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Análise: como o Vietnã superou a destruição da guerra e se tornou uma próspera economia em ascensão

© AP Photo / Achmad IbrahimCarro alegórico representando um tanque é carregado em desfile em comemoração ao 50º aniversário do fim da Guerra do Vietnã, na Cidade de Ho Chi Minh. Vietnã, 30 de abril de 2025
Carro alegórico representando um tanque é carregado em desfile em comemoração ao 50º aniversário do fim da Guerra do Vietnã, na Cidade de Ho Chi Minh. Vietnã, 30 de abril de 2025 - Sputnik Brasil, 1920, 30.04.2025
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Há 50 anos a Guerra do Vietnã, episódio que marcou a geopolítica, era oficialmente encerrada. Em entrevista à Sputnik Brasil, especialistas analisam como o país conseguiu reverter o quadro de destruição e se tornar uma das principais economias em ascensão do Sul Global.
O fim da Guerra do Vietnã (1959–1975) completa 50 anos nesta quarta-feira (30). Em 30 de abril de 1975, o conflito foi declarado oficialmente encerrado, após 16 anos de confrontos entre tropas norte-americanas e o Exército do Vietnã do Norte.
Antes da guerra, o Vietnã, hoje reunificado, era dividido em dois países, de zonas de influências distintas: Vietnã do Norte, que tinha como capital Hanói e era apoiado pela União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS); e Vietnã do Sul, que tinha como capital Saigon e era apoiado pelos EUA.
Nos dias que antecederam o anúncio oficial do fim do conflito, tropas norte-americanas evacuaram várias cidades do Vietnã do Sul, e em 30 de abril tropas do Vietnã do Norte tomaram Saigon sem encontrar resistência, e rebatizaram a cidade de Ho Chi Minh, em homenagem ao então governante do Vietnã do Norte, figura central na vitória.
O episódio é considerado uma derrota histórica da máquina de guerra norte-americana, embora os EUA não reconheçam oficialmente o fato. Reunificado e livre da influência norte-americana, o Vietnã é hoje uma das economias mais prósperas do Sudeste Asiático, com projeção de PIB de 6,5% neste ano, segundo dados do Banco Mundial, além de ser uma referência no Sul Global próxima ao BRICS.
À Sputnik Brasil, Charles Pennaforte, professor da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e coordenador do Laboratório de Geopolítica, Relações Internacionais e Movimentos Antissistêmicos (LabGRIMA), afirma que a guerra deixou no Vietnã cerca de 2 milhões de mortos, "entre soldados, combatentes e população civil", enquanto as perdas do lado estadunidense giram em torno de 350 mil soldados.
Segundo ele, do ponto de vista geopolítico, a Guerra do Vietnã deixa como principal legado "a derrota fragorosa dos EUA".
"Sem dúvida nenhuma, isso [derrota norte-americana] foi um marco na história das relações internacionais e da perspectiva geopolítica, que acentuava ainda mais a Guerra Fria nas décadas seguintes", afirma.
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Pennaforte explica que a guerra do Vietnã é um marco também porque reformulou a política norte-americana em relação às Forças Armadas, principalmente a questão da convocação.
"A partir daí procura-se profissionalizar, e não somente recrutar, a população, os jovens, na faixa etária de serviço. Isso muda totalmente. Foi uma guerra também que foi transmitida pela televisão, era possível ver os combates."
Ele acrescenta que Washington passou a evitar o envio de tropas para confrontos no exterior no intuito de evitar perdas de soldados, que causam um forte impacto "na popularidade de quem estiver ocupando a Casa Branca".
"Então houve uma mudança nessa perspectiva: tropas enviadas só em último caso, quando a situação já está mais ou menos estabilizada. Fora isso, a prioridade sempre é de mísseis de longo alcance, como foi no caso da Sérvia, evitando o máximo possível de perdas, que é o que mais assombra a sociedade americana desde a Guerra do Vietnã", afirma.
No recorte do Vietnã, Pennaforte afirma que a guerra deixou o país "arrasado" do ponto de vista de infraestrutura, e nos anos seguintes o país buscou apoio da União Soviética e da China para "reverter o quadro de destruição".

"Mas nos anos 1980 e 1990, principalmente nos 1980, há uma transferência muito grande de empresas à procura de mão de obra barata. Isso faz com que o Vietnã passe a adotar uma política não tão estilo soviético de planificação, mas se aproximando mais de um modelo mais híbrido, um modelo chinês, na prática. Então, ao longo dos anos 1990 e 2000, o Vietnã passa a ser um novo Tigre Asiático, absorvendo empresas externas que vão utilizar a mão de obra intensiva e barata para a produção."

