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'Duas faces da mesma moeda': o que será do conflito entre Irã e Israel?

© AP Photo / Gabinete do Líder Supremo do IrãO líder supremo do Irã, aiatolá Ali Khamenei, lidera a oração do Eid al-Fitr, marcando o fim do mês sagrado de jejum dos muçulmanos, o Ramadã, em Teerã, em 10 de abril de 2024
O líder supremo do Irã, aiatolá Ali Khamenei, lidera a oração do Eid al-Fitr, marcando o fim do mês sagrado de jejum dos muçulmanos, o Ramadã, em Teerã, em 10 de abril de 2024 - Sputnik Brasil, 1920, 17.02.2025
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Após um ano conturbado no Oriente Médio, as tensões parecem arrefecer na região marcada pelos conflitos entre Israel e vários vizinhos, sendo o mais poderoso deles o Irã. No histórico entre esses dois atores, contudo, tudo pode acontecer… até mesmo a paz?
As relações israelo-iranianas foram tema do episódio desta segunda-feira (17) do Mundioka, podcast da Sputnik Brasil apresentado pelos jornalistas Melina Saad e Marcelo Castilho.
Para isso, entrevistaram Jorge Mortean, mestre em estudos regionais do Oriente Médio pela Escola Internacional de Relações Exteriores da República Islâmica do Irã e atual doutorando em geopolítica do oceano Índico na Universidade de São Paulo (USP).
O especialista, único brasileiro a ganhar uma bolsa de estudos do governo iraniano, iniciou sua participação lembrando ao programa que as sementes da instabilidade no local foram plantadas pelas ações das nações ocidentais, por um lado sedentas pelo petróleo da região e, pelo outro, criando o Estado de Israel.
Em 1948 ocorre a fundação de Israel, e, em menos de quatro anos, há "praticamente uma revolução constitucional no Irã", e o petróleo, até então nas mãos dos britânicos, foi nacionalizado. Foram dois movimentos de afirmação nacional que "mudaram muito rápido os interesses econômicos" da região.
Na época, mais da metade do petróleo consumido pelo Ocidente provinha do Irã, e, como pode-se esperar, a notícia da nacionalização não foi bem recebida pelas potências euro-atlânticas. Em um golpe de Estado, o primeiro-ministro Mohammed Mossadegh é removido do poder e o xá Mohammad Reza Pahlavi, filho do ex-monarca Reza Shah, assume o controle do país.
Ainda que não tenha retornado o controle da exploração de petróleo para as mãos do Ocidente, o xá se torna um defensor dos interesses econômicos das potências ocidentais.

"Esses dois países [Israel e Irã], naquele tempo, do começo dos anos 1950 até os anos 1970, são os grandes Estados marionetes do Ocidente naquela região", diz Mortean.

Enquanto isso, na época, os países árabes, pouco desenvolvidos — "há poucas décadas Dubai era uma cidade-Estado com uma rua só asfaltada, e hoje a gente vê a potência econômica e financeira que são os Emirados, muito às custas do dinheiro ocidental", comenta Mortean —, eram preteridos dentro da ordenação geopolítica tanto pela produção incipiente de petróleo quanto pela sua relação de inimizade com Israel.
Por outro lado, Irã e Israel, por mais estranho que pareça à luz da atualidade, eram aliados. "Não era só um alinhamento diplomático", explica Mortean, "havia uma grande troca entre os dois países. Eram os países ditos mais ocidentalizados do Oriente Médio […] e que desenvolviam as melhores relações com os Estados Unidos".
O presidente do Irã, Masoud Pezeshkian, ouve o comandante do Exército iraniano, general Abdolrahim Mousavi, durante o desfile das Forças Armadas que marca o aniversário do início da guerra contra o Iraque, há 44 anos. Teerã, Irã, 21 de setembro de 2024 - Sputnik Brasil, 1920, 11.11.2024
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A Revolução Iraniana de 1979

No entanto, o especialista aponta que tudo muda com a Revolução Iraniana de 1979. Ao expulsar o regime pró-ocidental do poder e definir uma linha pró-islâmica, "não fazia sentido" manter a boa relação com Israel, um país alinhado ao Ocidente e que estava envolvido em um conflito com os palestinos.
Nesse ponto, aponta o analista, outra semelhança surge entre Irã e Israel: ambos os países clamam para si o título de pátria religiosa, Israel dos judeus e Irã dos muçulmanos, principalmente os xiitas.
E nesse vácuo de poder criado pelo fim das relações Irã-Israel, é aberto um espaço de diálogo para que os países árabes se aproximem da nação hebraica, explicita Mortean.
Ocorre que há centenas de anos os iranianos são vistos com desconfiança por parte do mundo árabe, seja por séculos de dominação territorial prévia ao nascimento do mundo islâmico, seja pela dominação política ocorrida depois pelo Califado Abássida, o único de orientação xiita e fortemente influenciado pelos persas.

