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Brasil 'tenta pegar água com a mão' ao buscar regulamentação das redes sociais, nota analista

© Foto / Rovena Rosa / Agência BrasilO ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e então presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes, participa da celebração dos 100 anos do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCESP), no Memorial da América Latina, em 6 de maio de 2024
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e então presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes, participa da celebração dos 100 anos do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCESP), no Memorial da América Latina, em 6 de maio de 2024 - Sputnik Brasil, 1920, 05.03.2025
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Em entrevista à Sputnik Brasil, especialistas afirmam que o marco da soberania de um país hoje é ter suas próprias plataformas de redes sociais e destacam que a presença das big techs mina essa soberania, obrigando os Estados a seguir padrões estabelecidos pelos Estados Unidos.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva se reuniu na semana passada com os presidentes Gabriel Boric, do Chile; Gustavo Petro, da Colômbia; e Yamandú Orsi, do Uruguai; e o primeiro-ministro Pedro Sánchez, da Espanha. No encontro, foram discutidas estratégias para combater a desinformação e o uso malicioso das redes sociais.
A ação faz parte da luta protagonizada pelo Brasil pela regulamentação das plataformas, demanda que também era defendida pela União Europeia (UE), mas que perdeu o impulso no continente por conta do estado frágil de suas principais economias.
O tema se tornou mais crítico nos últimos meses, após a ascensão de Donald Trump à presidência dos EUA, com forte apoio dos donos das big techs, sobretudo do bilionário Elon Musk.
Em entrevista à Sputnik Brasil, Mateus Mendes, mestre em ciência política e autor de "Guerra híbrida e neogolpismo" e de "É a ideologia, estúpido!", afirma que os ataques proferidos por Musk contra o Judiciário brasileiro, principalmente contra o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), são apenas "um dos embates entre as companhias big techs e os diversos Estados nacionais".

"Por trás desse discurso [das big techs] de liberdade irrestrita de expressão, o que tem […] realmente é uma questão de forma de capitalização, porque a forma como essas empresas atuam, elas não querem ter limite para isso. Então qualquer forma de interferência no sistema de negócios deles é vista como uma ofensiva."

Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), durante a solenidade comemorativa ao Dia do Soldado, no Quartel-General do Exército. Brasília (DF), 22 de agosto de 2024 - Sputnik Brasil, 1920, 27.02.2025
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Ele afirma que a batalha pela regulamentação das redes foi perdida no Legislativo, mas vem sendo bem-sucedida no Judiciário porque a vitaliciedade garantida aos ministros da Corte permite que eles atuem de forma contra-hegemônica.
"Então o Alexandre de Moraes tem conseguido dar uma resposta, tem conseguido enfrentar com mais firmeza [as big techs] no Judiciário."
Ele acrescenta que hoje a questão não se trata apenas de regulamentar por conta da proteção de dados pessoais, como antes, mas abrange também a atuação do próprio processo de aprendizado dos algoritmos das redes e das estratégias de microtarget comportamental.
"A questão do microtarget é central. Pelo microtarget, as mídias sociais conseguem identificar os comportamentos, perfilar a população e identificar os gatilhos que fazem ter esse ou aquele comportamento, e isso independe dos dados pessoais […]. É uma questão muito mais profunda, e é disso que se trata, porque é assim que as big techs hoje conseguem influenciar o debate político, elas conseguem influenciar o comportamento político, eleitoral e ideológico das pessoas."
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Nesse contexto, Mendes avalia que a atuação do Judiciário não é de forma alguma uma censura, e afirma que o que os EUA e as big techs desejam fazer é impor a jurisdição norte-americana ao resto do mundo, de forma extraterritorial.

"Não se trata de uma censura. Aqui no Brasil a liberdade de expressão é garantida. O que eles estão querendo é a liberdade para cometer crimes. Eles estão querendo a liberdade para praticar condutas tipificadas pelo Código Penal brasileiro, e aí defendendo o manto da liberdade de expressão. Se nos EUA a pessoa pode livremente defender teses eugenistas, teses neonazistas, é um problema dos EUA. Aqui no Brasil isso não pode, e eu tendo a concordar mais com a legislação brasileira."

Ele afirma que o caso das big techs ilustra a reformulação dos limites de um Estado nacional, que antes era físico e hoje tem fronteiras fluidas no ciberespaço incapazes de serem defendidas em um combate físico para o qual estão preparadas as Forças Armadas.

"Realmente [o caso das big techs] impõe uma nova forma de discussão acerca do que vem a ser uma fronteira. No mundo da Indústria 4.0, os dados são uma das principais fontes de renda, de riqueza, de poder, então isso está fluido, isso não é protegido pela fronteira. Porque uma riqueza, se a gente pensasse na geopolítica 20 anos atrás, você protege a fronteira, você protege a riqueza nacional e garante a estabilidade do Estado nacional. Hoje, com essa fluidez do ciberespaço, isso não é mais verdade."

Hugo Albuquerque, jurista, editor da Autonomia Literária e analista geopolítico, afirma à reportagem que hoje a única saída para o Brasil no embate com as big techs seria criar redes sociais próprias, como fizeram Rússia e China, ou abrir para redes sociais de outras partes do mundo e inserir isso no pacote gratuito a que as pessoas têm direito.
"Do contrário, um esforço de regulação de redes sociais que não são brasileiras, são americanas, […] é mais ou menos como você tentar pegar água com a mão; isso nunca vai dar certo. Parece até um pouco ingênuo."
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Ele afirma que o que "o Judiciário está propondo não é censura", e que "o Brasil tem de exercer a sua soberania", e frisa que todas as empresas que atuam no país, de qualquer ramo, "primeiro precisam estabelecer um escritório aqui", pois precisam existir fisicamente no Brasil para poder ser intimadas, processadas, "não só em relação a conteúdo, mas em relação a questões trabalhistas, cíveis, tributárias".