Nesse contexto, ele afirma que hoje o Vietnã é um país capaz de "se desenvolver razoavelmente bem e tem uma característica bem mais dinâmica em função desse cenário de abertura econômica no sentido clássico".
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Outro legado da Guerra do Vietnã é que os custos sociais de se envolver em conflitos foram revistos após esse marco, conforme aponta à reportagem Valter Peixoto Neto, bacharel em comércio exterior, pós-graduado em relações internacionais e em câmbio, analista político independente do Sudeste Asiático e da Associação de Nações do Sudeste Asiático (ASEAN, na sigla em inglês) e host do podcast MenteMundo, no Spotify, onde apresenta uma série de cinco episódios sobre a Guerra do Vietnã.
"Pela primeira vez, grandes potências perdiam a guerra dentro de casa, o peso e a importância da opinião pública sobre o cenário internacional foram revistos após o evento. A contracultura dos anos 1960 e o marcante ano de 1968 certamente seriam outros sem essa guerra, a rebeldia estudantil de quem era obrigado a servir no Exército e não concordava com a mentalidade política da Guerra Fria não teria a mesma força se não houvesse a Guerra do Vietnã. A análise do custo da guerra também sofreu alteração, foi durante o conflito que [Richard] Nixon [37º presidente dos EUA] se viu obrigado a enterrar Bretton Woods, o sistema financeiro internacional vigente desde 1944", explica.
No lado norte-americano, Neto afirma que o episódio levou os EUA a passarem por "revisões profundas de suas táticas militares e pela recuperação de sua imagem com sua população civil, que ficou profundamente desgastada, algo que até então era novidade".

"Muitos analistas militares dizem que o ataque da OTAN contra a Sérvia, obviamente liderado por Washington, por criminosos 78 dias, foi uma espécie de teste de novas capacidades e táticas militares após a frustrante derrota no Vietnã e para mostrar ao mundo que eles estavam na fronteira tecnológico-militar, com capacidade destrutiva que ninguém mais tinha novamente. O cerco ao Iraque em 2003 pode ser lido sob essa ótica. Mesmo sem o aval do Conselho de Segurança da ONU, eles invadiram o país e rasgaram o direito internacional para demonstrar força pós-ataque do 11 de setembro [de 2001]", explica.

Entretanto ele afirma que, com a chegada da guerra no Afeganistão, a grande máquina militar dos EUA tornou a passar por apuros, "ao enfrentar exércitos irregulares e guerrilhas com forte penetração nas cidades que os militares americanos controlavam".
"O trauma e as comparações das imagens da saída dos EUA do Afeganistão e do Vietnã são inevitáveis, ou seja, se não for lutar contra inimigos grandes e imóveis, como exércitos oficiais e países, os EUA seguem com as mesmas dificuldades de 50, 60 anos atrás."
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Já do lado vietnamita, ele afirma que o legado é de "resistência e esperança".

"O Vietnã mostrou que mesmo as maiores máquinas militares do planeta podem ser derrotadas se houver resiliência, disciplina e uma vontade inquebrável. As múltiplas guerras de independência da África, por exemplo, beberam muito do Vietnã e dos escritos de Ho Chi Minh e do general [Vo Nguyen] Giap, quando o conflito no Sudeste Asiático ainda estava a todo vapor."

Em contraponto, ele frisa que o pós-guerra foi um momento difícil para o Vietnã, uma vez que a ajuda fornecida pela URSS diminuiu.
"Nesse momento e por longos anos seguintes, o Vietnã foi um dos países mais pobres do mundo, com hiperinflação e produção estagnada."
Ele afirma que, em 1986, o país adotou um programa de reformas econômicas chamado "Doi Moi", que significa "renovação" em vietnamita, que tinha um caráter liberalizante.

"Seu objetivo principal era transformar a economia vietnamita de um modelo centralmente planificado, de estilo soviético, para uma economia de mercado com orientação socialista, sob inspiração da abertura econômica implementada na China a partir de 1978, por Deng Xiaoping. As primeiras medidas foram a liberalização dos preços agrícolas, o incentivo para a criação de um setor privado local e o fim do monopólio estatal do comércio exterior."

Porém ele afirma que "o que pouca gente sabe é que embora o Doi Moi seja esse grande marco, desde 1980 o país já vinha adotando medidas nesse sentido", que, somadas ao programa, impulsionaram a economia, reduziram a pobreza e estabilizaram a moeda, permitindo empregos de melhor qualidade para as gerações posteriores.
"Nesse ano [1980], as províncias foram permitidas a criar empresas locais controladas por elas. Em 1981, os camponeses já começaram a ser liberados de reter a produção além da cota estimada pelo governo, posteriormente o controle de preços de uma série de produtos foi removido e somente depois que chegamos ao Doi Moi", afirma.
Neto considera que hoje "o Vietnã é a maior economia emergente do mundo, no sentido de ser a mais requisitada", e nos últimos anos "tem aumentado incrivelmente o número de parceiros".
"No fim do ano passado, o Brasil subiu de nível de parceria com o Vietnã, indo para 'Parceria Estratégica', o último estágio antes do nível mais profundo, que é 'Parceria Estratégica Abrangente', que pertence a apenas 12 países: China, Japão, EUA, Rússia, Índia, Coreia do Sul, Austrália, França, Malásia, Nova Zelândia, Indonésia e Cingapura. Desses 12, somente China Rússia e Índia foram feitos [parceiros estratégicos abrangentes] anteriormente ao mundo que vemos agora, todos os outros nove foram feitos pós-pandemia e já nesse contexto internacional fragmentado e em crise."
Ele acrescenta que essa "ascensão econômica se deve a vários fatores", e que hoje "o Vietnã exporta mais e com maior complexidade industrial que o Brasil, mesmo com metade da nossa população e um território seis vezes menor".

"É um país de renda média-baixa com ambições de se tornar um país de renda alta até 2045. Várias são as vantagens comparativas que eles possuem em relação a outras potências emergentes: salários relativamente baixos, moeda desvalorizada que facilita investimento externo, mão de obra especializada e abundante, posição geográfica estratégica, estabilidade política e demografia vantajosa", conclui o analista.

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