"Além de tudo, Israel e Irã, apesar de suas diferenças em termos de território, capacidade econômica e tamanho demográfico, eles impõem, cada um à sua maneira, a sua influência em toda a região."

Esse mesmo receio quanto à influência iraniana no Oriente Médio levou à eclosão da Guerra Irã-Iraque de 1980. O impasse da guerra, que durou quase oito anos e deixou 2 milhões de mortos e feridos, amedrontou tanto Israel quanto os árabes pelo poderio bélico que o Irã pôde recrutar em meio ao caos da reorganização do país após a revolução islâmica.
No entanto, o que mais assustou os rivais geopolíticos do Irã foi a rapidez com que o país conseguiu se reerguer nos pós-guerra, muito em parte graças às vendas do petróleo para a China.
Nesse meio tempo, na outra ponta, os árabes passaram a ser os grandes aliados norte-americanos dentro do setor produtivo de hidrocarbonetos, lembra Mortean.
O rei saudita, Salman bin Abdulaziz Al Saud, presenteia o presidente dos EUA, Donald Trump, com a mais alta honraria civil, o colar de Abdulaziz Al Saud, no Palácio da Corte Real, em Riad, Arábia Saudita, em 20 de maio de 2017 - Sputnik Brasil, 1920, 10.02.2025
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Duas nações 'miméticas'

Para o especialista, as similaridades, quase que ontológicas, entre os dos países não param apenas em sua história. Esse "mimetismo" pelo qual ambas as nações passam faz com que hoje elas sejam "duas faces de uma mesma moeda".

"Qual é a moeda? A moeda de equilíbrio de forças regionais no Oriente Médio."

O Oriente Médio possui uma frágil divisão geopolítica, diz Mortean, calcada no pós-Segunda Guerra, quando as nações ocidentais não possuíam mais meios para manter suas colônias na região e tiveram de abrir espaço para os governos locais.
Só que em vez de se arranjarem em fronteiras e governos representativos, os espaços geopolíticos foram fracionados e "têm regimes que não são legítimos perante a sua população". Esse descontentamento popular pôde ser visto durante os protestos da Primavera Árabe, segundo o especialista.
Dessa forma, para se manter no poder, esses governantes usam tanto da religião quanto das ameaças representadas por Israel e pelo Irã. "Cada uma em um canto geográfico da região, como inimigos perfeitos para que essas elites árabes se mantivessem no poder."
Da mesma maneira, os governos de Israel e do Irã também precisam da ameaça um do outro para se legitimarem a suas populações. "Um não pode sobreviver sem o outro, são de fato duas faces opostas de uma mesma moeda."

"Se Israel acabar, o Irã não tem mais motivo para tanta belicosidade para com os árabes, e vice-versa. Se o Irã acaba, o jogo regional de Israel acaba ficando sem sentido para o seu entorno árabe."

É possível alcançar a paz entre Irã e Israel?

Por conta disso, a nação iraniana e a nação hebraica tendem a manter sempre uma relação conflituosa. Não uma que necessariamente vise a uma destruição mútua, mas sempre um conflito indireto, como "ofensas trocadas em fóruns multilaterais, boicote, sabotagem e espionagem".
Segundo Mortean, enquanto não houver uma mudança no governo de algum desses dois países, não haverá alguma solução pacífica para toda a região. Isso inclusive não interessa a ninguém, revela o estudioso, nem aos árabes da região nem aos Estados Unidos.
"Mexer hoje com o Irã é mexer em um vespeiro", uma vez que afeta tanto os interesses energéticos chineses quanto a diplomacia da Rússia, com quem o Irã mantém importantes laços de amizade, "inclusive com vistas a desenvolvimentos de infraestrutura logística, principalmente naval-ferroviária".

"Por isso não vemos [Donald] Trump [presidente dos EUA] atacando os iranianos diretamente, porque isso implica mexer em um peão do xadrez geopolítico russo muito importante."

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