"O que o STF está fazendo não é errado. O grande problema é que essas empresas são de propriedade de figuras pessoais e que têm interesses políticos. Por essa razão, estrangeiros não podem ter concessão de televisão e rádio no Brasil, então por que com as redes sociais é diferente? Não faz o menor sentido."

Ele afirma ainda considerar ingênua a saída pela regulamentação, e considera que "o marco da autonomia de um povo, da autonomia de um país, hoje, no mundo, é ter redes sociais próprias".
"Assim como em dado momento [o marco] foi ter o próprio sistema de radiodifusão, de televisão e de cinema, se a gente estudar a história de todos os países que se industrializaram e tiveram proeminência no século XX, eles construíram isso. O Brasil, de certa forma, construiu também, só que não construímos para as redes sociais, porque a gente ficou para trás tecnologicamente. Só que a gente tem de assumir essa tarefa e não fazê-la pela metade. Novamente, eu ressalto que a regulamentação é efêmera, ela não vai resolver o problema", afirma.
Samuel Braun, cientista político e professor de políticas públicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), afirma à Sputnik Brasil que o que Lula busca é uma governança global para o ambiente digital, com foco em proteção da privacidade, combate à desinformação e garantia da soberania nacional sobre dados.
Segundo ele, o objetivo seria um meio-termo entre as principais estratégias da comunidade internacional, um equilíbrio entre a estratégia europeia de proteger a privacidade dos usuários, garantir a concorrência justa e limitar o poder dessas empresas, e a estratégia chinesa, calcada no controle estatal e na autossuficiência tecnológica.
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"São caminhos bem distintos. A estratégia chinesa aponta para o enfrentamento direto ao poder dos oligarcas da comunicação, não deixando terceirizada para eles a demanda popular por ambientes de troca de informações, enquanto a Europa opta por agir de forma reativa, priorizando a priori a propriedade privada dos meios de comunicação dos oligarcas ao direito de informação e ambiente democrático do resto da sociedade. Assim, é preciso que o governo brasileiro clarifique melhor qual é a sua proposta, pois até o momento o mais visível é a atuação judicial, especialmente do ministro Alexandre de Moraes, que se alinha mais ao modelo europeu."

Braun destaca que o Brasil inicialmente se inspirou na estratégia europeia, e que a própria Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) é inspirada no GDPR (sigla em inglês para Regulamento Geral de Proteção de Dados) europeu, mas a fragilização do continente pode tornar o Brasil isolado na busca por regulações mais rígidas, "especialmente em um cenário onde os EUA, lar das principais big techs, imbricam seu poder bélico e econômico com o dessas empresas".

"Restaria ao Brasil se aproximar da regulamentação chinesa, o que por si traria críticas de suposto afastamento do 'mundo ocidental'."

Ele considera que algumas decisões tomadas por Moraes quanto à remoção de conteúdos são excessivamente amplas, e que a ausência de critérios claros e objetivos para a remoção de conteúdo ou suspensão de contas pode levar a decisões subjetivas, aumentando o risco de censura.
Palácio do Itamaraty, em Brasília (DF) - Sputnik Brasil, 1920, 26.02.2025
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"Enquanto o marco geral ignora a assimetria de poder e trata as big techs como se fossem um mero cidadão comum se expressando, a Justiça fica entre a estratégia de 'enxugar gelo' a cada nova materialização do extremismo criminoso e a de se antecipar e incorrer em generalizações, tomadas como censura prévia. Esse paradoxo tende a persistir enquanto o país não optar por regulações mais duras, como centralização estatal e autossuficiência tecnológica, que concederia ferramentas legais ordinárias para prevenir e punir crimes digitais já na formatação da ágora digital."
Braun afirma ainda que impérios de mídia como YouTube, Instagram, Facebook (estas duas proibidas na Rússia por extremismo), X e Netflix desempenham um papel significativo na disseminação do imperialismo estadunidense, projetando sua influência econômica, cultural e política global.
"Controlam grande parte do fluxo de informações globais, influenciando o que as pessoas veem, leem e compartilham, moldando percepções e opiniões públicas em favor dos interesses estadunidenses. Pressionam governos como ferramenta de geopolítica, restringindo o acesso como forma de sanção política, colaborando com espionagem de órgãos de Washington ou usando os algoritmos para superdimensionar movimentos políticos locais vassalos."
Diante disso, avalia o especialista, a presença das big techs mina a soberania dos países, obrigando-os a seguir padrões estabelecidos pelos EUA e colocando-os em posição de dependência da infraestrutura de cabos submarinos e servidores de dados amplamente controlados por empresas estadunidenses.

"No tocante a isso, Lula propôs a criação de um marco regulatório para plataformas digitais para coibir abusos de poder, monopólios e práticas anticompetitivas. Tem atuado também para fortalecer órgãos reguladores, como o CADE [Conselho Administrativo de Defesa Econômica], para fiscalizar as big techs e combater a disseminação de informações maliciosas, especialmente após os impactos do uso dessas plataformas nas eleições de 2022", conclui o especialista.

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