao Socialismo (MAS) do departamento de Chuquisaca (centro-sul), Teresa Rivera, contou à Sputnik que "muitos médicos e profissionais da Bolívia realizam suas especializações em universidades da Argentina, porque consideramos que é um país com um nível educacional elevado".
A jovem líder lembrou a interação populacional entre as duas nações. "Sinto que essa política do governo de Milei é discriminatória conosco, bolivianos. Deveria haver mais tolerância e respeito, considerando que somos povos historicamente irmãos".
Rivera lembrou que a Bolívia se tornou membro pleno do Mercosul em 2024, se juntando à Argentina, ao Brasil, Paraguai e Uruguai no bloco.

Reações oficiais

Segundo o comunicado da Chancelaria da Bolívia, o governo de Arce "solicitará, por meio dos canais diplomáticos, informações sobre esse tema para empreender as ações que forem necessárias".
O ministro da Justiça, César Siles, disse em entrevista coletiva que a cerca em Aguas Blancas "vai contra os princípios mais elementares de convivência internacional e dos tratados que nos regem".

Contexto histórico

Nas décadas de 1980 e 1990, os governos bolivianos permitiram a operação de forças militares dos Estados Unidos em seu território, dedicadas a executar o plano de "coca zero", ignorando os usos ancestrais dessa planta, que são muito diferentes da produção moderna de cocaína.
Após várias décadas, o governo argentino voltou a considerar a folha de coca como uma "droga", uma planta que é tradicionalmente mascada em várias regiões da Bolívia, assim como no norte da Argentina. Muitas vezes, os "bagayeros" transportam essas folhas para vender em pequena escala, já que a produção de narcóticos exigiria um volume muito maior de coca.
Longe de cumprir seu objetivo, atualmente a Constituição boliviana reconhece o "pijcheo" (mascar) de folhas de coca como um componente essencial das culturas andinas.
Para Basteiro, o governo argentino "pretende satanizar e criminalizar todo tipo de atividade que não lhes traga algum proveito econômico ou comercial" e tirar proveito político da questão, "sabendo que a sociedade argentina está inclinada à direita", acrescentou.
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